30.1.06

Nevou

Dia 29.01.2006, à tarde, em Lisboa. Da minha janela via-se isto
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Caiu neve em Lisboa. Foi pouca, não chegou a acumular-se no chão... mas caiu neve em Lisboa.
Assim vale a pena ter frio.
Se calhar ainda vou ter oportunidade para viver nevões em Lisboa, pelo Inverno, e tórridos dias acima dos 40º/45º no Verão. Pelo andar da carruagem...

26.1.06

"O Edifício da Verdade" (12)


Só com o passar tempo se apercebeu de como fora mau aquele dia. Por portas travessas, veio a saber a história de Isabel. Tinha trinta anos e nunca conhecera alguém que a amasse. Todos os homens com quem tinha estado, e eram bastantes, apenas se serviram dela. Apenas receberam, nunca deram. Teve parceiros com vinte anos e com cinquenta... todos olharam para o próprio umbigo e a tomaram como a presa fácil que se deixou ser.
É certo que desta vez Isabel usou Vitor, no dia em que se conheceram. Mas depois, aparentemente, quis redimir‑se. Quis apagar o erro, quem sabe na esperança de construir algo de novo, algo de bom. Não conseguia afastar a semelhança física com a Janis Joplin, que aos poucos se acentuava por força da construção do imaginário. Era apaixonada e deixava‑se usar... E quando Vitor teve na mão a oportunidade para ser diferente, ser melhor, foi igual aos outros. Foi igual. Usou‑a. E mal.
Sem que estivesse à espera, uma semana depois de terem dormido juntos, atendeu uma chamada dela apesar de nunca lhe ter comunicado o seu número de telemóvel. Isabel convidou-o para um encontro, uma saída. Por dentro, tal qual um miúdo, pensou: "Querias agarrar‑te? Toma!!!". Para ela inventou a desculpa mais imbecil alguma vez utilizada, deixando no ar a certeza de não a querer ver mais.
Como se arrependia. Mas era tarde. Era cada vez mais outro mundo. Deixou de aparecer em público por algum tempo. Voltou a recusar participações em festas ou eventos. Queria esquecê‑la. Esquecer tudo aquilo. Queria fugir.
Acabou por combinar as férias com Diogo.
(continua)

Anos '80 - 80 Memórias (40)

O primeiro álbum que alguma vez comprei foi este.
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Em cassete, porque apenas tinha um daqueles gravadores "portáteis", com o som em mono, tipo caixa de sapatos. Lembro-me perfeitamente. Foi comprado através do Círculo dos Leitores, do qual o meu pai era subscritor. Tinha algum dinheiro poupado, e decidi comprar uma cassete. Peguei na revista e, de entre as poucas escolhas disponíveis, encontrei um compromisso entre o preço e um disco de um grupo que apenas conhecia de nome. À data não era conhecedor da realidade musical e o nome Fischer-Z ficara-me na mente depois de algum programa de rádio, ou alguém me ter falado no grupo.
Quando o senhor do Círculo dos Leitores regressou com a encomenda foi com avidez incontrolada que me lancei sobre a cassete e a desembrulhei. E ouvi-a vezes sem conta. Basta salientar que a outra cassete que tinha era dos ABBA e fora prenda de Natal (a minha irmã, mais velha, é que a adorou).
O disco "Red Skies Over Paradise" era algo de "rebelde" para mim. E gostei tanto dele que outro dia me lembrei dele e me pus à procura do álbum em CD, para substituir a cassete, já defunta há mais de 15 anos.
Músicas como o Marliese, Luton to Lisbon, Cruise Missiles ou You'll Never Find Brian Here alimentaram o meu imaginário infanto-juvenil naqueles anos 80 em que a Guerra Fria, o nuclear e o desenraizamento marcavam a história.
O alinhamento do disco é este:

1.Berlin
2.Marliese
3.Red Skies Over Paradise
4.In England
5.You'll Never Find Brian Here
6.Battalions Of Strangers
7.Song And Dance Brigade
8.Writer
9.Bathroom Scenario
10.Wristcutters Lullaby
11.Cruise Missiles
12.Luton To Lisbon
13.Multinationals Bite
Recordo ouvir o disco nas festas da centésima lição. E ouvi dizer que eles vêm cá a Portugal tocar no espectáculo do Júlio Isidro deste sábado, o Febre de Sábado de Manhã. Vou tentar vê-los na televisão (dá em directo). Nem sabiam que aindam tocavam...

