26.7.13

Banda sonora de Verão (I)


Ontem, em Oeiras.
Numa noite fresca, mas agradável, Rufus Wainwright deu um concerto fantástico. Alegre, bem disposto, comunicativo, mostrou a sua extraordinária voz, ao melhor nível. É, sem dúvida, um artista impressionante. E, sozinho, com um piano e duas guitarras, mostrou como é capaz de encher um palco.

Não sou apreciador da banda que fez a primeira parte (Ala dos Namorados) e dispensava-a por não a conseguir encaixar. Apesar dos bons músicos presentes - Alexandre Frazão, Zé Nabo, Mário Delgado -o produto é frio e roda à volta de um Nuno Guerreiro que é sobrevalorizado, pois não passa da mediania. Ainda bem que foram interrompidos e não continuaram a tortura à qual me sujeitaram enquanto esperava pela verdadeira estrela. 

Rufus Wainwright. Quem não conhece ainda, está na hora de ir ouvir.

15.7.13

Pernas e bronzeado

Subia cansado as escadas quando reparou nas pernas bronzeadas que pulavam os degraus à sua frente.
Apesar do interesse subitamente desperto não conseguiu acompanhar o ritmo e perdeu-a antes do patamar seguinte. Quando penetrou no terceiro piso desconhecia se ela estaria por ali, se ficara lá em baixo, ou se chega ao nível da administração.
Focou o olhar em todas as distâncias, sem sucesso. A atenção há pouco focada nas pernas dispersara-se quanto aos demais pormenores. Tinha a ideia de que haveria um vestido com flores, mas não conseguia descrevê-lo, recordá-lo. 
Caminhou por entre os biombos do open space até ao seu cubículo sem prestar atenção em algo mais que a sua busca. Sentou-se e olhou para os dois monitores negros. Demorara muito e o computador já se encontrava a economizar energia. Seria bom se dispensasse alguma, pois sentia-se tão cansado.
Viu o seu reflexo distorcido no vidro negro e recordou-se o quanto era feio. Nunca aquelas pernas, ou outras quaisquer seriam suas.
Não enquanto fosse assim, pálido, balofo, meio careca.

Dois dias depois entrou em férias. Numa arriscada decisão cortou o cabelo com máquina "1", vendo brilhar o escalpe branco. Cortou a barba e nunca mais a deixou crescer de um dia para o outro. Inscreveu-se num ginásio que passou a frequentar com afinco e foi à praia durante três semanas seguidas.

Quando regressou ao trabalho parecia outro. Face escanhoada, pele acastanhada, menos seis quilos, alguns músculos mais desenhados.
Sentia-se bem, sentia-se melhor.
Estava pronto para conhecer aquelas pernas que, estava seguro, reencontraria.

7.7.13

Urtigas e calor

Está um calor brutal. A cidade chia por todas as juntas, dilatadas, apertadas, sob tensão. 
Noutros tempos estaria à beira-mar, nalgum sítio mais fresco, sem preocupações para além do sal, da areia, do disfrute casual de um dia de praia. Infelizmente, hoje estou por casa. Trabalho, suo, procuro o conforto que a canícula citadina me rouba. 
Isto tem que parar algum dia. 
Às urtigas com as responsabilidades, apetece-me dizer.
Apetece-me fazer.

6.7.13

É triste ter razão

Incapaz de encontrar alguém a quem confiar a chave de casa para cá entrar e mexer nas minhas coisas quando estivesse ausente, assegurando-me a lide doméstica, optei por, há já alguns anos, entregar tal tarefa a uma empresa que me envia duas mulheres, duas horas por semana. Prefiro assumir o ónus de ter que estar em casa nesse período ou providenciar por alguém disposto a aturar tal frete.
Ao longo dos anos as equipas que entraram cá em casa tem sido muitas e variadas e com alguma pena deixei de ver pessoas às quais me habituei e que reencontrava com prazer naquelas duas horas semanais.
Entre elas conta-se uma maioria de mulheres brasileiras, das mais variadas idades. Uma delas, ultimamente desaparecida mas que, há coisa de um ano, vinha com maior regularidade, deixou conhecer como vivia de um salário que não chegava a € 600,00 por mês. E o mais impressionante é que ainda conseguia garantir o envio mensal de centena e meia a duas centenas de euros para a sua família no Brasil. Como uma das suas companheiras assíduas deixara de vir, procurei por ela para saber que regressara ao país natal. Alvitrei que poderia ser o seu destino, tendo em conta os maus dias que vivemos por aqui e o desenvolvimento anunciado que há do outro lado do Atlântico. Desolada disse que não, que a sua terra era no interior, desligada das grandes cidades pelo que lá só havia desemprego e pobreza. Não tinha como voltar. Ia continuar por aqui. Ia continuar a dizer-me, com um brilho nos olhos, que até conseguia poupar para ir uma vez por mês ao McDonalds.

Esta semana apanhei uma conversa entre as duas mulheres que compõem a mais recente versão da equipa. A mais nova, portuguesa, queixava-se à outra, brasileira, que recebera uma carta da universidade a pedir-lhe para pagar quantias em dívida. Como era possível, dizia, lembrarem-se de coisa tão antiga, quando já acabara a licenciatura havia mais de dois anos?
Não sei qual foi a licenciatura. Pela conversa, julgo que a universidade será privada. O que sei é que aquela rapariga pagou um curso, licenciou-se e anda de casa em casa a limpar e arrumar para outras pessoas. Com um salário pequeno.
Alguns dirão que não é vergonha. Concordo, não é. Dirão ainda que até tem sorte. Nos dias de hoje ter emprego já é muito bom. 
O que é triste é que têm razão.

3.7.13

Alto!, e pára o baile!



Depois de ontem, tendo ouvido o P.M. falar com um tom entre o teimoso eo amuado, tenho poucas dúvidas de que, mais tarde ou mais cedo, iremos ter eleições. 
Tal como estão as coisas, tão baixo que é o nível de confiança em qualquer dos partidos ou políticos da praça, seguramente os votos serão então repartidos entre os cinco partidos do costume (ok, seis se autonomizarem o PEV), sem vencedores ou maiorias. 
Habituados que estão a discursos radicais, nos quais sem qualquer pinga de responsabilidade um consenso é os outros aderirem à ideia que cada qual quer impôr, ficaremos reféns de um sistema político que nos dará um resultado à italiana. 
Mas não temos um presidente à italiana que resolva a crise, nem um povo à italiana. 
Ou à belga, povo que durante quase dois anos sobreviveu sem governo.

Porém, está aí o sol, o calor, e a malta quer é encher as praias, passar uma hora na fila à saída da Fonte da Telha, evitar os arrastões, beber umas cervejas e esperar que a época da bola recomece enquanto se lêem mais umas desgraças alheias na capa do Correio da Manhã e se pensa "Está tudo louco. Ainda bem que não sou eu."

Como diz o Sérgio Godinho... "Cá se vai andando, com a cabeça entre as orelhas". Já Jorge Palma adiantava "Ai, Portugal, Portugal, do que é que estás à espera? Tens um pé numa galera, e outro no fundo do mar".