16.12.11

Nem tudo está bem neste Natal

 Chegou a casa e olhou o vazio onde em anos anteriores costumava montar a árvore de Natal. Hoje, na noite da consoada, nada naquele apartamento dizia Natal.
 Na viagem de Metro cruzara-se com inúmeras pessoas, faces desconhecidas em corpos animados para regressar a casa. Umas mais apressadas, porque trabalhar até às seis da tarde e ainda ter que preparar a reunião de família não é para todos. "Os funcionários públicos é que estão bem", pensavam, "sempre com a tolerância de ponto que os patrões do privado desconhecem..."   Outras aceleravam procurando alcançar os últimos presentes. Há sempre gente assim, deixa tudo para a última hora. O certo é que passeiam pelo meio dos demais com sacos e embrulhos contendo preciosidades e inutilidades. 
 Cruzara-se ainda com aqueles que já vão a caminho da casa dos pais, dos filhos, dos irmãos, dos tios, onde se reúnem à volta do bacalhau e esperam pela meia-noite para rasgar o papel de embrulho. Também estes carregavam prendas em sacos. Ora agora levo estas, daqui a uma horas trago outras. O Natal acaba por se resumir a isto, dar e receber e no fim fazer a contabilidade. Há sempre quem fique a perder. Tirando as crianças, que para essas o ganho traduz o esforço que todos, mas mesmo todos, querem fazer. E a coisa mais básica, simples, barata pode ser o brinquedo que o puto mais gostou no meio de tanta tralha feita na China.
 O certo é que, quando chegou a casa, a fria solidão do lar foi um banho de realidade que o acordou para a tristeza da vida que dia-a-dia levava. Olhou para trás e não conseguiu recordar a última conversa que tivera. É verdade que entabulara umas palavras aqui e ali com gente que cruzara a sua existência, numa loja, numa pastelaria, no supermercado. Mas nada disso era uma conversa. Falar mesmo, trocar ideias, contar histórias era coisa perdida na memória do passado.
 Olhou o espelho da casa de banho e custou-lhe reconhecer o reflexo devolvido. Os olhos baços, as olheiras profundas, a barba comprida e branca, o cabelo sem volume agarrado ao crânio achatado. 
 Levou a mão ao bolso e puxou duma cigarrilha. Acendeu-a com o Zippo e contemplou a chama. Passaram segundos, minutos?, e de repente lançou o isqueiro ainda aceso para cima do sofá onde quedavam esquecidos jornais, almofadas e uma manta. Encaminhou-se para a porta, e abandonou o apartamento deixando a porta aberta para quem quisesse meter o nariz.
 A pé chegou rápido ao viaduto. Esperou por um camião mais apressado e fê-lo parar com o seu corpo em queda.
Que merda!, esta ideia feita de que no Natal tudo está bem.

Pai Natal de 2011

Este Natal, em tempos de contenção de despesa, só peço uma prenda:
Por favor, não me chateiem!