29.6.11

Trabalhinho

O patrão aproximou-se e perguntou, de forma bruta como era seu timbre:

«Atão o qu'é que se passáqui?»

Sem levantar os olhos, o funcionário respondeu:

«Nada.Não se passa nada.»

«Isso vejo eu. E é o qu'está errado no desenho. Tocá trabalhar, qu'é p'ra isso qu'eu lhe pago!»

«Não, não é.»

«Não?! Não?! Mas quem é que pensa qu'é? 'Tá armada ó pingarelho, a formiguinha, é?»

«Não. Aliás, se fosse formiguinha, bulia sem mais. O seu problema é esse. Eu não sou uma formiguinha. Sou alguém com espírito crítico, inteligência e capacidade de decisão. E não estou aqui para obedecer às suas ordens. É por isso que, neste momento, não se passa nada.»

«Mas ouça lá...» - o patrão começava a dar sinais de impaciência, sentindo-se desautorizado. O facto de toda a gente da sala estar em suspenso a ouvir aquela troca de palavras não o ajudava. - «São dez da manhã e você está a ler o jornal à frente de toda a gente em vez de fazer o seu trabalho? E ainda me questiona? Quer é ir pr'ó olho da rua, é o que quer.»

«Lamento, mas não estão reunidas as condições para fazer o meu trabalho. E não me parece que me vá por no meio da rua.» - sorriu perante o óbvio.

«Não? Qu'é que quer mais? Um cafézinho? Um bolinho? O rabinho lavadinho com água de malvas?» - sorrisos contidos ouviram-se nas imediações. O resto da empresa aguardava com expectativa o desenlace de tão caricato diálogo.

«Agora está a abusar, não?» - sorriu o funcionário alimentando o desconforto do patrão. - «Até lhe posso dizer que estou à espera que me dêem uma password para começar a mexer neste computador. Mas, por ora, não se passa nada.»

Sem perceber minimamente a falta da password, o patrão lançou-se em frente:

«Esqueceu-se da palavrinha, foi? É muita areia p'rá sua camionete?» - ouviram-se gargalhadas sem contenção. O funcionário decidiu rematar a conversa que já ia longa.

«Se me permite a pergunta... quem afinal pensa que sou?»

Um silêncio de dúvida agarrou-se ao patrão, baralhado, inseguro.

«Bom, é o... é o... é o Ferreira!» - disparou quando de soslaio viu a placa que em cima da secretária ostentava o nome do funcionário da contabilidade.

«Pois..., bem me parecia. Segundo me disseram, o senhor já despediu o Ferreira há três semanas...»

O patrão quis recordar-se, mas o vazio da sua memória caminhava ombro a ombro com a inteligência fugidia.

«Eu sou Funcionário da Inspecção-Geral de Finanças. Estou à espera da password para entrar no sistema e dar início à auditoria».

27.6.11

Aperto




Tanta coisa para fazer, e os dias só têm vinte e quatro horas.

26.6.11

Não fujas bandido

Ontem assisti a um dos concertos de despedida do projecto Foge Foge Bandido.
Está a acabar esta deliciosa aventura de Manuel Cruz e amigos, e foi um prazer ver como se constrói este som tão único. Eles tocam violas, bateria, as mais variadas percussões, assobios, megafone, serrote, flauta e inúmeras electrónicas, com uma cumplicidade própria de quem se conhece bem e está à-vontade. Como uma boa banda de jazz, apesar do seu som não encaixar nessa etiqueta.
Quem os não puder ver nos últimos concertos, tente arranjar o disco/livro, por encomenda no site da banda.
Garanto que vale a pena.

20.6.11

Sejamos optimistas

«E as crianças pareciam feias,

no meio de tanta gente velha,

quando eu ouvi gritar,

"Meu Deus, estou todo picado pelas abelhas"»

(Jorge Palma)

18.6.11

Nova etapa

Temos Governo.
São poucos os Ministros. São jovens e reconhecem-lhes competência.
Esperemos que funcione. Como isto está, precisamos de gente competente, capaz e com coragem para acabar com a clientela que nos sugou durante os últimos anos.
Contudo, é certo, não estou muito optimista. Se me quiserem convencer, têm que continuar, passinho a passinho, a navegar da mesma forma que fizeram agora. Sem alarido, sem fugas de informação, boatos, diz-que-disse.
E quando anunciarem uma medida, que seja porque já a tomaram - (o PS era fértil em anúncios, muitas vezes repetidos, de medidas que acabaram por nunca ser passadas ao papel).

