30.6.06

Alerta Vermelho (acendam as luzes vermelhas e liguem o som de alarme)

O Ministro da Justiça veio anunciar que até ao fim do ano quer alterar o mapa judiciário. Falamos da divisão territorial para a Justiça, ou seja, a área de intervenção de cada Tribunal e a quantidade destes.
À partida, nada a assinalar. Quem anda no terreno sabe que existem Tribunais afundados com falta de recursos (humanos, físicos, materiais) para responder à conflitualidade da sua área territorial, ao passo que outros existem que não têm trabalho que justifique o dispêndio desses mesmos recursos apenas para algumas dezenas ou poucas centenas de processos.
Um olhar atento poderia sugerir a extinção de Tribunais, ou a desafectação de uns concelhos de um Tribunal para outro, "dividindo o mal pelas aldeias" e assim criando condições para as estruturas existentes funcionarem dentro de números mais razoáveis para a produtividade.
Infelizmente, não é esse o objectivo do Sr. Ministro. Claramente declarou que não pensa extinguir Tribunais. Claro que não. Essa matéria colide com os interesses dos autarcas (e alguns serão do seu partido) que fazem bandeira de defender o "seu" Tribunal, mesmo que este seja um desperdício de dinheiro sem retorno.
Temo que o plano governamental seja mais uma tentativa de controlar o poder judicial. E não creio ser alarmista ou paranóico na afirmação.
As palavras do Ministro para a comunicação social repetiram o "sound byte" que vinha ensaiado: vamos acabar com comarcas e círculos e criar 30 áreas alargadas dentro das quais seja possível gerir melhor os recursos, nomeadamente os humanos.
Ninguém fez aqui a pergunta fundamental: O sr. Ministro considera os Juízes como recursos humanos?
A resposta sei-a eu. Claro que considera. E por isso encosta-se à experiência holandesa, cujo sistema é bem diferente do nosso e não tem apenas coisas boas (pois, mas das más não falará o Governo) e já pensa na figura do Juiz Presidente de cada uma dessas áreas. Será um Juiz Conselheiro, ou um Juiz Desembargador (se realmente alterarem os critérios de acesso ao Tribunal da Relação como está previsto, permitindo uma "selecção" menos clara dos Juízes da 2ª instância), mas dizia eu, será possível ao Juiz Presidente "gerir" os magistrados judiciais dentro da área respectiva à medida das necessidades processuais de cada Tribunal.
Bonito, não é? Estou mesmo a ver-vos pensar que até faz sentido para assim se despacharem mais processos onde eles mais existam. Mas o custo desta opção é tremendo. Querem ver porquê?
Imaginem um Juiz a ter em mãos um processo "sensível" que visa apurar a responsabilidade de um autarca, um governante, uma empresa "especialmente relevante" e a tornar-se incómodo com a sua actuação. Hoje em dia o que acontece? Nada. Esse Juiz é inamovível e poderá levar a cabo o seu trabalho, sem pressões, sem receio de ser penalizado pela decisão que tomar. A sua responsabilidade é apenas a disciplinar. Tem liberdade de decisão.
Ora, com o sistema que se cozinha nos corredores do poder, o Juiz-Presidente poderia julgar adequado afectar aquele Juiz ao trabalho de outro Tribunal, mandá-lo mudar, e o processo "sensível" caíria noutras mãos, quiça menos incómodas.
Curioso, não é?
E, dependendo da área de cada uma dessas novas unidades territoriais, podemos estar a falar de um transtorno para o Juiz que poderá por em causa não só a sua produtividade como a sua independência, particularmente se temer a deslocação e estiver disposto a "entrar no jogo", seja ele qual for, para evitar sair de Lisboa para, por exemplo, Abrantes.
Como se vê no filme "A Comédia do Poder" do qual falei há dias, este sistema existe nalguns países. E nesse filme se vê o que foi feito para afastar a Juiz incómoda do processo relativo a corrupção ao alto nível. Como diz a personagem Juiz de Instrução ao Juiz-Presidente quando este lhe anuncia que ela terá um bónus quando for "promovida" (deixando assim aquele processo), "fique com o bónus e compre com ele um par de tomates".
Com a tradição portuguesa relativamente à forma como os titulares de cargos políticos lidam com o poder, é esta a situação que querem para a judicatura?
Por mim, gostaria que aos Juízes fosse garantida a independência e inamovibilidade.

