7.4.06

"O Edifício da Verdade" (21)

Prédio de subúrbios. Escadas mal iluminadas. O elevador cheira a pó. 5° direito. O apartamento, uma surpresa. Tinha uma sala principal, um quarto, uma cozinha e casa de banho. Mas a sala era algo do outro mundo. Presas no tecto, pendiam faixas de tecido sedoso e transparente. De todas as cores. Umas vinham até ao chão, outras nem tinham meio metro. Pelo meio daquele efeito descortinavam‑se um sofá, um equipamento de alta finidade, uma televisão, uma mesa e quatro cadeiras.
‑ Sente‑se no sofá. Esteja à vontade.
‑ É costume trazer estranhos para casa?
‑ Só os que atropelo. Já agora, eu sou a Sibela.
‑ Sibela? Original. Eu sou Vitor Cardoso. Sou escritor.
‑ Eu sou designer de interiores. E sado‑masoquista. ‑ disse rindo. ‑ Deixa‑me ajudar‑te a tirar essa roupa molhada. - Não foi subtil a mudança de pronome.
A chuva apanhara‑os à entrada. Tirou‑lhe a camisa e os sapatos. Levou‑os para perto da lareira.
Lareira? De onde viera aquela lareira, tão bem acesa? Vitor juraria que não estava nada ali, quando entraram. Sibela, quando voltou, fez‑se acompanhar por dois balões de brandy aquecido. Parecia que estavam à espera deles.
‑ Aguenta só um pouco. Vou pôr‑me à vontade. E prepara‑te para uma surpresa! ‑ dito isto entrou no quarto.
A aparelhagem ligou‑se sózinha. Marillion, "She chameleon ". Vitor pensou enquanto bebericava o brandy. Que raia se passava? A noite era infindável. Sucediam‑se as peripécias e os cenários. Esta era a quinta mulher loira que se metia com ele. O homem com ar de assassino psicopata, ainda por cima de aparência familiar incutia-lhe um inusitado horror. Vitor queria pensar mais mas não conseguia. Queria concluir alguma coisa de lógico, de verosímil. Tentou os truques para acordar. Nada. Já devia estar acordado. Lá se ia a teoria do sonho. E o cérebro que se recusava a pensar. Parecia bloqueado. Parecia incapaz de atingir o mais básico dos silogismos.
‑ Surprise!
AH!!!
O susto foi irreal. O choque irresistível. Sibela estava ali, a seu lado, numa pose assustadora. Ela era bonita. Com o seu cabelo solto e sem óculos, ainda mais. E estava nua. Um belo corpo. Seios firmes e volumosos. Pernas altas e torneadas. Mas aquele... aquele... aquela coisa... ! Sibela tinha fixado, por meio de correias, uma prótese, um apêndice, uma aberração. O certo é que, em vez de um desejável ninho púbico, a loira exibia um pénis erecto feito em material sintético.
Com o choque, Vitor levantou‑se, largou o balão de cristal que se estilhaçou no soalho de madeira, e pasmou boquiaberto. Pior ficou quando ela disse:
‑ Vá lá, não custa nada... não é o que vocês costumam dizer? Porque não provas um pouco do outro lado?
O escritor começou a recuar, roçando nos tecidos pendurados. Ela caminhava para ele. Ele fugia. Virou‑se para a lareira. A sua camisa, bem como os seus sapatos, alimentavam o lume forte. Estavam já quase em cinzas. Ela tocou‑lhe. Pôs‑lhe uma mão no rabo. Um dedo tentando ser mais maroto que os outros. O escritor perdeu a paciência, a calma. Virou‑se dando‑lhe um violento tabefe que a prostou. Correu para a porta. Agarrou numa t‑shirt que estava pendurada na porta da cozinha. Saiu sem olhar para trás.
(continua)

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