28.2.05

Que Grande Lata!!!

No Público de hoje, versão on-line, consta:
O capítulo dedicado a Portugal do relatório anual do Departamento de Estado norte-americano sobre a violação de direitos humanos no Mundo salienta as más condições nas prisões e os maus tratos infligidos a detidos e afirma que a violência exercida sobre as mulheres e as crianças constitui um problema
Como se atrevem? Não me digam que é nos EUA que o sistema prisional e judicial garante os direitos humanos. E que as prisões são as melhores. Naquele país em que o indivíduo que for condenado pela terceira vez será condenado, invariavelmente a prisão perpétua. Onde o conceito de reinserção social do condenado, durante o cumprimento da pena, não existe. Apenas retribuição, punição. O país que prende pessoas há mais de três anos sem sequer os acusar, em condições que nem deixa serem sindicadas por terceiros, apenas porque serão terroristas. Serão? O país prepotente, irritante, e que cada vez mete mais nojo.
Acabo o dia com urticária.

Ao correr da semana que findou


É em silêncio que José Sócrates vai construindo o seu Governo. Antes assim. Do habitual ruído criado pelas fugas de informação do "vai que não vai" para ministro acaba sempre por sobrar um gosta a amargo e a insatisfação. Pode ser que, desta vez, seja uma agradável surpresa o nome dos ministros escolhidos.
Ou talvez não.

O Professor Marcelo regressou à TV. Não o ouvi, porque já não tenho paciência para o dito. Mas, pelo menos, muita gente voltará a ter opinião política à segunda-feira. Quanto mais não seja, reproduzindo aquilo que ouviu na véspera, como acontecia quando o dito comentador era ouvido na TVI.
Uma coisa me apraz: Esperou pela passagem das eleições, evitando imiscuir-se nas mesmas opinando em plena campanha. Foi sensato.

Uma semana depois das eleições, e eu bem o dizia, só importa o Porto-Benfica de hoje. As prioridades das pessoas, alinhavadas nos media, são de fraca substância.

A telenovela do estado de saúde do Papa continua. É mais que evidente que a cada dia que passa se agrava a sua condição. As exigências do cargo que ocupa e da Igreja que representa levam a que não lhe seja concedido o repouso, a calma, a paz que entendo seriam preferíveis para quem a inevitabilidade da morte visivelmente se aproxima.
Nos corredores muito se falará na sua substituição. Para o exterior apenas palavras de apoio e segurança. O Papa pode reger a Igreja por escrito.
Todos vemos como poderá o senhor escrever.

A título de curiosidade, e para celebrar mais umas experiências positivas no atendimento público, relato dois eventos:
na repartição de Finanças do 8º Bairro Fiscal de Lisboa fui atendido de forma exemplar, eficaz e esclarecida por um funcionário que me resolveu aquilo que pretendia, não obstante eu ir "enganado", com os impresses errados preenchidos;
na Loja do Cidadão dos Restauradores, no Sábado, pretendendo alterar a morada no BI, renovando-o, tinha mais de cem (100!) números de senha à minha frente. Quando as pessoas trabalham durante a semana, acabam por optar e aproveitar o facto de disporem destes serviços ao fim-de-semana. Não é, pois, de estranhar a afluência.
Ainda assim, esperei apenas uma hora e meia, o que julgo razoável, e fui atendido por uma funcionária que, apesar de estar à horas naquele ambiente já pesado, a atender uma avalanche contínua de público, me recebeu com um sorriso, e calmamente mas sem perda de tempo, me despachou deixando esclarecido tudo o que se iria passar depois.

"Um Dia Acordei" (2)


PARTE


Olhos tristes.

Como os teus olhos estão tristes.

Como doeu, ver-te depois de tantos anos, triste.

Estavas com o capacete posto, e nem o tiraste. Ias pegar na mota e trabalhar. Uma "cinquenta" para entregar correio expresso. E pela viseira esses olhos tristes, vencidos, completamente derrotados. Apesar de iguais a doze anos atrás, o brilho fugira. O sonho fugira. E aquilo que para ti sonhei não existe. Não o tens. O meu sonho também se desmoronou. Porque és um vencido e sempre te vira como vencedor.

Era pequeno quando brincava contigo. Já andavas de mota, ainda eu pedalava mal. Foste tu quem me ensinou a andar de bicicleta, lembras-te? Já tinhas namorada ainda eu detestava as raparigas e as suas bonecas. Enquanto montava legos tu desmontavas motores. E sonhavas.

Sonhavas em sair de casa, deixar o padrasto execrável, e ser independente. E eu acreditava. Via-te como um ídolo, um exemplo. Fazias tudo o que querias e perdias tempo a brincar comigo, seis anos mais novo. Fazias tudo o que querias e enfrentavas a porrada que te davam.
E acabaste por partir. Um dia, sem dizer nada. Sem nada se saber. Pura e simplesmente já lá não estavas. Já não te via à janela do quarto. Já não ouvia a música que punhas alto e eu não percebia. Já não estavam ali a tua mota, nem aquelas miúdas giras com quem andavas.

Então comecei a sonhar. Sonhei que tinhas conseguido. Que venceras. Que eras autónomo. Tantos anos depois só podias ser mecânico de qualquer campeão de motociclismo. Ou de automobilsmo. Na pior das hipóteses eras encarregado de alguma oficina onde só pelos sons percebias os defeitos dos carros, as falhas nos motores.

Sonhei-te vencedor. Nunca casado, não! Qual seria a mulher que te prenderia? Tu, que com o teu jeito tímido e resposta sempre pronta arranjavas as mulheres mais giras. Tu, que na traseira da tua mota levavas loiras com os cabelos a sair do capacete e que te agarravam com medo de cair nas curvas que negociavas a alta velocidade.

Como doeu ver os teus olhos vencidos. Ver-te de volta à casa de onde fugiste e para onde regressaste sem qualquer ponta de orgulho. Para ficar pior que há doze anos atrás. Para conduzir uma "cinquenta", tu, que devias andar numa moto de alta cilindrada.

Como me falaste quando estupidamente perguntei "Então, como vai isso?" "Não muito bem..." deixaste no ar. Não muito bem... Vai péssimo. Perdeste os teus sonhos. Desfizeste os meus. Caíste. Dói-me ver-te assim. Não podes ser assim. Vou tentar esquecer esses olhos magoados e imaginar-te há doze anos atrás. Vencedor. Meu ídolo. E sonhar que venceste. Que quem regressou foi a imagem sonhada por todos os que maldisseram a tua partida.