28.6.06

De volta

Após uma semana afastado da internet estou de volta. Estou um pouquito apertado em tempo, mas prometo escrever qualquer coisa em breve.
Até lá um aviso: não se iludam com a apresentação e acreditem no que dizem os críticos dos jornais. O "Klimt" é um filme que fica muito áquem das expectativas. A anos luz das pinturas do artista. Perde-se na confusão e no pretensionismo do realizador. Aproveitem o dinheiro para ir ver outra coisinha qualquer.

22.6.06

"O Edifício da Verdade" (epílogo)

‑ Isto é assim: se abandonares a materialidade, se te despojares do corpo, ganharás um conhecimento pleno, ficarás a saber tudo, tudo sobre tudo, a todo o tempo, sempre actualizado... mas nada poderás fazer para além de estudar; por outro lado, se optares por um conhecimento funcional, parcial, pouco a pouco irás descobrindo as coisas, não todas, mas algumas. Descobri‑las‑ás em ti, por ti, no teu corpo, na tua vida, na terra... e aí poderás marcar a diferença. Para os outros existes. A eles podes transmitir a tua mensagem.
A escolha não foi dificil.
‑ Prefiro o conhecimento parcial. Não sou pessoa para ficar a ver acontecer.
‑ Então, como estás no Edificio da Verdade, pergunta. Responder‑te‑ei na medida da tua escolha anterior.
Vitor fez uma pausa. Perguntar?! Havia tanta coisa que queria saber, coisas profundas. Sem saber porquê, foi começar por algo superficial, uma espécie de aquecimento, de apalpar o terreno em que se movia.
‑ Curiosidade trivial: porquê estas provas sensaboronas?
‑ As duas primeiras analisam a tua capacidade, para ver se poderias dar uso aos conhecimentos que porventura viesses a adquirir. A última revela o teu "eu", a tua sinceridade e posição face à Verdade.
‑ Já era tempo de as actualizar, não?
‑ Não! Elas são eternas. Os grandes génios da tua filosofia por elas passaram.
‑Onde estamos? ‑ Vitor tentava aprofundar o teor da conversa.
‑ Na tua imaginação.
‑ Então isto não existe?
‑ Não disse isso. Porque não há‑de a imaginação ser real? Ela é o motor do Homens.
‑ Então, o que está na minha imaginação existe?
‑ A dois níveis. Existe para ti e para aqueles a quem o transmitiste, nos livros por exemplo. E existe noutra realidade.
‑ Outra realidade? Estás a falar noutra dimensão?
‑ Porque não? Mas prefiro outra realidade.
‑ E essa "outra realidade" cruza‑se com a minha realidade? ‑ bebeu um gole da sua cerveja fresca, fixando os olhos da sua adorável interlocutora.
‑ Não achas que sim? Já o sentiste.
‑ Sílvio Cunha! ‑ o ar surpreso não transmitiu a excitação que sentiu ao ver esclarecido um enigma.
‑ Exactamente.
‑ Ele estava no mesmo plano que eu? ‑ Não era fácil compreender tudo aquilo. Sílvio Cunha, o temível perseguidor que o assolara nos últimos tempos, fora por si criado para uma das suas obras, onde funcionava como um alter‑ego, aquela parte que cada um de nós se recusa a assumir, da qual fugimos, impedindo um reencontro inevitável. E inevitável porque é parte de nós. O reencontro é permanente desde que dele tomemos conhecimento.
‑ Sim, porque tu quiseste.
‑ Eu quis? Se eu o quisesse, saberia da inutilidade de fugir dele, saberia das vantagens em me unir a ele.
‑ Nem sempre se pode saber o que se quer.
‑ Aí tens razão. Muitas vezes sinto‑me sem saber o que quero. Na volta nem quero nada.
‑ Querer. Queres sempre qualquer coisa. Podes não sabê‑lo ou descobri‑lo tarde demais. Mas queres. É isso que te faz andar. É isso que faz andar o Homem. Nem que seja acordar de manhã, ou deitar ao fim do dia, mas um Homem quer sempre alguma coisa. E acaba por ser o seu querer que determina a sua dimensão, o seu relevo entre iguais.
