Cabeceava embalado pela trovoada e pela chuva que se abatia nas velhas telhas. A água rolava célere nos algerozes, emprestando uma música corrida ao ambiente aquecido pelo crepitar da lareira.
O gato ouviu primeiro, pois saltou eriçado ainda antes de Alberto erguer as pálpebras, endireitar-se e suster a respiração para aguçar o ouvido. Abandonando a pose de estátua, o gato indagou com um miado.
Respondeu-lhe: "Sim, também ouvi. O que foi?"
Os estrondos, distintos dos trovões que acompanhavam os constantes relâmpagos, não se repetiram. Pensou duas vezes antes de decidir que, para seu descanso, se impunha ir espreitar lá fora.
Já no alpendre, com a luz da rua a brilhar na chuva que tudo inundava, procurou a origem do estrondo duplicado. Sem correr o risco de molhar as patas, ou os bigodes, o seu companheiro aguardou no interior, roído por uma curiosidade que apenas teve força para o trazer até à porta.
Um arrepio empurrou Alberto para dentro, de volta ao lume da lareira. Já sentado, com o gato ao colo, entregou-se ao sono e perdeu a agitação que a polícia trouxe para negociar com o vizinho homicida, aquele que se barricou no quarto onde surpreendera a mulher com outro homem.
Alberto nem quis acreditar no relato que, no dia seguinte, toda a gente sabia contar. Nada ouvira, nada vira, tal a profundidade à qual mergulhara no sono.
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