Por favor, ... parte outra vez.

25.2.05

"Um Dia Acordei" (1)

(nota prévia: depois do "Um Imenso Caldeirão", a produção de contos continuou. Os que se seguiram foram reunidos em "Um Dia Acordei". Nos próximos dias, contem com a sua revelação, aos poucos, para ler devagar. Começa assim...)
"UM DIA ACORDEI"


Um dia acordei.
E a vida tinha sido apenas um sonho.


CORRENTE

A praia é pequena. Uma estreita faixa de areia no fundo de uma falésia. O mar, revolto, espuma junto às frequentes rochas, branco, verde, azul, entrecortado por manchas de luz de alguns raios que conseguem furar o céu cinzento.

Está sozinho, aquele rapaz. Nesta altura do ano ninguém para ali vai. Mas ele está lá, à beira de completar a segunda década da sua vida. Está sentado na areia, joelhos junto ao peito, abraçado às pernas. Contempla o mar, não!..., contempla um ponto no mar, onde a viu pela última vez.

É um rapaz normal, mediano, que passaria despercebido em qualquer lugar. Em criança fora gordo. Gozaram com o seu peso, as suas formas arredondadas, o seu jeito sensível e mimado. Mas depois cresceu, emagreceu e, se nunca criou músculos por aí além, o certo é que ficou com uma aparência agradavelmente normal, comum.

Há mais de duas horas que olha para ali... o mar é traiçoeiro. A maré vazante puxa tudo para o largo numa corrente forte e gelada. Olha o vazio, o vazio da sua alma que chora a perda há tanto anunciada. Quantas vezes sonhara com aquele desfecho? Quantas vezes acordou com o nome dela na boca e a sensação de que nada o poderia evitar? Cinco? Dez? Qualquer coisa do género.

Hoje, finalmente, os seus sonhos, pesadelos, tornaram-se realidade e ele é o portador de uma verdade que ninguém virá a conhecer. O seu último segredo está guardado.

O rapaz que olha aquele ponto fixo no mar, que olha o vazio da sua alma, não sabe quando sairá dali. O que testemunhou feriu-lhe o coração, abateu-lhe a vontade, destruiu qualquer objectivo... Só quando anoitecer, talvez, estará em condições de se erguer e, suave e absortamente, caminhar até casa.

Estava sozinho. Os pais foram uns dias para Espanha. Por isso, quando acordou ao som da campainha, esta soou fúnebre. Adivinhou que seria ela. Levantou-se, abriu-lhe a porta, e levou-a para o quarto. Estava a chorar e pediu-lhe que a abraçasse com força. Estava fria. Foi debaixo dos cobertores que a manteve junto a si. Sentia as lágrimas quentes a correrem e molharem-lhe o pijama. Nada disse. Agarrou-a. Só. Num grande amplexo.

Já era meio-dia quando ela o olhou nos olhos e disse:

"Vou fazê-lo. Hoje."

O nó na garganta do rapaz que olha o mar aumentou. Só podia ser isso.

"Juraste que me ajudarias."

"Mas... eu não quero, eu ..."

"Por favor..., eu ajudar-te-ia..."

Após um silêncio ele acedeu.

"Como?"

"Com poesia. Com força. Vou deixar que o mar nos leve."

"E eu?"

"Fica na praia. Assegura-te de que parti. Que nós partimos."

Já tinham falado daquilo. Por isso em silêncio desceram as escadas da falésia, abandonadas pelo Inverno. Em silêncio se sentaram na areia.

"Não queres repensar?..."

"Por favor..., não... não..."

"Desculpa."

Passados minutos, em que só as ondas a rugir fustigavam o silêncio dos dois, ela ajoelhou-se a seu lado, tomou-lhe a cabeça nas mãos e olhou-o.

"Amo-te. É pena que o homem mais perfeito que conheço seja o meu irmão." Beijou-o ao de leve nos lábios e partiu. Mar adentro.

O rapaz viu. Viu-a avançar. Passar a barreira de rochas, ser apanhada pela corrente e desaparecer. Desapareceu.

Os pais nunca saberiam. Nunca saberiam que a filha estava grávida. Que era seropositiva. Que o bebé sofreria da doença. Que o pai do bebé já morrera com uma overdose. Que o irmão era a única pessoa a saber da história. E a admirar a irmã que também amava.

Sentia nos lábios o aflorar de um sentimento impossível. Sentia que se não fosse a malfadada genealogia eles poderiam ter sido amantes. Mas que foram apenas os melhores amigos do mundo.

O rapaz olha para o mar, para o ponto do mar em que a sua irmã desapareceu. Não consegue chorar.

Ergue-se, avança para as ondas, caminha. Passa a barreira de rochas. Sente a corrente. Deixa-se levar.

24.2.05

Anos '80 - 80 Memórias (30)


Os anos 80 foram palco para uma aventura que se prolongou por três filmes, todos eles excitantes para miúdos e graúdos. Jovem adolescente, adorei o primeiro filme da série e devorei os demais. Falo, como a fotografia o revela, de "Regresso ao Futuro", o "Back to the Future", o filme em três actos realizado por Robert Zemeckis e brilhantemente interpretado por Michael J. Fox e Christopher Lloyd.


Michael J. Fox era já um ídolo da juventude por causa da série Family Ties, onde interpreta o irreal Alex P. Keaton e que, ainda hoja, entra nas nossas casas em sucessivas reposições. Porém, em "Back to the Future" constrói um personagem que se assume como anti-herói, impulsivo e desastrado, com propensão genética para ser um falhado mas que, ao fazer as coisas certas nas alturas indicadas consegue superar esses defeitos e imortalizar-se como o herói de uma geração. A sua imagem era uma referência, e lembro-me de, certamente ridículo, andar com um blusão de penas sem mangas por cima do blusão de ganga, pois esse era o visual de Marty McFly.
O veículo utilizado, um DeLorean, apenas obteve sucesso nessa película, mas as suas formas, alteradas para o tornar uma máquina do tempo revelam o brilhantismo do conceito do filme.