‑ Quem és tu?
‑ Isso cabe a ti descobrir.
‑ És Deus? Deus existe?
‑ Pfff ... Deus, Deusa... porquê algo tão abstracto, e ao mesmo tempo tão concretamente à medida dos Homens?
‑ Então não existe Deus?
‑ Não! Deus existe. Basta que o Homem o imagine, lhe dê forma e força. Já te disse que a imaginação é.
‑ Eu nunca acreditei em Deus. Nunca o consegui conceber.
‑ Então, para ti, Deus não existe. Existirá porventura outra coisa?
‑ Bem,... eu acredito na Natureza.
‑ Nesse caso, a Natureza é o teu deus.
Vitor parou um pouco para aclarar as ideias e beber um pouco mais da cerveja que, curiosamente, ainda enchia o copo. Voltou à carga:
‑ Foi para isto que eu cá vim?
‑ Não sei. És tu quem decide.
‑ Pode o Homem viver sem Deus?
‑ É dificil. Toda a gente acredita nalguma coisa que lhe é superior.
‑ Então, porque não é o mundo justo?
‑ Ah!, uma dúvida que te consome há já algum tempo. Vamos por partes. Quem fez o mundo?
‑ Deus?
‑ Enfim, para ti, digamos, a Natureza, certo? ‑ Vitor acenou afirmativamente com a cabeça. ‑ Mas quem é que age sobre o mundo?
‑ O Homem, principalmente.
‑ É o Homem perfeito?
‑ Não, longe disso.
‑ A Natureza, era obrigada a fazê‑lo perfeito?
‑ Bem..., imaginando a Natureza como Deus, e sendo a perfeição um sinónimo de Deus, se ela criasse algo perfeito estaria a criar outro Deus. Isto não é um contrasenso?
‑ Então a tua dúvida está respondida.
‑ Mas, e o mundo?
‑ Oh, mortal... Se o Homem não conseguir evoluir até à perfeição, é porque ficou pelo caminho. Não será o primeiro e certamente não será o último. Mas aí, a Natureza recomeça de novo. Ela tem todo o tempo que for preciso. Ela é o Tempo. Só que não a obriguem, independentemente do nome, a que seja perfeita, a que crie coisas perfeitas. A perfeição não está na mesma proporção do poder. A perfeição é relativa. Não é por a Natureza, ou Deus, ou Alah, Buda, Jeová, Mãe Terra, o que quer que seja, ser poderosa que é perfeita. Não te esqueças disso. ‑ acalmou o tom de voz, bebendo ela também um pouco de cerveja.
Um pequeno silêncio instalou‑se enquanto Vítor pensava sobre o que falar. A conversa sobre Deus não fora esclarecedora, pelo menos para o escritor, porém ficara com uma base de reflexão, um ponto de partida para ulteriores cogitações.
‑ Onde estive eu, nestes últimos e disconexos tempos?
‑ Perdido dentro de ti.
‑ Então, onde estou eu agora?
‑ Ainda dentro de ti, só que mais localizado, menos perdido, menos só.
‑ Por falar em só, porque não encontrei ainda o Amor?
‑ Porque o procuras.
‑ Como posso não procurar?
‑ Se não duvidares dele, acreditarás que ele te encontrará, mais tarde ou mais cedo. Na altura certa.
‑ Se não o procurar...
‑ Se não duvidares.
Nova pausa.
‑ Então, e a Amizade, também a procuro?
‑ Talvez... talvez tenhas aí mais sorte que no Amor. E não será a Amizade mais necessária, mais fundamental que o Amor?
‑ Eu já nem procuro amigos... Eu limito a minha luta a manter os amigos. E já são tão poucos...
‑ Não!... os amigos mantêm‑se independentemente de lutas. Não vão nem vêm como as ondas do mar. Esses amigos "iô‑iô" não são os amigos de que estamos a falar. Os que contam são aqueles que estão connosco, sempre que precisamos, sempre que precisam.
‑ Ah,... esses... Mas, para além do Diogo não tenho mais ninguém.
‑ Tens! Mas tens que lhes dar alguma hipótese, não? Ser mais tolerante, confiar um pouco.
‑ Mas eu não estou a ver mais ninguém...
