6.7.13

É triste ter razão

Incapaz de encontrar alguém a quem confiar a chave de casa para cá entrar e mexer nas minhas coisas quando estivesse ausente, assegurando-me a lide doméstica, optei por, há já alguns anos, entregar tal tarefa a uma empresa que me envia duas mulheres, duas horas por semana. Prefiro assumir o ónus de ter que estar em casa nesse período ou providenciar por alguém disposto a aturar tal frete.
Ao longo dos anos as equipas que entraram cá em casa tem sido muitas e variadas e com alguma pena deixei de ver pessoas às quais me habituei e que reencontrava com prazer naquelas duas horas semanais.
Entre elas conta-se uma maioria de mulheres brasileiras, das mais variadas idades. Uma delas, ultimamente desaparecida mas que, há coisa de um ano, vinha com maior regularidade, deixou conhecer como vivia de um salário que não chegava a € 600,00 por mês. E o mais impressionante é que ainda conseguia garantir o envio mensal de centena e meia a duas centenas de euros para a sua família no Brasil. Como uma das suas companheiras assíduas deixara de vir, procurei por ela para saber que regressara ao país natal. Alvitrei que poderia ser o seu destino, tendo em conta os maus dias que vivemos por aqui e o desenvolvimento anunciado que há do outro lado do Atlântico. Desolada disse que não, que a sua terra era no interior, desligada das grandes cidades pelo que lá só havia desemprego e pobreza. Não tinha como voltar. Ia continuar por aqui. Ia continuar a dizer-me, com um brilho nos olhos, que até conseguia poupar para ir uma vez por mês ao McDonalds.

Esta semana apanhei uma conversa entre as duas mulheres que compõem a mais recente versão da equipa. A mais nova, portuguesa, queixava-se à outra, brasileira, que recebera uma carta da universidade a pedir-lhe para pagar quantias em dívida. Como era possível, dizia, lembrarem-se de coisa tão antiga, quando já acabara a licenciatura havia mais de dois anos?
Não sei qual foi a licenciatura. Pela conversa, julgo que a universidade será privada. O que sei é que aquela rapariga pagou um curso, licenciou-se e anda de casa em casa a limpar e arrumar para outras pessoas. Com um salário pequeno.
Alguns dirão que não é vergonha. Concordo, não é. Dirão ainda que até tem sorte. Nos dias de hoje ter emprego já é muito bom. 
O que é triste é que têm razão.

2 comentários:

Ouriço-Cacheiro disse...

Como cantam os Deolinda:
"Sou da geração 'vou queixar-me para quê?'
Há alguém bem pior do que eu na tv.
Que parva que eu sou!
Sou da geração 'eu já não posso mais!'
Que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar"

Urso Polar disse...

Pois...