Num argumento complexo mas filmado sempre sem perder o fio à meada, encontramos uma aventura com acção e humor que de tanto viajar no tempo se torna intemporal.
Há uns meses atrás entrei na FNAC e encontrei a triologia em DVD à venda por um preço promocional imbatível. Comprei-a e vi os três filmes num fim-de-semana. Continuo a achá-los irresistíveis. O primeiro foi lançado em 1985. O segundo em 1989, enquanto o terceiro já estreou em 1990.

São, contudo, um marco para os meus anos ’80, e uma referência inultrapassável.

"Um Imenso Caldeirão" (18) - Epílogo



Era neste. Sentia-o. Só podia ser.

A espera ia chegar ao fim.

A angústia encontraria o sossego da alma.

Poderia entregar-me àquilo porque ansiava.

Ela vinha ali.

Finalmente.

Ela vinha ali.

Continuava sem saber quem ela era. Mas quando ouvi a voz dizer que o comboio vindo de Tomar ia entrar na linha sete eu soube que...

Tinha de ser. Agora já não era a história de qualquer um, não era mais uma história. Era a minha. Era o meu momento.

Levantei-me do banco que tomara como meu nos dois últimos dias. Atravessei o átrio cruzando-me com as poucas pessoas que sob a luz amarela aguardavam por qualquer coisa.

Olhei pela última vez aqueles quadros enganadores, e passei as portas entrando na gare. Fui pela direita, em direcção à linha sete. Muita gente saía do comboio. Muita gente mesmo.

E lá vinha ela, à frente dos passos apressados que abandonavam Santa Apolónia. Lá vinha ela. Só podia ser... A luz, a luz que eu via...

Recebi-a de braços abertos e um sorriso de felicidade como nunca ostentara.

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- Notícia da LUSA -
"O conhecido escritor Vítor Cardoso faleceu ontem à noite na estação de Santa Apolónia, vítima de um fulminante aneurisma cerebral (...) - 07-01-96."

23.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (17)



Era um jovem como qualquer outro. Metódico, adivinhava-se. Pelas vezes que olhava para o relógio, para o painel das chegadas, para as linhas lá ao fundo. Por ter consultado o horário que cuidadosamente tirara da carteira.

Chegou cedo. Faltavam quinze minutos para o comboio chegar. Sentou-se no banco ali ao lado, observando tudo, tal como eu fazia. Senti-o observar-me. Tentava relaxar mas não o conseguia. Não havia naturalidade na sua postura. Parecia estar a estudar, a preparar o seu próximo movimento, as suas próximas palavras.

Com um rigor matemático, no momento em que o nome do comboio que aguardava desapareceu do quadro, sinal da sua chegada, ergueu-se e, lesto, caminhou para a gare.
Saiu muita gente. Muita gente mesmo.

No fim, depois de todos, ele regressou, Só. Olhava a toda a volta, procurando quem afinal não viera.

Rodopiou, andou, parou, voltou para trás, hesitou...

Quando, por fim, viu e confirmou a chegada do próximo comboio, bufou e veio sentar-se. A meu lado, posto que o seu pretérito lugar fora ocupado por uma família angolana.

Apercebi-me do que passava pela sua cabeça. A raiva contida, mastigada... a frustração... o medo. Estudava todas as hipóteses. Compunha o sermão... Sim, iria fazer-lhe um sermão! Mastigava. Assoprava. Tremia. E temia.

Ela veio uma hora depois.

Bastou um sorriso. Um infantil "desculpa" que nem foi pronunciado. Só olhado.

Completamente desarmado, esqueceu de imediato aqueles terríveis sessenta minutos. Olvidou totalmente o sermão.

Levantou-se e envolveram-se num enorme amplexo.

Estavam de novo juntos.

22.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (16)



Sentou-se no chão. Via a léguas que era inglesa, ou de qualquer outro país britânico. Camisola cor de vinho. Calções largos, pretos. Ténis made in Indonesia. Não era nova. A cara branca, sardenta, já ostentava algumas linhas de idade. O cabelo ruivo estava baço, cansado. Os trinta certamente que já eram passado.

Olhou à volta displicentemente. Do saco emergia o topo de uma garrafa de litro e meio de água. Enfiou lá dentro a mão e extraiu um livro: "Women writers at work", da Penguin. Sentou-se no chão.

Começou a ler. As moscas implicavam comigo, mas não a vi, uma só vez que fosse, sacudir qualquer dos irritantes insectos. Parecia que não lhes interessava e mantinham-se ao largo.

Passado um pouco, descalçou-se. Com um à-vontade de quem está em casa lançou os ténis, com as meias lá dentro enfiadas, para o canto onde o saco encaixara. E continuou a leitura.

Nada à sua volta importava.

Estava incólume no seu mundo. O resto é supérfluo.

21.2.05

Anos '80 - 80 Memórias (29)

TOLAN

Em criança as idas a Lisboa, não obstante estar a capital tão perto, eram sempre uma ocasião especial. A viagem era feita de comboio e dentro da cidade nos autocarros da Carris. Ir a Lisboa era sinónimo, invariavelmente, de uma ida ao médico, ou visita a alguém.

Por isso, chegava pelo Cais do Sodré e, quase sempre, o autocarro levava-me ao longo do Tejo até ao Terreiro do Paço, onde virava embrenhando-me na Baixa. Ora, durante vários anos, nesse trecho do percurso, espreitava com ansiedade a aparição do Tolan, fiel amigo da navegação fluvial que ali permaneceu durante muito tempo.

O Tolan é uma memória difusa, mais ainda assim forte. Pesquisei na rede e nada de informativo encontrei sobre o navio. Impossibilitado de avivar a memória, não sei quando se afundou, ou quando foi removido do fundo do Tejo.

Sei apenas que aquele barco, conhecido como o "porta-aviões das gaivotas", tinha parte da quilha à tona, o fundo vermelho ao sol desbotava, enquanto o resto do aço desparecia nas profundezas do rio que banha Lisboa. Ali se afundou, em condições e por causas que diziam ter sido estranhas. Ali permaneceu, alimentando histórias contadas à boca pequena, de que a sua carga continha armas para tráfico, ou de que no seu interior estariam cadáveres que não interessava descobrir.

Era um marco de Lisboa, quando a visitava, naquela década de 80. O Tolan, no Tejo, alimentando intrigas.