‑ Quando regressares pensa nisso. Olha à tua volta. Tenta conviver com as pessoas.
‑ As pessoas. Sabes muito bem que as pessoas são o meu passatempo, são matéria prima. Eu adoro conhecer pessoas, gente nova.
‑ Não me digas que nesses conhecimentos todos não arranjas amigos?
‑ Digamos que me tornei calculista. Continuando a disfrutar do prazer que esses conhecimentos me proporcionam, vacinei‑me contra a falsidade. As pessoas são falsas. E detesto pessoas que se julgam senhoras da verdade, da razão. Por outro lado simpatizo com todos aqueles que estão em busca. Aqueles para quem a verdade está algures à espera de ser descoberta. Só esses são suficientemente interessantes. Só esses têm algo para receber e muito para dar. Só esses são gratificantes.
"Se um gajo não se julga merda por uma vez na vida, não pode evoluir. E a grande maioria nunca se julgou merda. Sempre foram uns iluminados. Iluminados de merda que vivem na escuridão. São poucos os oásis que descobrimos.
‑ São poucos, mas bons. E existem.
‑ Mas aí coloca‑se o problema das ilusões.
‑ Isso é outra história.
‑ Mas conhecer pessoas é um campo propício para as ilusões. E a grande maioria das ilusões conduz a desilusões. Nada acontece como nós prevemos. Somos rasteirados quando começamos a acelerar. Quando nos aproximamos, vemos as expectativas esfumarem‑se, arderem como uma caixa de fósforos. As ilusões conduzem às desilusões. Por isso deixei de as ter. Passei a dar‑me com as pessoas de forma diferente, distante, sem alimentar qualquer expectativa.
‑ Talvez por isso percas novos amigos.
‑ ...Mas é mais seguro assim.
‑ Acreditas nisso? Sentes‑te bem dessa maneira?
‑ Não! Nem assim consigo atingir a felicidade.
‑ Tu nunca conseguirás atingir a felicidade permanente. Ninguém consegue. Podes vir a ser alguém alegre ou triste, mas de resto... Terás é momentos de felicidade e outros de infelicidade, nada mais.
"Tem lógica.", pensou Vitor. Fez mais uma pausa. Bebeu um pouco da melhor cerveja que alguma vez provara. Olhou para as crianças que ao longe corriam pela relva, rindo... Gostava de crianças... Gostaria de ser criança. Como tudo era tão simples na ignorância de um ser infantil.
‑ O que é que eu quero?
‑ Pensa antes assim: o que é que te faz correr?
‑ Eu. ‑ respondeu após breve reflexão ‑ Só corro por mim, para mim. ‑ perante a passividade da bela mulher, continuou ‑ Sim, parece egoísmo. Mas não é. Não. Agora percebo. Por causa do que sou, daquilo que pretendo ser, de tudo o que defendo e acredito, enquanto corro por mim, cumpro valores como a Amizade, a Liberdade, a Dor. Valores que fazem parte de mim. Ao correr por mim, estou a defendê‑los. Isto não pode ser egoísmo, ou então o egoísmo não é negativo.
Olharam‑se profundamente. Um olhar quente, forte. Ela sorriu. Vitor percebeu a deixa.
‑ Voltarei cá?
‑ Sempre que preciso.
Aparentemente o tempo de antena acabara. O Edificio da Verdade fugiu, e Vitor passou a ser ele de novo. Caminhava pela areia, sentindo nas suas costas o CÉU e o INTERNO, e o pobre e velho casinhoto. Lá à frente viu o seu prédio. Entrou, subiu, sentou­‑se na poltrona. Fechou os olhos e pensou.
A verdade, apesar de mais próxima, continuava longe. Pelos vistos teria que morrer para a atingir. Mas para isso há tempo. A Eternidade é tempo. Agora era altura de viver para o presente. A começar por pedir desculpa a quem merecia. Agora iria viver. Se não podia apagar o passado, lutaria pelo presente. Agora iria viver. E acreditar na Verdade. Agora ia
Viver.
(FIM)