24.1.06

Game, Set and Match to Mr. Allen

Match Point é, sem dúvida, um excelente filme. Cheio de energia, com um domínio magistral das respectivas doses de comédia, drama, acção, suspense.
Sou o suspeito do costume, porque nenhum dos filmes de Woody Allen me desiludiu até ao momento. Mas, naturalmente, há filmes que me satisfazem mais que outros. E este é, sem dúvida, um filme que me encheu as medidas.
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Scarlett Johansson é uma mulher linda, sensual, capaz de perturbar pela imagem, pelo som. Talvez por isso a crítica generalizada se centre no seu desempenho. Sem dúvida que é muito interessante olhá-la, e não questiono a sua qualidade como actriz, nem a mais-valia que traz ao filme. Mas o desempenho de Johnathan Rhys Meyers é magistral. Desde o princípio do filme que desperta emoções e faz-nos desejar que isto ou aquilo aconteça ao seu personagem.
Nada conto da história, para além de revelar que se centra no conflito de um personagem entre o amor, a paixão, a ambição, a estabilidade e o sucesso. Até aconselho evitarem certas críticas pois alguns dos senhores críticos de serviço são desbocados e contam mais do que aquilo que devem, podendo retirar ao espectador o encanto de descobrir na tela este último filme de Allen.
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Ter vindo para a Europa filmar em nada alterou a qualidade do realizador. Esperam-se mais filmes. Um por ano, como de costume. Para ver, e rever.

23.1.06

Acabou-se

Serão três anos sem eleições. Seguramente inventarão uns referendos para nos distrair, mas nos próximos três anos não teremos que ir votar para eleger alguém.
As presidenciais chegaram ao fim e Cavaco é o novo Presidente.
Não sou daqueles que acha que o mundo vai acabar. Ao fim dos anos começo a achar que se as diferenças entre PS e PSD são cada vez menores, também entre um Presidente vindo de um ou de outro desses partidos as diferenças serão mais de estilo e método, não interferindo com o essencial que o cargo exige.
Sócrates estará satisfeito. Acredito que fez tudo para se assegurar que teria Cavaco como Presidente, o único dos candidatos capaz de coexistir com a sua maioria absoluta sem o boicotar.
Não vou pôr-me a comentar os resultados eleitorais porque muitos o fazem hoje, e porque parecem óbvias as ilações que a maioria tira (há sempre gente mais arisca a inventar cenários, não é?). Mas não me escuso a uns apartes.
Assim, os resultados provisórios são:

Inscritos
8.830.706

Votantes
5.529.117
62,61%
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Brancos
58.868
1,06%
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Nulos
43.405
0,79%
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CAVACO SILVA
2.745.491
50,59 %
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MANUEL ALEGRE
1.124.662
20,72%
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MÁRIO SOARES
778.389
14,34%
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JERÓNIMO SOUSA
466.428
8,59%
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FRANCISCO LOUÇÃ
288.224
5,31%
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GARCIA PEREIRA
23.650
0,44%
(Fonte STAPE / ITIJ / IBM)
Em poucas palavras, direi, que Mário Soares encontra a reforma, finalmente, pois a partir daqui nada mais poderá pretender fazer.
Jerónimo de Sousa alcança uma percentagem que lhe dá capital político para continuar a ser a oposição à esquerda do Governo.
Francisco Louçã cai do pedestral e percebe que por si, não vale assim tanto. Temo mesmo que este seja o princípio da queda do Bloco de Esquerda e do sucesso do seu discurso. A forma como têm desperdiçado o capital ganho nas últimas legislativas é assustadora.
Garcia Pereira é o Garcia Pereira.
O resultado do Manuel Alegre vai abanar o PS. Espero que ninguém meta na cabeça uma tonta ideia de criar um novo partido com base neste apoio ao candidato. Já a ouvi pela boca de alguns comentadores e parece-me disparatada. Deixem o PS tratar no seu interior do descontentamento gerado pela sua direcção. Os partidos portugueses não precisam de cisões. Senão ficamos pior que a Itália.
Cavaco tem tudo para ser aquilo que quer. Um Presidente a pairar lá por cima sem grande interferência cá em baixo. Vamos a ver se daqui a cinco anos não estará o PS a pensar se vale a pena apoiar a sua recandidatura.
Uma palavra para os dados menos falados. A abstenção foi "normal". Não houve nenhuma corrida às urnas. Nem um alheamento que pusesse em causa a representatividade do acto. Os brancos e nulos foram menos do que estava à espera. É, contudo, significativo que mais de cem mil pessoas optassem por demonstrar assim o seu descontentamento.
Guardem o cartão de eleitor. Vamos ver se o deixam ganhar pó.

