7.5.13

O meu coração

A ponta rebelde do cabelo preto insistia em cair para a frente cobrindo o olhar e forçando-a a afastá-la com um gesto curto e rápido ou com um explosivo agitar da cabeça. 
Os lábios, bem pintados de vermelho vivo, movimentavam-se com uma frequência assustadora, à medida que freneticamente descrevia o que lhe acontecera repetindo-se amíude. Todo o episódio a deixara enervada, as palavras atropelando-se umas às outras, o corpo suado e com arrepios, a mente repetindo vezes sem conta a cena. Gesticulando, pontuou pela segunda vez a frase que era um mistério para todos os que a escutavam: "E quando ele me disse isso, o meu coração já nem parava!"
O polícia que a ouvia acenava ocasionalmente com a cabeça e fingia tirar notas para um pequeno bloco de apontamentos. O certo é que não o fazia, nem se importava. Não iria perseguir o ladrão, posto que ali chegara já muito tarde. Não iria investigar os factos pois isso incumbiria à brigada anti-crime, sobrando-lhe apenas o patrulhamento. Sabia que ali a sua função era mais de ouvir e assegurar à senhora que a Polícia iria reagir. E no seu íntimo acrescentaria a palavra "tarde".
De nada valeria a pena tomar notas, pois dqui a pouco, quando a senhora tudo tivesse desabafado e retornado a um estádio de maior serenidade, acompanhá-la-ia à esquadra e deixá-la-ia para tudo repetir ao Figueiras que preencheria o devido expediente.
Com um olhar vazio continou a escutar, concentrado na madeixa rebelde e no coração que não parara.

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