Professores

Correndo o risco de meter a foice em seara alheia e cometer alguma gaffe, tenho que deixar aqui algumas palavras sobre as notícias divulgadas pela comunicação social quanto às reivindicações dos professores.
Começando por aqui, diz-me a experiência que a mensagem de quem se opõe ao Governo nunca é bem transmitida e muitas das vezes é mesmo deturpada. Em todo o caso, e dando o devido desconto, oiço coisas que me arrepiam.
Custa-me ouvir propor a avaliação dos docentes pelos pais dos alunos. É o mesmo que por os doentes a avaliar os médicos, os arguidos os Juízes, os contribuintes os funcionários que lhes liquidam os impostos... A carga subjectiva é tão elevada que é impossível ser imparcial e tornar credível tal avaliação. Basta olhar para as histórias de pais a enfrentarem professores com ameaças ou agressões que cada vez mais se ouvem . Porquê, então, sequer propôr isto?
Oiço igualmente com preocupação que no concurso nacional de colocação de professores dezenas de vagas nos grandes centros não foram abertas. É de supor que não serão precisos tais professores? Será? Segundo a mentalidade reinante, estou mais em crer que, no começo do ano lectivo, outros professores virão para as ocupar ao abrigo de qualquer regime distinto, passando a perna a quem queria concorrer àquelas vagas. É o costume, não é?
Oiço falar na alteração do estatuto da carreira docente com referências que, possivelmente, levarão a que alguns professores deixem de ter carreira. Pelos visto, é moda.
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Em contrapartida, a corporação docente aproveita para defender bandeiras que são assustadoramente absurdas. Os professores têm 25 sindicatos. Alguns com reduzida representatividade. O número de professores que tem direito a redução de serviço por causa da actividade sindical é enorme. E ultrapassa o rácio de qualquer outra profissão em Portugal. Porquê? Ainda por cima não vejo qualquer sindicato defender aquilo que os professores realmente precisam: autoridade e respeito.
Mas também é assustador o número de professores com horários zero, no Ministério e em actividades escolares não docentes. Assustador porque representa um desvio, um desperdício de recursos que não beneficia os alunos nem os professores que, queiramos ou não, estando afastados da docência perderão naturalmente qualidades formativas.
Os professores blindaram o estatuto da sua carreira e da forma como concorrem aos lugares, o que leva a que os mais velhos, que então decidiram as regras que os regem, estão instalados e numa posição sobranceira de domínio. Pelo contrário, quem acede agora à carreira docente é trucidado pelas regras existentes e, por muito bom professor que seja, está no fundo da "cadeia alimentar" do ensino. E, por isso, temos professores do Norte a ensinar no Sul, e vice-versa, sem que sequer lhes seja permitido continuar na escola onde, durante um ano, ensinaram com qualidade, criaram laços, afirmaram as suas qualidades, ganharam respeito, reconhecimento e autoridade.
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A educação é o pilar no qual assenta a formação dos novos cidadãos. Está a ser descurada há décadas. A qualidade do ensino é sistematicamente bombardeada, desde os conteúdos aos que os ensinam. Reformas são precisas. Mas, à semelhança do que vejo acontecer na justiça, parece que a estratégia escolhida foi a do confronto, da terra queimada, esquecendo-se o verdadeiro cerne da questão. Discute-se o lateral, o acessório e criam-se questões de somenos relevo estrutural. Não será assim que se resolverão os problemas. E continuaremos a ter alunos desinteressados, desobrigados e de baixa qualidade, com pais desresponsabilizados da educação dos filhos, que apenas sabem reivindicar para os seus a tolerância para o erro, e professores maus instalados, e bons desmotivados. Enfim, uma educação de merda.