Era um risco para a navegação. Tarde, disseram os marinheiros, foi removido. Tardou, mas o rio perdeu o seu afundado amigo, e as gaivotas perderam o seu poiso privilegiado, de onde contemplavam o tráfego dos cacilheiros e das gentes que diariamente alternavam entre as margens do Tejo.

"Um Imenso Caldeirão" (15)



Eram três horas da tarde. O sol entrava por cima da minha cabeça. No chão, o recorte luminoso da janela só era interrompido por uma réstia da minha sombra.

Foi nesse pedacinho que uma miúda de cinco, seis anos, cabelo escuro, comprido, e muitas sardas se sentou. Ali no chão iniciou uma conversa com o seu amigo invisível. Palrou deliciosamente durante uma curta eternidade. E se eu não percebi quase nada do que dizia, devorei a atitude, a serenidade, a ilusão.

Os pais surgiram assustados. O casal com ar de perder muito tempo a discutir deixando a criança para um segundo plano, aparentava já ter andado à sua procura pela estação. Enquanto lhe ralhavam por uma falta infantil, olharam para mim com desconfiança.

Fui visto como um pederasta.

Creio que servi de exemplo:

"Cuidado com os senhores como aquele ali. São maus..."

Os resustados eleitorais vistos por um Urso


Legislativas 2005:
resultados finais no continente e ilhas
PS: 45,05% (120 deputados) 2.573.302 votos
PSD: 28,69% (72) 1.638.931
CDU: 7,57% (14) 432.139
CDS-PP: 7,26% (12) 414.855
BE: 6,38% (8) 364.296
PCTP/MRPP: 0,84% (0) 47.745
PND: 0,70% (0) 39.986
PH: 0,30% (0) 16.866
PNR: 0,16% (0) 9365
POUS: 0,10% (0) 5572
PDA: 0,03% 1604
Votantes: 5.711.981 (65,02%)
Abstenção: 3.072.721 (34,98%)
Brancos: 103.555 (1,81%)
Nulos: 63.765 (1,12%)
Agora o PS não pode queixar-se. Tem aquilo que sempre desejou: uma maioria absoluta. Agora podemos ser exigentes, pois o PS não tem desculpas. Escusará vir para a praça pública choramingar com o estado em que se encontra o país, com os problemas que o governo cessante lhe deixou. E porquê? Por que foi exactamente para resolver esses problemas que foi o PS eleito Governo. E tendo maioria absoluta só lhe compete fazer aquilo que necessitar, de acordo com a sua orientação política e o programa que apresentou.
Daqui a 4 anos cá estaremos para os julgar. Os falhanços ao PS caberão. Os louros do sucesso ao PS caberão. O voto, aos eleitores caberá em 2009. Espero, ardentemente, que o PS não governe a pensar no voto. Teve o exemplo provado que essa falácia não rende. E o país precisa de melhor governo.
O PSD sofre uma derrota clamorosa. Perde mais de 540.000 votos, numas eleições extremamente concorridas em número de eleitores que se deslocou às urnas. É pena, pelo enfraquecer da oposição. É bem feito, por acreditarem em Pedro Santana Lopes. Este, "humilde" como de costume, assumiu a responsabilidade, disparando em todas as direcções para aliviar a "culpa". Agarrado ao poder, como de costume, procura manter-se na liderança para ser oposição. Espero, sinceramente, que o PSD se revele mais inteligente e o ponha na prateleira. Caso contrário, no fim do ano, temos o mapa autárquico pintado de rosa.
A CDU, ou antes, admitamos, o PCP volta a ser o terceiro partido. Como não acontecia há muitas eleições, o PCP aumenta o número de votos e de mandatos. Jerónimo de Sousa tem razões para estar feliz. Teve sucesso onde todos esperavam o fracasso. É um fôlego que o partido precisava para não morrer. Só é pena que Jerónimo de Sousa seja mesmo apenas uma fachada. Uma imagem. Por trás de si está um Comité Central, esse sim, o que manda no colectivo. E o "líder", é o manifesto resultado de uma operação de cosmética. Será que a cosmética permitirá um ensejo renovador dentro do partido? Duvido.
Paulo Portas portou-se como um político coerente. Assumiu a derrota, que a sofreu, não permitindo a leitura, possível, de ter conseguido minimizar o mais que pôde um descalabro inevitável. Era manifesto que a direita iria perder e com isso o CDS/PP deixar fugir a influência que teve nestes últimos três anos. Ainda assim, perder apenas dois deputados, num partido que já teve resultados eleitorais desastrados, calamitosos, julgo que foi muito bom. Sinceramente, pensei que fosse pior. O certo é que Paulo Portas conseguiu imputar no PSD e em PSL as desgraças deste Governo.
Temo que o CDS/PP sem Paulo Portas venha a cair em crise. Também acho mal. Faz falta um partido à direita do PSD com força para carecer de ser ouvido.
O BE tem uma vitória estrondosa, com uma multiplicação de votos e mandatos incomparável. Pode dizer-se que o partido entrou na idade adulta. Saberá o BE lidar com a responsabilidade que lhe conferiram os eleitores? Veremos. Ser oposição a governos de maioria absoluta é árduo. Mas, caberá também ao BE policiar o governo, juntamente com o resto da oposição. Alertar para os erros e sugerir medidas a implementar e problemas a resolver. Se o fizerem com a necessária serenidade e ponderação, deixando de ser a fractura radical, só ganharão em credibilidade e apoio. Caso contrário, em 2009 podem cair em desgraça.
PCTP/MRPP, PND, PH, PNR, POUS e PDA são tão marginais que até apetece questionar as razões da sua existência. Ainda assim, no total, são a voz de 121.131 (!) eleitores, mais do que os votos brancos e o dobro dos nulos. Quer isto dizer que quase 290.000 votos não tiveram "utilidade" em termos de apuramento de mandatos. É muita gente.
Finalmente, a ida às urnas de tantos eleitores foi uma surpresa agradável. Era bom que este fosse o número mínimo de eleitores que a cada acto eleitoral se dirigisse às urnas. Porque, sem dúvida, o número de votantes legitima e dá sentido a tudo isto.
Sabem que mais? Amanhã já falarão mais no Benfica, e se este conseguiu, ou não, igualar o Porto no topo da tabela, que no novo Governo. E, aí, mora a tristeza. Porque estes resultados não são o fim de um processo. Pelo contrário. Agora é o começo. Começam quatro anos que têm que ser positivos. A bem de todos nós.

