21.11.07

O Governo e os incómodos Juízes

Não creio que seja mania de perseguição. Mas conforme venho dando conta, ocasionalmente, neste blog, este Governo está mesmo apostado em desqualificacar os Juízes. Andamos para aqui a falar da questão da funcionalização da carreira, num claro retrocesso de trinta anos, transportando-nos para os tempos da ditadura, tentando o Governo, pela boca do Ministro da Justiça, arranjar desculpas e subterfúgios para desdizer aquilo que escreve em força de lei, quando outra aparece plasmada no Diário da República.
De acordo com o Estatuto dos Magistrados Judiciais, em vigor desde 1977, e que este ano cumpre uns respeitáveis 30 anos, o Presidente, os vice-presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura têm direito a passaporte diplomático e os juizes dos tribunais superiores a passaporte especial, podendo ainda este documento vir a ser atribuído aos juizes de direito sempre que se desloquem ao estrangeiro em virtude das funções que exercem.
Este não é um "privilégio" infundado, como este Governo gosta de apontar a tudo o que foi concedido aos Juízes num estatuto que serve de exemplo para todas as recentes democracias europeia, e pelas mais antigas é considerado um bom e avançado instrumento de garantia dos cidadãos, mas sim uma concessão perfeitamente legítima para titulares de orgãos de soberania, representantes do Estado Português, aplicável apenas quando se desloquem ao estrangeiro em virtude das funções que exercem.

Ora, no Dec.-Lei n.º 383/2007, de 16.11, que aprova o regime da concessão, emissão e utilização do passaporte diplomático português, foram "esquecidos"os vice-presidentes do STJ e o Vice-Presidente do CSM, quando tal constitui um direito expresso e previsto no n.º 3 do art.º 17.º do EMJ.

Não me parece inocente tal "esquecimento". Quando se pega numa lei antiga para a modificar e se excluem situações já previstas, deliberadamente se pretende modificá-las. Deliberadamente este Governo quer desqualificar os Juízes. Deliberadamente se pretende reduzir o poder judicial.
Recomendo vivamente a leitura do discurso do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferido na passada sexta-feira nas comemorações dos 30 anos do EMJ, numa organização do Fórum Permanente de Justiça Independente, bem como as conclusões desse mesmo encontro. Está tudo aqui.


4 comentários:

Anónimo disse...

Sem querer "beliscar" a classe da magistratura, e apesar de considerar uma posição legítima e consagrada na lei, face ao acontecimento do referido "esquecimento", qual a repercussão real que tal medida acarreta no funcionamento normal dos magistrados judiciais?

Anónimo disse...

Esqueci-me de assinar no fim do meu comentário!
Miguel

Urso Polar disse...

A questão é simples: um Juiz não é independente porque numa certa lei isso está escrito. É independente porque tem um conjunto de regras próprias que lhe permitam viver e trabalhar isento de pressões sejam elas políticas, económicas ou sociais. O regime da função pública está desenhado para funcionário, gente cujo vínculo implica dependência da estrutura em que se inserem, maxime, o Governo.
Actualmente o Estatudo dos Magistrados Judiciais regula muita coisa e diz: no que não estiver aqui regulado, aplica-se a lei geral das carreiras da função pública. Não é apenas semântica. Esta alteração estabece que o regime é o dos funcionários públicos, sem prejuízo do EMJ, cuja alteração já está prevista para o início de 2008. E então será mais fácil regular menos, dizendo que o resto está regulado nesta lei "dos funcionários" e estender as armadilhas que coloquem o Juiz no momento da decisão a pensar se esta vai ou não incomodar quem decide sobre o seu pagamento, a sua carreira, a sua vida.

Anónimo disse...

Concordo com tudo o que disseste... Mas em relação ao caso particular do passaporte a minha questão é pertinente pois considero que o estatuto que é conferido a quem tem passaporte diplomático (e se não me engano isso implica não passar por alguns controlos policiais quando se viaja, não depor em determinados casos se a imunidade não for levantada pelo próprio) é algo inadmissível! Dificulta a investigação e permite usar um poder “absoluto” para evitar, controlar e possivelmente não ser punido por algumas infracções!!!
De um modo geral, considero que todas as categorias (magistrados, policiais, políticos, etc…) deviam poder ser investigados sempre que necessário pois, infelizmente, não são as carreiras que fazem os indivíduos mas sim os indivíduos que fazem as carreiras… Problemas com falta de profissionalismo, corrupção, abuso de poder, etc., existem em todas as profissões e classes sociais!!!!

Miguel