19.6.06

Bem-vinda, Ouriço-Cacheiro

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A partir de hoje têm aí à direita mais um link, desta feita para o blog da Ouriço-Cacheiro, amiga do Urso Polar há muitos anos, desde miúdos, daquelas festas de família e amigos que aconteciam em casa de uns tios meus.
Quis o destino que partilhássemos a Faculdade de Direito de Lisboa, ainda que em anos diferentes, já que sou um pouquito mais velho que o bicho dos espinhos. Agora que a Ouriço-Cacheiro se encontra numa espécie de degredo (para usar as suas palavras), esperemos que canalize a energia e tempo que sobram para nos brindar com os seus pensamentos e as suas palavras que, bem me lembro daquele pouco que já li, são sempre bem escolhidas.
Bem-vinda, Ouriço-Cacheiro.
Que fiques aqui pela blogsfera a fazer-nos companhia. Da minha parte, posso dizer que já estás nos meus Favoritos.

Cinema a rodos

Aproveitando esta semana intermitente, dei uso intensivo ao KingKard. Resumidamente, porque infelizmente, não há tempo para mais, aqui ficam as minhas impressões.

Lisboetas, de Serge Tréfaut
Este documentário sobre os novos lisboetas, aqueles que vieram do frio e do calor, do Leste, de África, da Índia e do Brasil para Portugal à procura de melhor fortuna e se deparam com um mundo novo, uma língua nova, costumes novos, oportunidades e oportunistas. Filmado com um brilhante sentido estético, montado de forma envolvente, este filme interpretado por gente real abre um pouco a porta para aquela realidade que passa ao lado de quem vive em Lisboa e está demasiado ocupado para ver, inconsciente daquilo que à sua volta se passa.
Sem dúvida que é um filme para ver, por enquanto ainda em exibição no Nimas.
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O Código Da Vinci, de Ron Howard
É o exemplo típico de um filme pronto-a-comer, embalado em papel e plástico. Difícil seria fazer um filme relevante, na medida em que a obra literária que lhe está na origem é igualmente muito fraca. Neste filme nenhum dos personagens tem densidade, as suas motivações escondem-se em interpretações rasas. Sem dúvida destinado a quem leu o livro e gostou, e de preferência que não tenha pensado muito nele. Chupa a pastilha, e no fim cospe-a sem sequer mascar muito. Fui ver por curiosidade e porque não pagava o bilhete. Caso contrário a curiosidade saíria cara e sem qualquer retorno.
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A comédia do poder, de Claude Chabrol
Este é um filme que navega numa realidade incontornável dos nossos dias e que é o tráfico de influências, entre a corrupção e o marketing, ao nivel dos Estados e das empresas públicas. Centra-se na realidade francesa e na figura do Juíz de Instrução que naquele ordenamento jurídico tem um papel bem distinto do que se passa em Portugal e que no filme se apresenta muitas vezes como insuportável. O filme tem bases sólidas mas momentos inconsistentes. Interpretações com altos e baixos, roçando a caricatura e os esteriótipos, o que se sente intencional para conseguir, pelo excesso, transmitir a mensagem. Por isso, a tradução do título como a “comédia” do poder é bem conseguida. Não é uma comédia de rir à gargalhada, é sim de sorrir aos segundos sentidos e insinuações que de permeio se descobrem.
Filme a ver, sem dúvida, mas que, para os que não têm tempo, resistirá bem a um primeiro visionamento já em casa em DVD.
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A lula e a baleia, de Noah Baumbach
Esta obra transporta-nos para meados da década de oitenta, com uma família em ruptura. Os pais, cuja relação está há muito minada num processo que culmina com o aparente fim da carreira de escritor do pai e o despontar de uma carreira como escritora da mãe, chegam ao ponto da separação e tentam fazê-lo de forma adulta e responsável para bem dos filhos. Estes, dois rapazes em diferentes fases da adolescência, lidam mal com a nova realidade e entre os quatro geram-se momentos de aproximação e de conflito, de estranhos comportamentos.
Seguimos as suas desventuras de forma íntima, vivendo os seus momentos de força e fraqueza e assistimos com paixão ao crescimento dos fortes personagens criados e muito bem interpretados. A realização é segura mas pouco audaz, conquistando-nos pela simplicidade. Exemplo actual do cinema independente a ver, seguramente.