17.1.06

Maldito frio

Parece que o frio deste ano é pior que o dos anos anteriores. Talvez não. Acho que estou é com o termostato avariado. A verdade é que hoje vim de carro para o trabalho e às 08h 00m da manhã, lá fora, o termómetro marcava 7º. O pior é que, quando entrei no meu gabinete, a temperatura era semelhante. Acho que se abrisse a janela não teria grande diferença, visto que não há vento. Liguei o aquecedor, o único, um daqueles a óleo, com 9 barras e apenas 2000w e senti-me enregelar. Acho que há partes do meu corpo que ameaçam cristalizar. Dormências são sentidas nos pés e nas mãos.
Continuo entupido até mais não, e abalado por uma persistente tosse que parece querer estoirar com a caixa craniana.
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Hoje vou ao veterinário.

16.1.06

Filtros

Os últimos dias têm sido conturbados. Estou com uma “carraspana” valente, uma constipação persistente que me limita a produtividade, a disposição e o tempo para escrever neste blog.
Talvez seja pelo melhor, pois assim posso falar mais a frio de um tema que veio a lume na 6ª-feira, evitando conclusões precipitadas ou baseadas em falta de informação.
Falo, naturalmente, do “caso” dos registos de chamadas existentes no processo judicial apelidado de “Casa Pia”, que chocou o mundo político e jornalístico, de onde inúmeras vozes correram a pedir, mais uma vez, a cabeça de Souto Moura, o Procurador Geral da República.
E tudo porquê?
Na 6ª-feira apenas li o Público, o qual era, naturalmente, alheio à caixa do 24 Horas, que nesse dia lançava uma “bomba” cheia de conclusões. Havia naquele processo (como teve o jornalista acesso a um processo, ou parte dele, que ainda é de acesso restrito?) registos de chamadas relativos a centenas de telefones, incluindo os do Presidente da República, dos Presidentes do Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal de Justiça, e até mesmo do PGR, entre muitos outros, registos esses que não foram pedidos no processo mas neste foram mantidos, sabe-se lá com que fim subversivo.
As opiniões saíram em catadupa, conforme ouvi e vi nas rádios e televisões ao longo do dia, sempre sem perceber, ao certo, o que se passava no processo. Comunicados, contra comunicados, vozes iradas, autos de fé. Isto foi na 6ª-feira.
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No sábado comprei de novo o Público e também o DN, para poder apreciar o resultado da nova imagem e orientação editorial deste jornal. E, com grande espanto, ao fim de dez minutos de leitura, compreendi o porquê de tanto alarido.
É verdade que estão no processo tais registos. Mas não à vista. Estão escondidos num ficheiro de Excel e podem ser vistos mediante a mera supressão de um filtro, algo que aparentemente qualquer utilizador de Excel saberá fazer. E tais registos nunca foram pedidos nem pelo Ministério Público nem pelo Juiz de Instrução nem pela Polícia Judiciária. Diz a Portugal Telecom que uma limitação informática do seu sistema impunha que enviassem tais dados referentes a outros telefones do cliente Estado (como era o telefone em causa nos autos usado por Paulo Pedroso), o que nunca acontecera antes por até então apenas terem enviado dados em suporte de papel, escolhendo a PT aquilo que imprimia.
Por mim falo. Não faço ideia do que estão a falar quando se referem aos “filtros” do Excel. Se me apresentassem tal ficheiro eu abri-lo-ia, leria o conteúdo à vista e voltaria a fechá-lo. Se alguém no processo fez mais do que isto e viu aquilo que não deveria, das duas uma: ou se calou e não fez uso do que lá estava; ou nem percebeu tais informações. Porque, se tivesse dado uso às mesmas, seguramente já se teria sabido disso. Um jornalista, por exemplo, lá expôs que de caso do PGR telefonaram para uma pizzaria...
Souto Moura pode ser um PGR com defeitos suficientes para ser afastado do cargo e substituído. Mas não será este caso, seguramente, motivo para tanto. Espanta-me, pois, a leveza como se pede a sua cabeça ao mesmo tempo que se ressalva “se é verdade a notícia que veio a público…”.
Daquilo que li apenas três pessoas foram suficientemente cautelosas e precisas no seu comentário: António Costa, Ministro da Administração Interna (até estranhei, atento o seu envolvimento partidário e pessoal neste caso); Marcelo Rebelo de Sousa, muito cauteloso quanto àquilo que comentava; e Jerónimo de Sousa (vd. todos na edição de sábado do Público).
Agora a notícia deixa de ser notícia e rapidamente se apagará, creio. Alguns eventos a trarão a lume (como a audição parlamentar), mas o fogo já ardeu, restando apenas fumo e escassas brasas. Restam os queimados, sem hipótese de reflorestação. De incêndio em incêndio criado pelos meios de comunicação social, a imagem do exercício da função de promoção do processo penal vai sendo conduzida ao descrédito, arrastando para maus lençóis o trabalho (aos milhares) que todos os dias é levado a cabo por todo o país.
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Curiosamente, por causa deste alarido todo, passou despercebida a acusação que o Ministério Público formulou contra Isaltino Morais.