18.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (14)




Ali estava ela. Quarenta anos, com uma criança de sete pela mão. Três malas, daquelas plásticas, com rodinhas. Vi-a chegar, decidida. O miúdo esteve calmo enquanto ela comprou os bilhetes, alguma comida de ocasião e um chocolate que o entreteve durante algum tempo.
Depois, sentaram-se ali perto. Faltava muito para o comboio.

O pequeno homem começou a ficar irrequieto e, na sua inocência, perguntou uma, duas, três, várias vezes pelo pai. A cada insistência via as lágrimas assomar àqueles olhos verdes rodeados de rugas. Vi o nó na garganta que a obrigava a engolir em seco. Vi um soluço abafado.

Acabou por se levantar e iniciar uma conversa telefónica. À distância, por entre lágrimas convulsivas, consegui ler-lhe nos lábios uns "desculpa".

Quando terminou, rasgou os bilhetes, secou as lágrimas e encaminhou-se para o filho com um sorriso. Nesse sorriso estava algum alívio.

Estava também a derrota.

17.2.05

Anos '80 - 80 Memórias (28)


Mira técnica

Perdeu-se a mira técnica. Lembram-se que a RTP iniciava as suas emissões às quatro da tarde? Ou pelas oito da manhã ao fim de semana? e que até iniciar a emissão exibia orgulhosamente a sua mira técnica acompanhada de música?



Quando as privadas apareceram também tinham as suas miras técnicas. Depois veio a emissão contínua, ainda que à custa do TV Shop e desapareceram as miras.

Juntamente com a mira técnica vinha o hino. Muitas vezes o ouvi naqueles anos oitenta. Porque a emissão abria, invariavelmente, com o espaço de desenhos animados que ansiosamente era esperado. A mira técnica dava lugar ao relógio, que nos últimos dez segundos fazia pi-pi-pi- piiii e dava lugar ao hino da RTP, empolgante. Normalmente seguia-se uma locutora de continuidade, antigamente em pessoa, dando a cara, depois em voz-off a anunciar a programação e, finalmente, lá tinhamos o nosso programa.

Longe vai o tempo em que a televisão não ocupava o dia todo. Agora, a qualquer altura, há imagem em movimento. E se tivermos TV Cabo, a qualquer hora podemos ver um programa minimamente interessante.

"Um Imenso Caldeirão" (13)




- Vem comigo.

- ... Não posso...

- Podes sim. Vem comigo.

- ...

- Amas-me?

- Mais que tudo.

- Então vem.

- Não posso... Deixar tudo o que tenho...

- O que importa isso? O que é isso?

- É o seguro. É o meu.

- Como podes ser tão egoísta? Se me amasses verdadeiramente não custava nada. E vinhas.

- Eu quero, mas...

- Tens medo?

- Não é medo, é...

- ... É uma pena. - com as lágrimas a correr cara abaixo ela partiu. Ombros caídos, mas decidida. Não podia perder a vida por causa de alguém que deturpa o amor.

- Mas, e o meu bairro? A minha terra? Os meus hábitos? Sim, não tenho emprego, não tenho família, não tenho... - ficou a falar sozinho, braços estendidos, palmas das mãos para fora.

Saiu da minha frente a abanar a cabeça, como se os seus argumentos facilmente contrariassem a posição dela. Como se sempre tivesse a razão do seu lado.

Correio


Ontem, na caixa do correio tinha uma carta daquelas que convencionou chamar-se de "infomail", apenas por preguiça em ser criativo com a língua portuguesa.
Sobrescrito branco com a referência legal a "infomail" e uma frase do tipo "sé não costuma votar leia esta carta" (esqueci-me do original em casa e estou a citar de cor".
Achei estranho que a Comissão Nacional de Eleições se dirigisse aos eleitores sem que no referido sobrescrito estivesse o seu símbolo identificativo e, curioso, abri-o e comecei a ler a "carta" sem a desdobrar.
Começava por me pedir que não deixasse de ler a carta. Que não interrompesse a leitura como o Presidente da República tinha interrompido o governo. Foi então que, irado, abri toda a extensão da folha para descobrir a assinatura de Pedro Santana Lopes.
Em lado algum estava o símbolo do PSD. Era uma "carta particular" do candidato. Ridícula. Completei a leitura, porque pressenti que hoje iria escrever sobre o tema, e fiquei estupefacto com o tom. Era o tom do coitadinha. Escrito, com todas as letras, estava a síndroma de Calimero. Não gostam de mim, coitadinho de mim, só porque sou diferente... se também tem este complexo vote em mim...
O que me chateia, é que esta manobra não é de todo inocente, e tem frutos. Não sei quantos, mas tem. Há que engula esta postura e se sinta solidário com PSL. Mas será assim tão difícil ver o embuste que aquele senhor é?

16.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (12)



Estava há meia hora a tentar telefonar.

Vinda directamente do meio rural, a sexagenária de cinzento e preto vestida barafustava com a máquina queixando-se de que nem conseguia marcar o número todo.

No entanto, orgulhosa como sempre fora, senhora de si desde a morte do seu marido havia mais de trinta anos, recusou-se a pedir ajuda.

Eu, só pelos comentários, percebi que o número estava incompleto, desactualizado, que o indicativo decerto mudara para três dígitos. Mas recusei-me a ajudar voluntariamente em virtude da arrogância campónia que entendi existir.

Ela também não cedeu a um pedido de auxílio.

Desapareceu a resmungar.

15.2.05

Anos '80 - 80 Memórias (27)


Belinhas com Tang

Se calhar não fica mal esclarecer que nasci em 1971. Quer isto dizer que os anos 80 ocuparam os meus 9 aos 19 anos de idade. Logo, as minhas memórias daquela década iniciam-se na infância e na escola primária, para terminar em plena adolescência, na Faculdade.
Porquê a introdução, perguntarão?
Porque uma das memórias que tenho daqueles primeiros anos da década de 80 é a de uma combinação que fazia o "lanche perfeito": belinhas e tang.
As belinhas, aquelas bolachas de chocolate que eu adorava, só apareciam de vez em quando, e eram um verdadeiro pitéu, com direito a presença obrigatória nas festas de anos. Juntá-las com Tang, ou Clic (outro produto idêntico), era delicioso (!!?). Como era fácil contentar um puto com dez anos. Mas mais se diga que nem um nem outro eram frequentes. Pelo que ter à disposição os dois correspondia a alegre festa.
Com o passar dos anos reconhecemos que um "sumo" composto de água e açúcar com aromatizantes e corantes a fingir que sabe a laranja não é saudável, nem sequer saboroso. Mas na altura era. E as próprias belinhas eram bolachas duras cobertas por chocolate de qualidade duvidosa.
Como digo, era fácil alegrar um puto de dez anos. Belinhas e Tang, era um lanche divinal.

