Onde
estavas tu no dia 11.09.2001, quando o mundo mudou?
Eu
lembro-me perfeitamente do momento no qual o World Trade Center se tornou o
centro do mundo, e todos os olhos se focaram nos eventos que imediatamente
ameaçaram mudar a vida de toda a gente.
Nasci em 1971. Cresci
acompanhado, na infância e adolescência, por uma antiga insegurança que aos
poucos se esbateu até se transformar num cenário improvável. O medo de uma
guerra nuclear, presente em momentos como a guerra das Malvinas, os
bombardeamentos americanos na Líbia, a guerra do Irão com o Iraque, os golpes na América do Sul, onde EUA e URSS jogavam xadrez com a vida dos outros, ou de cada vez que Israel entrava em
zaragatas com os vizinhos, já era um sentimento do passado.
Mas, ao aperceber-me que estava a
acontecer um ataque no coração da América, que, naquele momento, o terrorismo
deixava de ser um evento catastrófico de pequena escala, e que, afinal, ninguém
estava a salvo de uma iniciativa tão gratuita, rapidamente voltei a sentir
aquela antiga insegurança.
Estava em casa, então no Murtal,
numa altura em que as férias judiciais ainda se prolongavam até 15 de Setembro.
Preparava-me para regressar a Silves, para o segundo ano de funções por terras
algarvias, e a vida era tranquila. Estava sozinho, o sol inundava a sala, tinha
acabado de almoçar, e pegara no prato e no copo para os levar para a cozinha.
Nesse momento, na velha SONY
Trinitron, José Rodrigues dos Santos avança com uma notícia de última hora: um
avião embateu numa das torres gémeas do WTC, em Nova Iorque. Apareceram as
imagens da CNN. O fumo a sair de uma das torres, alguns helicópteros no ar.
“Como raio foi uma avioneta
embater ali?”, pensei. E fiquei em pé, no meio da sala, prato e copo nas mãos,
a tentar perceber aquelas imagens tão desconcertantes, tão inesperadas.
A excitação de Rodrigues dos
Santos, com a voz a subir de tom enquanto fazia traduções simultâneas das
informações anunciadas pela CNN, deixou passar a evidência do segundo embate.
Eu vi o segundo avião a entrar pela torre adentro, enquanto o fumo já se
elevava na gémea ali ao lado. O apresentador, porém, ainda chegou a dizer que
aquilo era uma repetição do momento em que o avião acertara na torre, e eu,
ciente do seu erro, avisei-o inutilmente, que no estúdio nunca me conseguiria
ouvir.
Nesse segundo embate a ficha caiu.
Percebi então que não foi uma avioneta a embater na torre. Foram jactos, aviões de
passageiros. Percebi então que não foi um acidente. Que aquilo que estou a ver é um
acto de guerra. Que a América está a ser atacada. Sentei-me no sofá, o prato e o
copo nas mãos, incrédulo.
Quem se lembraria de transformar
os aviões em armas? Quantos mais iriam ser atirados contra a população? Na
televisão falam no Pentágono? Até onde nos levariam as ondas de tamanha pedrada
no charco?
Os minutos passam, e eu demoro a
perceber que, nas mãos, continuo a segurar inutilmente um prato e um copo.
Pouso-os no chão. Pego no telefone e aviso aqueles que me são mais próximos.
“Estás a ver?” “E agora?, o que vai ser de todos nós?” "Estamos em guerra? Com quem?".
Com horror, aparecem imagens de gente que salta para o vazio, preferindo a morte rápida ao sufoco ou à incineração. Tantos segundos no ar, o chão a aproximar-se vertiginosamente. Em que pensarão, naqueles últimos segundos?
Um nó na garganta aperta-se quando, incrédulo, vejo desmoronar um arranha-céus, numa cascata de entulho e pó que não julgava possível. Meia hora depois repete-se a derrocada. Onde antes existiam duas torres que, sem nunca as ter visto de perto, associava ao skyline de uma cidade que ambicionava conhecer, há agora apenas fumo, pó. Morte e destruição.
As ideias atravessam a minha mente, mais rapidamente do que consigo processar. Muitas se perderão para sempre. Outras serão repetidas nas conversas que se seguirão por dias a fio.
O resto da tarde foi ali, agarrado
ao televisor. O gato veio perguntar-me o que se passava, porque estava eu parado,
inseguro, a olhar para a pantalha. E, já agora, por favor, vem à cozinha dar-me
qualquer coisa para comer.
Quando fui para a cama, só tinha
uma certeza. As guerras tinham mudado naquele instante. Já não havia campo de batalha. Todo o mundo seria,
agora, um campo de batalha. Hoje aviões, amanhã camiões, barcos, helicópteros,
carros, motas… Tudo poderá vir a ser lançado sobre nós, a qualquer momento. E a muito
provável resposta americana, habitualmente desproporcionada, não me deixava tranquilo.
Muito pelo contrário.
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