9.1.06

Repetições preocupantes

A facilidade com que hoje em dia abrem fogo contra os agentes da autoridade é um claro sinal de que há cada vez mais bandidos sem escrúpulos e que aos poucos caminhamos para uma realidade até há bem pouco tempo reservada a outras nações.
Importa, pois, ver como reagiram tais países a essas ocorrências. E procurar não cometer erros nos quais outros já incorreram; assim como assegurar que a autoridade policial e judiciária se mantém forte.
Como se faz isso? Não estão em causa direitos ou privilégios de classes. Apenas devem ser dados os meios adequados para o exercício das funções, e evitar os conflitos entre instituições, poderes soberanos e não confundir o poder com arrogância.
E devem ser expurgadas as figuras que, por dentro, corroem a eficácia do sistema pela sua incompetência.
Curiosamente, a vontade de cumprir esta última começa logo que olhamos para o Governo. Vá lá saber-se porquê.

6.1.06

Deixo aqui uma sujestão para o fim de semana. Que tal dar um salto à Gulbenkian, ao Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão e perder um bom par de horas a olhar para as obras em exposição sob o título DENSIDADE RELATIVA ?
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Reunindo muitas obras de arte moderna, algumas verdadeiramente excitantes e desconcertantes, julgo que esta exposição é de visita obrigatória (está aberta até 22 Janeiro de 2006).
O horário de funcionamento é de terça a domingo das 10h00 às 18h00, pelo que se for bem planeada a visita, dará direito a um passeio pelos jardins, contemplação do lago, do verde, do sol.
E está tudo aqui tão perto.

Alberto Costa

Por que será que "O Independente" não larga este ministro?

5.1.06

"O Edifício da Verdade" (11)