"Um Imenso Caldeirão" (11)



Não pude deixar de reparar nela.

Alta, loira, mas feia. Tinha um corpo de espanto, vestido com um conjunto saia/casaco cinzento. As longas pernas eram perfeitos anúncios de collants. Fumava um cigarro comprido que mantinha descaído no canto da boca formada por dois finos lábios, traços vermelhos. Não tinha qualquer maquilhagem, mas os seus olhos azuis, frios, sobressaíam dolorosamente.

Trazia consigo uma caixa de violino que destoava tanto, tanto... Apesar das mãos finas e compridas, não a via a manejar o arco, sequer a tocar qualquer instrumento. Muito menos o nobre violino.

Dirigiu-se à cabina telefónica ao meu lado. Assim que atenderam disse:

- Deves-me cinco mil contos. - a voz, calma e pausada, era poderosa. Tal como imaginamos a voz de um psicólogo.

Desligou sem dar hipótese de resposta e desapareceu num ápice em direcção aos táxis.

"A Capital", nessa tarde, dava conta em grandes parangonas do assassínio, em Coimbra, de um juiz que tinha a seu cargo o julgamento de uma poderosa rede de narcotráfico.

Na última fotografia que lhe fora tirada, via-se ao fundo uma mulher loira, alta, com um estojo de violino.

14.2.05

Notas sobre o ridículo


Morreu Irmã Lúcia, figura que alimentou aqueles que invoam para este pequeno país um dos mais fortes milagres da fé católica. Fátima cresceu à volta do "milagre" e o Papa ainda em exercício divulgou-o para além fronteiras de uma forma inquestionável.
Por todo o mundo os católicos já terão ouvido falar de Fátima, em Portugal.
Milagre ou embuste, é questão que a fé de cada um responderá. A última "testemunha" da aparição de Nª. Senhora faleceu e tal como viveu em recolhimento durante quase toda a sua existência, as sua exéquias estão previstas com sobriedade.
Há muito se deu a separação do Estado da Igreja. Pelo menos no papel. Porém, o aproveitamento político (sim, não é nada mais do que isso) que certos partidos fizeram deste óbito, cancelando actividades de campanha é algo de incrível. Do PP, ainda seria de esperar, atenta a sua posição marginal, à direita, conservador e tendencialmente católico. De um partido de massas, do centro, mas encostado à direita como o PSD, já não seria de esperar. Do PS, que se arroga como bandeira de esquerda, não obstante a sua posição central é totalmente inadmissível, paradoxal.
Finalmente, quanto ao luto nacional... qual foi o critério para o decretar? Não me recordo se quando a Amália morreu também foi decretado luto nacional. Se foi, então, percebo o critério: Fátima, Fado e Futebol. Quando chegar a hora de Eusébio (que esperemos venha longe), também teremos o diazinho de luto nacional.


Voltando à campanha, tenho que admitir que nunca me dediquei a ver tempos de antena, pois não acredito que os mesmos possam ser minimamente esclarecedores. Este ano, porém, e após uns amigos me terem dito que se tinham divertido a valer a vê-los na televisão, decidi espreitar.
Então não é que eles tinham razão? Há de tudo. Dos divertidos aos ridículos, dos ostensivamente ricos, aos pobres remediados filmados com a câmara digital caseira no jardim da rua ou frente a um pano, do discurso dogmático e utópico ao demagógico e surreal...
Vale a pena espreitar. Não que sirva para esclarecer alguém. Mas serve para demonstrar, pelo menos, a capacidade criativa. Com três minutos por partido, aquilo passa a correr.
E ao que ouvi, até vão subindo em audiências (eheheheheh)

"Um Imenso Caldeirão" (10)





- Então?, já compraste a merda dos bilhetes?

Era um negro com patilhas brancas. As cãs venciam na sua carapinha curta coberta por uma boina castanha. Era um tipo seco, duro. E a sua voz, cuspida, soava malevolente.

- Já.

- Então vai buscar o puto.

A interlocutora era maior do que ele. Especialmente para os lados. Além da largura natural, estava estupidamente grávida. Uma mulher com uma barriga daquele tamanho só podia mesmo estar à beira do parto.

Estranhei a cena. Era notório que a mulher já tinha dificuldade em mover-se, porém ele mandava-a comprar os bilhetes, ir buscar o puto... Quando por mim passou, vi raiva, desilusão, frustração, sofrimento nos olhos grandes e profundos daquela mulher. A criança, com uns quatro anos, era um lindo rapaz, vestido qual homem em ponto pequeno. Ainda fugiu mas, apercebendo-se do sofrimento materno, capitulou, deixando-se levar pela mão.

De novo juntos, ele disse:

- Traz a mala. É para a linha três.

Não pude acreditar. Ela ainda tinha que levar a mala, decerto pesada a julgar pelas dimensões!?

Ele arrancou à frente, deixando-a para cumprir a tarefa. Ela baixou-se. E do bolso caiu um pacote que se apressou a reconduzir ao abrigo do casaco. Reconheci uma embalagem de pesticida.

Porque raio andaria uma mulher grávida com pesticida nos bolsos em plena estação de Santa Apolónia?

10.2.05

Anos '80 - 80 Memórias (26)

Vinyl
Os anos 80 viram o fim do império do vinyl. Até então, havia duas formas de ouvir música: nas cassetes, que por muito boas que fossem, deixavam sempre algo a desejar; e os discos de vinyl. O ritual de pegar num LP, colocá-lo no prato, limpar-lhe o pó e cuidadosamente depositar a agulha nas primeiras estrias perdeu-se nos anos 80, lá pelos finais, quando o CD invadiu as discotecas. De início era apenas um expositor ali ao fundo, com os títulos mais recentes, lançados simultaneamente no sistema analógico e no digital. Depois, cedo se apropriou do espaço e relegou os discos negros para uma posição subalterna, marginal.
Os puristas sempre se quixaram que o CD não tem a mesma qualidade do vinyl. Podem ter razão. Mas nunca dei por isso. Dei apenas pela facilidade, pela segurança e pela economia de espaço.
Os anos 80 viram o declínio do império do vinyl. Nasceu o digital. Na memória ficam os discos riscados.