8.6.06

À lei da bala?

A notícia ontem à noite era a dos soldados da GNR em Timor terem tentado entregar um preso na prisão de Dili e serem ameaçados pelos soldados australianos que ali montavam segurança e que não os deixavam aproximar, porque estavam armados.
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(a foto é antiga, respeita à presença da GNR após a independência, sob a bandeira da ONU)
O que se passará naquela terra? À primeira vista, direi que a Austrália revela o seu verdadeiro interesse naquele país: dominá-lo à revelia da restante comunidade internacional.
Os soldados australianos não irão facilitar a vida ao contingente policial português. Má sina a dos soldados da GNR.

BD

Ontem fui ver o filme "X-Men - The Last Stand", mais uma película criada a partir do universo da BD da Marvel. Já são muitos os títulos com essa origem, e uma boa parte deles deixa muito a desejar porque ou se perdem nos efeitos especiais, ou nos actores ou não se lembram de escrever decentemente para o filme.
Ora, neste caso, a história é muito bem conseguida e tem aqueles momentos complexos que reconhecemos dos livros, vivendo o filme mais da narrativa do que dos efeitos especiais. Os combates, o uso dos poderes de cada um dos mutantes estão lá, mas devidamente doseados.
Não vi nenhum dos anteriores filmes da saga X-Men (e agora apetece-me vê-los). Mas neste, os mutantes envolvidos têm a mesma espessura que lhes encontramos nos livros que durante horas encantaram em momentos de ócio. E ver Kelsey Grammer como "Besta" (sim, o Dr. Fraiser, que por acaso também dá a voz ao "Sideshow Bob", o vilão dos Simpsons, arqui-inimigo de Bart) é um extra bastante animador.
Por isso, saí da sala satisfeito, muito satisfeito, com o filme. E creio que é daqueles que só tem a ganhar com a projecção num grande ecran como o do cinema. Possivelmente, em casa, na televisão, ficará um pouco aquém.
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6.6.06

Novo Mundo

Se há coisa que resulta dos filmes de Terrence Malick, é que o realizador nunca tem pressa para contar uma história. Aliás, à semelhança do que fizera em "A Barreira Invisível", neste "Novo Mundo" está menos preocupado em contar-nos a história, e mais interessado em transmitir-nos os sentimentos dos personagens envolvidos. E fá-lo de forma exímia, com a calma de um olhar que tudo absorve, aproveitando a rudeza dos locais onde filmou, recriando um tempo perdido mas não assim tão distante.
Os actores são guiados pela paisagem que filma de forma sublime, com expressiva voz off e até Colin Farrel perde aquele estilo canastrão que costuma irritar-me. A actriz Q'Orianka Kilcher é de uma beleza invulgar e ilumina o filme com a audácia da sua personagem.
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Pelo meio, conta-se a história dos primeiros colonos ingleses no Novo Mundo, e da sua instalação nem sempre pacífica. Dos seus contactos com os nativos e da história de amor vivida por dois personagens tão diferentes.
Sem dúvida que este é um filme para ver e, mais se diga, para ver num grande ecran de uma boa sala de cinema. Em casa, em DVD, perder-se-á parte da visão de Terrence Malick.