A festa era informal. Demasiado informal. Foi organizada numa pequena discoteca de Lisboa para o efeito reservada. Segundo o convite que recebera, alguém fazia anos. Não sabia quem. Aliás, seria incapaz de reconhecer qualquer dos Junqueira. Eram apenas mais uns novos ricos sem cultura que a dado ponto, e com os “padrinhos” certos, lograram alcançar o estatuto que justificava o envio de convites a todos os desconhecidos famosos só na esperança de vir a aparecer com eles em asquerosas fotografias nas peganhentas e ocas colunas sociais. E, depois da aceitação, era espantosa a quantidade de pseudo figuras públicas que engoliam o engodo. Os nomes mais sonantes, garantia de publicidade, estavam omissos. Os da segunda liga enxameavam o espaço que tomaram como seu, apenas outra oportunidade para sair à noite sem gastar dinheiro em bebidas.
Vitor não se recordava de ter alguma vez alinhado num desses convites. Porém, aquela era a única hipótese na busca por Isabel, pelo que alinhou naquele autêntico tiro no escuro.
Abeirou‑se do gorila à porta que o olhou de soslaio enquanto fingia ler o convite. Vitor duvidava mesmo que ele conseguisse ler. Grunhiu esboçando um sorriso frio como o Pólo Norte, deixando‑o passar. Penetrou no odioso ambiente. Tinha tudo aquilo de que não gostava. Era mal iluminado por um jogo de luzes inócuo, sem objectivo. O ar, pesado, quente, abafado, fumarento... O som a que alguns chamavam música seria capaz de acordar mortos, de tão alta que jorrava nas pesadas colunas em cima das quais os mais carentes de atenção se exibiam.
Tão deslocado se sentiu que o primeiro passo foi em direcção ao bar. De uma assentada pediu dois vodkas com limão. Fez questão de que fosse apenas com limão, sem a estúpida e detestável dose de refrigerante. Absorveu o primeiro de um trago, sorrindo enquanto o sentia descer. Afastou‑se para um canto mais vazio com o outro copo entre as mãos suadas.
Não viu ninguém a quem dirigir uma palavra. Pelo contrário. Só lhe apeteceu erguer uma parede entre ele e todos os outros que, felizmente, pareciam ignorá‑lo. Apesar de o relógio apenas agora se aproximar das duas da manhã, já bastante gente estava tocada, pelo que havia muito que passara a fase de meter conversa. A idade média era extraordinariamente baixa, inundando o espaço com uma colorida multidão de jovens. O escritor sentiu‑se envelhecido.
Vieram‑lhe à ideia os aniversários passados. Como terminaram mal esses dias. Os últimos cinco tinham dado direito a outras tantas bebedeiras, tão desamparado, desesperado, se sentira então... Acabou a bebida e foi pedir outra dose igual.
Buscou a máquina do tabaco e extraíu um maço. Olhou-o como que hesitando no passo seguinte. Depois, esboçou um sorriso amarelo e afastou‑se para o seu canto. Acendeu mais um prego para o seu caixão, o que já raramente fazia. Foi então que a vislumbrou. Os olhares cruzaram‑se. Esperou que caminhasse até si. Beijou‑a ao de leve nos lábios.
‑ Vitor... quanto ao outro dia...
‑ Esquece!
‑ Não. Quero pedir‑te desculpa. Foi errado o que fiz. Ainda por cima depois as coisas não correram nada bem e...
‑ Aprendeste a lição? Se é que houve alguma?
‑Sim, isso sim. Desculpa. ‑ abraçou‑o e beijou‑o prolongadamente. Realmente, o beijo entre sóbrios é muito mais agradável, pensou.
Arranjaram uma mesa de canto onde começaram a falar. Tinham dado a mão e iam trocando carícias. Falaram de tudo um pouco e de nada em concreto. Vitor embalava no vodka e fumava continuamente. Isabel estava bem alegre. Volta e meia brincava com os seus cabelos loiros. Por vezes debruçava‑se sobre a mesa para ir roubar mais um beijo húmido.
Contaram, histórias do passado. Partilharam anedotas. Começaram a rir. A dada altura ela disse:
‑ Queres fumar uma broca?
‑ Tens aí?
‑ Um resto. Queres?
‑ Está bem. Já está feita?
‑ Não, vai fazê‑la à casa de banho, só para não dar bandeira. Mas fumamo‑la aqui à vontade.
‑ Dá cá.
Foi à casa de banho, lavou a cara com água fria, fechou‑se num dos compartimentos e enrolou. Não costumava fumar daquilo. Erva ainda consumia por razões de inspiração, mas hash “só para efeitos medicinais”, como costumava brincar. Agora, por exemplo, calhava bem um pouco de remédio.
Voltou para junto de Isabel. Acendeu o charro após um prolongado beijo. Continuaram nas anedotas, o subterfúgio da gargalhada e da conversa fácil. Esgotada a conversa esconderam-se no riso cada vez menos natural.
Retiraram‑se pouco depois, de taxi para Benfica. Vitor levou­‑a até ao apartamento e arrastou‑se com ela para o sofá. A irmã, com quem Isabel dividia a casa, estava fora.
Após o escritor os ter servido de vodka pura, envolveram‑se em jogos sensuais de múltipla exploração. Combinaram que ele dormiria ali, para não andar tocado na madrugada.
Já passava das cinco. Foi então que ela disse:
‑ É melhor irmos para a cama.
Ele levantou‑se devagar e mostrou intenções de lhe pegar ao colo. Ela recusou, sendo peremptória:
‑ Cada um para a sua.
Vitor não queria acreditar. Depois de tudo aquilo? Depois de o pôr naquele estado? De o aliciar a consigo passar a noite? Não se desmanchou:
‑ Está bem. Onde é que eu fico?
Ela conduziu‑o a um quarto, indicando‑lhe uma cama.
‑ Eu fico no quarto da minha irmã. ‑ disse ‑ Ficas bem?
‑ Sim. ‑ foi a lacónica resposta. Já estava a despir‑se para se deitar.
Isabel saiu. Uns minutos depois voltou. Encostada à porta inquiriu Vitor que se deitara por cima dos lençois, mãos atrás da cabeça.
‑ Ficas mesmo bem?
‑ Sim, não tenhas problemas.
‑ Eu poderia dormir contigo, mas nada acontecerá.
‑ Tu é que sabes.
‑ Queres que eu fique contigo?
‑ Tu é que sabes. – inconscientemente decidira assumir uma postura de adolescente amuado e nem se apercebia do ridículo da mesma.
Nova ausência. Voltou com óculos. Obviamente tirara as lentes de contacto sem as quais não deveria ver nada, a julgar pela grossura das lentes dos óculos. Despiu‑se lentamente. Primeiro a saia larga de padrão hippie, depois a blusa, seguida do soutien. Enfiou uma camisola. Deitou‑se agarrada a um Vitor de boxers e camisa vestido.
"Mas nada acontecerá." Seria ingenuidade? Ou pretendia iludir-se? É que dificilmente algo não aconteceria. Inexistia qualquer barreira moral ou de decência que inibisse o escritor, e se Isabel quisesse ser irredutível tivera a oportunidade para se retirar. Assim, pouco depois, e apesar de algumas reticências sem veemência por parte dela, ambos consumavam aquilo que durante horas tinham preparado.
Contudo, a dança dos corpos prolongou-se no tempo, sem entrega, sem ritmo, sem compatibilização ou sem emoção, apenas um repetir de actos mecânicos. Nunca o escritor se satisfez, nunca atingiu o clímax. Isabel parecia empenhada em conseguir agradar. Vitor cedo quis acabar a farsa, cedo quis chegar ao ponto em que lhe seria legítimo parar. Mas tudo parecia querer piorar as coisas.
A sua mente flutuou, perdida em pormenores. As horas no relógio sob o candeeiro. O quadro na cabeceira da cama. O padrão dos lençóis. Aqueles cabelos húmidos caídos sobre os lábios. “Vá lá, vem-te!”, ordenou o escritor a si próprio. E entre a preocupação do desempenho e a mente vogando em tudo o exterior ao sexo, via passarem os minutos, as horas sem saber como parar.
Foi pelas oito da manhã que, exaustos e suados, se quedaram sob as cobertas. Mas por pouco tempo. Vitor, inquieto, saíu da cama e foi para a casa de banho. Regressou largos minutos depois para começar a vestir‑se. Isabel nada disse. Deixou-se ficar ali deitada, nua, a olhar para ele. Parecia satisfeita, mas simultanemente ansiosa por mais. Que contradição. Ele não. Já vestido, por cortesia, despediu‑se com um beijo, uma carícia, partindo. O metro é já ali.
Vitor entrou na estação das Laranjeiras e deixou-se levar para casa. Intimamente, em silêncio, praguejava. Sentia-se estúpido.
(continua)