"Um Imenso Caldeirão" (9)





Vinha fardado. De verde.

A única pessoa que tinha à sua espera era a mãe.

Austera. Soberana.

Ele perdeu logo o sorriso. Baixou os olhos. Os ombros. Mostrou-se submisso. Perdeu toda a dignidade.

Que alegria!, mais um fim-de-semana em casa.

9.2.05

Bravo!

Porque também é importante louvar o que parece positivo, partilho uma experiência.
Local : loja do cidadão das Laranjeiras
Hora: 15:15
Entrei, tirei senha na EDP, fui à EPAL, onde a inexistência de clientes me levou a ser, de imediato, atendido.
Hora: 15:45, saí com dois contratos feitos e com o agendamento das ligações para 6ª feira.
Se fosse meu desejo, ainda ali tinha a LisboaGás, para além de uma larga variedade de outras empresas e serviços.
Só um reparo, porém comum a toda a Lisboa. Tive sorte, mas ali é difícil de estacionar.
Continuem com esta dinâmica. É bom ver que algo funciona.

"Um Imenso Caldeirão" - (8)




As duas formavam um par muito estranho. Não passavam despercebidas, mas faziam-no de propósito.

A mais baixa era feia. Tinha o cabelo cortado à máquina três. Era magra e curvada. Vestia um blusão de cabedal negro com algumas correntes cromadas por cima de uma t-shirt escura e manchada de lixívia. As calças de ganga eram claras e coçadas, as botas grandes e pesadas. Insistia em sorrir, mostrando os seus dentes irregulares. Tinha vários brincos nas duas orelhas. As grandes sobrancelhas, negras como os olhos e o escasso cabelo, aumentavam-lhe o ar debilóide.

A outra era um pouco mais alta, e bonita. A pele alva sobressaía do cabelo cortado "à francesinha", mas cruelmente pintado de ruivo alaranjado. Tinha dois brincos: um crucifixo e uma caveira. Vestia igualmente um blusão de cabedal preto, mas por baixo envergava um "top" branco que lhe moldava os fartos seios, em contraste com a lisura da sua companheira. Tinha ainda uns curtos calções negros e collants da mesma cor com uma longa malha na face interior da coxa direita. As suas pernas eram muito bem moldadas e não ficavam nada bem com aquelas botas de tipo militar. Também ria. Mas com um riso muito belo. E maldoso.

Entraram de mão dada. Na fila da bilheteira abraçaram-se como qualquer casal. A feia deixou a sua mão apoiar-se nos calções da outra e começou a apalpar-lhe as nádegas roliças. Pôs a mão mais por baixo, pelo meio das pernas. Pude descortinar alguns olhares chocados. Outros excitados. Muito poucos indiferentes.

Quando regressavam em direcção ao cais de embarque pararam no meio do átrio. Olharam-se muito de perto. A feia acariciou a face branca. A ruiva aproximou-se ainda mais. E beijaram-se provocantemente.

Muita gente teve uma história para contar nos dias que se seguiram.

"Vera, what has become of you... does anybody else in here, feel the way I do?" (Pink Floyd, "The Wall")

Excelentemente realizado, com uma sublime interpretação de todos os actores. Mike Leigh, mais uma vez, mostra como é para si importante ter personagens com espessura, sólidos, que nos fazem sentir, antes de pensar.
A acção passa-se em 1950, na urbana Inglaterra do pós-guerra, deprimente pela pobreza notória da classe trabalhadora.
A lei proíbe o aborto. Vera Drake limita-se a "ajudar" as raparigas que têm um problema. Raparigas e mulheres que engravidam porque não há contracepção, e que se tornam mães de muitos, no meio da pobreza em que vivem.
Vera Drake é solícita, ajuda quem precisa, e não ganha nada com isso.
Até ser descoberta, presa e julgada.
Com uma actualidade incrível, o filme coloca-nos perante o dilema que aquela mulhar representa. A criminosa é uma boa pessoa, interessada apenas no bem-estar dos outros. Apela à nossa simpatia. Mas, ao mesmo tempo, é alguém que conscientemente viola a lei.
Deixa-nos a pensar, depois de sentir. Emoções que rolam ao sabor do filme, ao sabor da direcção de Mike Leigh. E da frase de um dos personagens que diz aproximadamente algo como "éramos seis irmãos, vivíamos em dois quartos... quando se é pobre e não se consegue alimentar toda a gente não se consegue amar todos os filhos"
É, sem sombra de dúvida, um filme imperdível.

4.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (7)




Com o último comboio fecharam as portas da estação. Vi-me cá fora, ao frio, na solidão da noite, olhado como todos aqueles mendigos que aproveitam até ao último momento o calor, a protecção daquele edifício.

Pensei em ir para casa. Era perto. Ali, na costa do castelo. Mas não podia. Não podia ir para longe. Não podia afastar-me dali. Porque, a qualquer momento, ela podia chegar. Até mesmo no primeiro comboio, logo pela madrugada. Ou..., sei lá! Não podia fugir.

Frio. Eu nem estava agasalhado. Sentia os dentes a bater, as extremidades a gelar, uma estranha dor de cabeça, cada vez mais persistente...

Sentei-me numa paragem de autocarro, protegido da luz dos candeeiros e procurei abstrair-me de tudo. Àquela hora apenas os carros que voavam baixinho na negra faixa empedrada perturbavam uma calma doentia que se estendia por todo o lado. Corpos enrolados em mantas velhas e cartões espalhavam-se junto às portas da estação. "Inter-railers" nos seus sacos-cama já não se viam. O Outono não era a sua época.

Quem eu vi que me despertou a curiosidade foi um casal jovem que tomou abrigo noutra paragem. A paragem do 9, do outro lado da rua. Não eram sem-abrigo. Não eram viajantes. Notava à distância que tinham perdido o último suburbano e que se viam na contingência de aguardar pelo primeiro.

Não podia ouvir o que diziam. E só ocasionalmente vislumbrava as suas feições. Com o correr da noite apenas senti que ficavam mais perto um do outro à medida que falavam.

