As minúsculas partículas de pó brilham com a forte luz do sol que rompe pela janela escancarada.
As moscas, felizes com o calor antecipado, já zunem, também elas brilhando diante dos meus olhos.
Lá fora, carregadas pela suave brisa, sementes flutuam criando pirilampos virtuais à luz do dia.
O sol, tudo ilumina...
Do outro lado do quarteirão, nas traseiras de um prédio mais decrépito que o meu, um vizinho que não conheço, toma banho. A janela é de vidro martelado, mas a silhueta que se impõe revela os pormenores essenciais para perceber quando se ensaboa, quando enxagua o cabelo depois de passar o shampoo. Da janela ao lado, onde esteve a estender roupa, parte o seu companheiro para se lhe juntar. O vidro é revelador, já o disse, e deixa-me entrever o momento em que entra no duche e se agarra a quem já lá estava.
Por pudor desvio o olhar. Agora posso ver a vizinha de um outro prédio, que também não conheço mas reconheço, a estender laboriosamente as peças de roupa da família. São quatro, os que sujam a roupa. Percebe-se pelo estendal que a vizinha terá um marido e um casal de filhos adolescentes. Ela debruça-se distraída sem perceber que a larga camisola de andar por casa ao domingo, com o seu decote escancarado, revela os seios livres de soutien. É domingo, e ela ali perdida na tarefa doméstica, sem aproveitar o sol.
Pássaros piam e quase sem querer vejo passar a primeira andorinha do ano.
Bocejo e deixo o sol aquecer-me o sangue.
O rádio embala-me.
O sofá aconchega-me.
Aproveito o fim-de-semana.