Sempre me fez impressão o "engraxador de sapatos". Não tanto por si, mas pelos que recorrem aos seus serviços. Não compreendo esta capacidade de entregar os sapatos ainda calçados aos cuidados de alguém. Um pouco como ir à lavandaria e não despir a roupa enquanto a lavam a seco...
Aos meus olhos, aquele que paga para ter os seus sapatos engraxados assume sempre uma posição dominante, abusiva, exploradora. E o engraxador entrega-se à suja missão, lá em baixo, curvado subservientemente, e ai dele que suje as meias ou calças do cliente...
Recordo o dia, há mais de uma vintena de anos, em que um tipo, que não tinha onde cair morto, sempre a pedir dinheiro emprestado, e com o bom-senso de uma formiga aliado a um diminuto QI, anunciou que ia engraxar os sapatos. Vai daí, sorrindo, senta-se na banqueta de um dos muitos engraxadores que havia no Rossio. Poucas vezes tinha alguém aos seus pés, às suas ordens. Sentia-se inchado, importante em tal posição, e não se importava de pagar por isso.
Vem esta conversa a propósito do engraxador, rapaz novo e solícito, que agora assenta arraiais em frente ao restaurante Guilty, na Barata Salgueiro. Continua a fazer-me impressão vê-lo. E ver os clientes, sentados, sorriem como gordos capitalistas de cartola, charuto e relógio de bolso em ouro, mostrando a sua superioridade na "cadeia alimentar" onde vivemos.
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