1.6.06

"O Edifício da Verdade" (28)

Vinda de nenhures, uma voz soou:
‑ Bem vindo ao primeiro andar do Ediffcio da Verdade.
"Estás numa sala com duas portas e dois porteiros. Uma delas deixa‑te continuar, a outra não. Um dos porteiros só diz a verdade, o outro só sabe mentir. Não tentes forçar a saída. Apenas podes fazer uma pergunta a um deles para descobrir o melhor caminho.
Vitor riu‑se. Só podiam estar a gozar com ele. O enigma é cativante, mas já tem barbas. Sem cerimónias avançou para o porteiro mais perto, perguntando‑lhe:
‑ Se eu perguntar ao outro porteiro qual é a porta que me deixa continuar, o que é que ele me responderá?
‑ Esta porta aqui.
Por razões de lógica foi para a outra. A resposta a esta pergunta seria sempre a da porta errada, como uma breve reflexão o demonstrará.
Ao abrir a porta, mudou completamente de situação, apenas pensando porque carga de água quis continuar com aquela palhaçada.
.
Estava agora num degrau. Abaixo dele um tipo com um chapéu branco. Quis mexer‑se mas não o conseguiu. Com a visão periférica ficou com a sensação de estar num palco. A voz falou de novo:
‑ Estás agora num degrau. Como já te apercebeste, estás paralizado. Tens um indivíduo à frente, outro atrás e ainda um terceiro atrás de uma cortina. Dois de vocês têm chapéu branco, os outros negro. Quem primeiro descobrir a côr do seu chapéu, diz.
Vitor ficou parvo. Como raio iria ele descobrir a côr do seu chapéu? Só conseguia ver um deles... O que estava atrás de si ainda via dois, os outros nem viam nada... "Onde estou eu?", perguntou­-se.
Silêncio. Os tons de azul mal iluminado que inundavam a cena ajudaram‑no a concentrar‑se. De repente, o silêncio elucidou­‑o.
‑ O meu chapéu é negro, pois se fosse igual ao do da frente, quem estivesse atrás de mim diria logo a sua côr por exclusão de partes. A única justificação para o seu silêncio é termos chapéus dif...
.
O novo espaço não tinha limites. Era negro. Apenas uma pálida luz, vinda do nada, se impunha perto dele. De pé, o escritor ouviu de novo a mesma voz:
‑ Agora, ao revelares o teu maior remorso, vais mostrar sinceridade.
Ficou estático. Algo bateu fundo, percorrendo‑lhe o corpo como uma corrente eléctrica, dando‑lhe um nó no estômago e um peso na consciência. Soube de imediato qual era a situação. Mas custava‑lhe falar. Sentou‑se. Apercebeu‑se de que não havia chão. Ele estava ali, no nada e na luz, a falar de algo que o oprimia. Que sempre o oprimiria.
‑ Houve, aqui há tempo, não muito, uma mulher... ‑ começou a custo, muito lentamente, ‑ ... de trinta anos. Não me era nada de especial. E se calhar até era. Pelo menos, na altura marcou‑me. Infelizmente não pela positiva. E podia ter sido. Eu precisava. Teria sido muito melhor. ‑ nova pausa, como se estivesse a ganhar balanço para abordar o assunto com clareza. ‑ Apesar dos seus trinta anos, não era uma pessoa muito esclarecida. Costumo dizer que há miúdas de catorze anos mais senhoras, mais senhoras de si. ‑ Vitor gaguejou, como se não soubesse o que dizer, como o dizer.
(continua)