14.6.11

Cinema em dia

Há duas semanas fui ver o último filme de Terrence Malick.



Não tenho palavras para o descrever. Sereno, mas inquietante, o filme exibe em todas as interpretações uma intensidade que está ao alcance de poucos.



Sinceramente, creio que muitos consumidores de cinema já não sabem acolher produtos como este. Mas muitos outros vão repetidamente às salas de cinema à procura de jóias tão finamente talhadas e só ocasionalmente têm o prazer de as encontrar. Eu, numa palavra, adorei.



Este é um filme condenado a tornar-se um clássico.Ontem, optei por um registo totalmente diferente. A BD na base do cinema, como nos últimos anos se tem repetido, transforma-se num manancial de argumentos tão vasto, já traduzido em storyboards, que merece tratamento refinado.



Eu sou um apreciador de banda desenhada, e o universo dos X-Men faz parte do meu imaginário desde muito novo. E se muitas vezes temo que o cinema maltrate mundos criados para o papel, desta feita só tenho que aplaudir o fabuloso filme que traz à tela as origens dos mutantes, dos X-Men, e que clarifica as dinâmicas já retratadas na anterior triologia que culmina no confronto entre duas facções antagonistas de mutantes.



A acção é q.b. mas está muito bem montada. Aos mutantes é dada a densidade necessária para compreender as suas escolhas do presente e do futuro. E assim se percebe que os mundos criados pela Marvel, por muito fantásticos que sejam, têm a virtude de se desenvolver, explicar, consolidar, e ganhar um relevo que muitos argumentos (não sei porquê, mas lembrei-me do "Lost" - eheheh), em particular na televisão, não conseguem.



Para quem gosta de BD, em particular do universo Marvel, este filme é imperdível. De preferência com projecção digital, num grande écran, e, porque não, com uma generosa dose de pipocas.

6.6.11

E agora?



Mudança de ciclo e que, à partida, já tem algo de bom: mudam as caras, quebram-se os vícios, afastam-se as clientelas.

Quanto ao resto... a interrogação é grande. Por ora continuamos na mesma. Espero que os erros, as "gaffes", as descoordenações da campanha tenham sido excepções. Como aquele guarda-redes conceituado que na pré-época dá frangos ao desbarato mas, assim que começa o campeonato, se mostra imbatível.

Precisamos de um Governo competente, eficaz, pouco falador e muito trabalhador. Precisamos de governantes que, agora que foram eleitos, deixem a política para se dedicarem à governação. Precisamos de governantes menos preocupados com a comunicação social e com o "soundbyte". Pouco importa, Luis, se fico melhor assim, ou assim.

Importa se faço assim, ou assado.

Por mim, que votei, guardo o meu capital de reivindicação. Exijo um Governo capaz.

3.6.11

Sangue...

Após a dureza do Inverno, acorda o Urso Polar, magro, esfomeado, enfraquecido, e encontra este mundo assim.
Quem me dera poder hibernar sempre, dormir enroladinho, com o metabolismo reduzido e ser poupado a tudo isto.
O Urso acordou e não gostou do que viu.
O Urso fingiu que não se importava, mas importa-se.
O Urso vai mas é caçar, encher o papo, fazer sangue, manchar o gelo e refastelar-se de barriga cheia.
Com sorte, andam por aí uma focas mesmo a pedi-las!

1.6.11

Ai, ai-ai, ai-ai...

(desenho roubado da net, claro...)



Há dias em que acordamos com a perfeita noção de que andamos a remar contra a maré.

Tem tudo a ver com a véspera, e com a certeza de que, no futuro próximo, não conseguiremos mudar realidades que nos ultrapassam.

E, cantando e rindo, o mundo continua a ser dos "espertos".