Quando abriram as portas da estação, horas depois, entraram lentamente à minha frente. Estavam cansados, com frio, mas mais unidos que... que antes, porque "nunca" é muito tempo. Com eles estava tudo bem. Pior seria separarem-se. Mas isso já não era comigo. Eu, assim que entrei, olhei para os quadros electrónicos.

Ela viria.
Ela viria.

É triste, mas nem quero saber...

Ontem, durante o debate entre Sócrates e Santana Lopes, transmitido na 2: e na Sic, verifiquei com tristeza que nenhuma das televisões punha o tempo e resultado a um canto. Detesto isso. Quando transmitem futebol têm o mesmo hábito, obrigando-nos a assistir durante um certo tempo até conseguirmos saber se o Benfica está a ganhar ou a perder.
Ontem, foi a mesma coisa. Fazia zapping e ficava sem saber o resultado. Porém, nunca me deixei ficar a ver um pouquito que fosse para tentar perceber quem já tinha marcado mais.
É triste, mas nem quero saber.

3.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (6)




Entrou numa velocidade louca por ali adentro. Um rápido olhar, um mero vislumbre, disse-lhe que era da linha um que saía o comboio com destino a Paris. O quadrado verde já acendia e apagava. Eu até já ouvira a última chamada.

Cortando veloz pelo meio das pessoas, chegou a tempo de ver a traseira do mastodonte férreo a afastar-se, inatingível. Abrandou o passo. Parou. Estático, ombros caídos, viu o seu objectivo desaparecer. Viu tudo desaparecer. Fez meia volta e caminhou devagar.

Quando por mim passou tinha um olhar decidido. Derrotado..., mas decidido. Estava de t-shirt e as marcas nas veias não enganavam.

Fora tarde demais que escolhera.

A sua heroína partira. E a esperança com ela.

A que ficara não o salvaria.

A heroína que lhe restava só o levaria até à eternidade.

2.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (5)



Estavam a despedir-se havia já largos minutos. Não muito longe de mim. Sussurravam carícias, os olhos cheios de amor. Era mais uma separação que tanto custa. Quem os visse decerto julgaria que ele ia para a guerra ou, como era ela quem ia apanhar o comboio, que já estavam a enviar as mulheres e as crianças para fora da cidade, fugindo à frente de batalha.

Só não existiam lágrimas. O adeus tinha igualmente, vá lá perceber-se, muita esperança. O reencontro era certo, e eu questionava-me sobre quando seria.

Curiosamente não foram para a gare. Talvez para evitar aquelas deprimentes e muito vistas despedidas em andamento. A poucos minutos da partida ele falou:

- ‘Té logo. - uma convenção. As suas despedidas seriam sempre assim.

- ‘Té logo. - respondeu... A voz fugiu-lhe.

- Fico à tua espera...

- Mas não muito. Garanto-te que amanhã a minha mãe tudo fará para que chegue a horas do meu casamento.

Anos '80 - 80 memórias (25)



Nos EUA foi para o ar em Dezembro de 1983. Durou até Abril. Fizeram 13 episódios mas o 13º já não foi para o ar, pois a série foi cancelada.

Falo do Automan.

Indíviduo virtual, que irradia luz e se modifica com a facilidade na medida em que é o resultado de um programa de computador. Dependente de energia eléctrica, suga-a de candeeiros públicos e tomadas que estão por perto. Ajuda o seu criador, o especialista informático da polícia Walter Nebicher (que raio de nome), e tem um companheiro, o Cursor, que com a suficiente dose de energia cria tudo aquilo que é necessário.

Desloca-se num Lamborghini preto com luzes azuis e que, por limitações de programação, faz curvas a 90º não obstante ser muito rápido. A imagem mais famosa da série é Nebicher no seu interior, no lugar do passageiro, colado ao vidro da porta quando o automóvel curva à esquerda.

As suas cores derivam da tecnologia utilizada pela Disney no seu filme "Tron", fantástico pela originalidade dos efeitos especiais.

Em certos episódios viam-se os sapatos com plataformas que o actor usava só para parecer alto. As histórias não deixaram quaisquer memórias.

A série passou em Portugal e era muito gira (para quam na altura tinha 12 anos). Repetiu no saudoso (?) "Agora Escolha" com a inenarrável apreentadora Vera Roquete, aí já com menos piada. Hoje será uma peça de museu, com o interesse das peças de museu. No museu dos anos 80.

1.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (4)



Pedro prometera ir buscá-la à estação.
Nem se lembrou, entretido que estava a jogar às cartas com os amigos.
Pedro nunca mais a viu.
Nunca nenhum deles foi feliz.

Obrigado, Senhores Políticos

Santana Lopes e os seus esbirros, desesperados, dão cada vez mais passos em falso. O primeiro prometeu queixa criminal (?) contra as empresas de sondagens que falharem as previsões. Depois corrigiu-se para a exigência de "responsabilidade política" , caso errem nas previsões, o que quer que isso seja. Quando entre a sondagem que lhe dá mais percentagem e a que lhe dá menos vão apenas 5%, não percebo a dúvida do senhor.
Mas, perante a falta de argumentos, lança a acusação sobre a homosexualidade de Sócrates, dando eco a um boato popular e enaltecendo as suas (do próprio) qualidades de mulherengo. Votem em mim que eu sou um gajo que na sua vida já "comeu" uma data de mulheres. Não sei porquê, prefiro um governante homossexual recatado e emocionalmente estável a um estouvado "cata-vento" que pensa com a ... enfim.
Por outro lado, só porque Freitas do Amaral decidiu apoiar o PS, ataca-se o homem a despropósito como o fez Bagão Félix, procurando silenciá-lo, e minar a sua credibilidade. Pede-se que se demita. É impressão minha ou Bagão Félix é o ministro que, se não gosta de ver FA na CGD, o pode demitir?
Para terminar, até Francisco Louçã perde a razão quando, num debate com Portas transmite a ideia de que o mesmo, por nunca ter sido pai, não pode falar sobre aborto.
Ontem pediu desculpa e auto-criticou-se por aquilo que qualifica como "uma frase infeliz". A frase não é apenas infeliz. Traduz a falta de argumentos numa discussão em que todos os argumentos existem para justificar a sua posição. Soa a birra de putos.
Como toda a campanha.