3.1.06

2006

Estamos num ano novo. O que muda relativamente ao velho?
Nada.
A mensagem de esperança, de recomeço, outrora habitual nesta data, é hoje uma mera formalidade na qual ninguém no seu perfeito juízo acredita.
Estamos nas mãos dos decisores do Mundo quanto às questões fundamentais, aquelas que irremediavelmente importam sobre a nossa vida. E que poderá mudar na mente desses decisores do dia 31 de Dezembro para o dia 01 de Janeiro? Nada, seguramente.
Restam-nos as "resoluções de ano novo", sobre as questões do dia-a-dia, aquelas sobre as quais o nosso livre-arbítrio é relevante. Comportamentos cuja esfera de influência vai pouco para além de nós e dos nossos.
Quem sabe, seja o que realmente importa, posto que o demais nos escapa por entre os dedos.
Não espero deste ano nada demais, nada para além do ano que findou. A esperança de que 2006 seja um ano melhor, esvai-se na incerteza do mundo. Criar barreiras na transição do ano é um desperdício de energia. Celebrar a passagem de ano é apenas uma desculpa para uma reunião de amigos, um jantar, uns copos, conversa, música, qui ça dança, ou seja, o que hoje em dia verdadeiramente importa.
Se algum valor há nas resoluções de ano novo, a minha será exactamente a de prezar, cultivar e cuidar das amizades. Porque cada vez mais acredito que os amigos, os Amigos, são o que verdadeiramente importa.