6.12.06

Camarate para quê?

26 anos depois certos elementos da classe política, figuras de proa dos dois maiores partidos portugueses, descobriram a pólvora, ou seja, que tem que haver um julgamento sobre a morte de Sá Carneiro e demais acompanhantes na fatídica queda do Cessna em 1980.
A motivação destes senhores não é outra senão mediática.
E já agora, comprar para a classe política a imagem de que querem esclarecer a verdade, a qual até sabem qual é, e que no final serão os Tribunais a não fazer justiça.
Logo após a morte de Sá Carneiro (andava eu na 4ª classe e lembro-me do choro da minha professora no dia seguinte, de luto, e deixando transparecer grande angústia e ansiedade), Portugal dividiu-se quanto às causas da queda do avião. O acidente era a tese mais pacífica para um país que ainda não consolidara a recente democracia, e procurava desculpas para justificar o regresso de mentalidades radicais da esquerda e da direita, quem sabe com vista a instalar um clima de guerra civil. Não esqueçamos que estávamos no auge da Guerra Fria, e EUA e URSS digladiavam-se pelo controlo de países satélite.
Por tudo isso, a tese do atentado, seja de esquerda, de direita, ou de qualquer interesse económico ou mafioso nunca foi bem aceite. E toda a investigação imediata foi "orientada" no sentido da pacificação social. Consequentemente, não houve uma investigação independente, isenta, equipada dos meios adequados, e verdadeiramente motivada para a descoberta da verdade. Com o beneplácito político de inúmeras comissões parlamentares que consecutivamente alinharam na tese do acidente. Contra tudo e contra todos, ou antes, contra aquilo que alguns "irresponsáveis" iam defendendo e que a maioria do povo (então ainda não anestesiado pela televisão, e verdadeiramente interessado pela vida do país) comentava à boca pequena.
Com a consolidação democrática, a entrada para o clube europeu e a renovação dos quadros mentais da sociedade, começou a falar-se abertamente de que o "acidente" seria um "atentado". Aliás, passou a ser politicamente correcto defender esta tese. Só que, meus amigos, era tarde. A investigação fora comprometida, as pistas esfriaram, as perícias não eram mais conclusivas, os eventuais autores estavam escudados pelo passar dos anos.
Por isso, se por estúpido e absurdo, a lei for alterada e se obrigar um tribunal a julgar Camarate, só poderá haver um veredicto: a absolvição (de quem?). E depois virão os senhores políticos propagandear que, afinal foi a Justiça que não funcionou.
O que não funcionou, foi o país. E porque o quis.
Para os que acham isto um escândalo pergunto: quem matou John F. Kennedy?

Sem comentários: