30.6.06

Alerta Vermelho (acendam as luzes vermelhas e liguem o som de alarme)

O Ministro da Justiça veio anunciar que até ao fim do ano quer alterar o mapa judiciário. Falamos da divisão territorial para a Justiça, ou seja, a área de intervenção de cada Tribunal e a quantidade destes.
À partida, nada a assinalar. Quem anda no terreno sabe que existem Tribunais afundados com falta de recursos (humanos, físicos, materiais) para responder à conflitualidade da sua área territorial, ao passo que outros existem que não têm trabalho que justifique o dispêndio desses mesmos recursos apenas para algumas dezenas ou poucas centenas de processos.
Um olhar atento poderia sugerir a extinção de Tribunais, ou a desafectação de uns concelhos de um Tribunal para outro, "dividindo o mal pelas aldeias" e assim criando condições para as estruturas existentes funcionarem dentro de números mais razoáveis para a produtividade.
Infelizmente, não é esse o objectivo do Sr. Ministro. Claramente declarou que não pensa extinguir Tribunais. Claro que não. Essa matéria colide com os interesses dos autarcas (e alguns serão do seu partido) que fazem bandeira de defender o "seu" Tribunal, mesmo que este seja um desperdício de dinheiro sem retorno.
Temo que o plano governamental seja mais uma tentativa de controlar o poder judicial. E não creio ser alarmista ou paranóico na afirmação.
As palavras do Ministro para a comunicação social repetiram o "sound byte" que vinha ensaiado: vamos acabar com comarcas e círculos e criar 30 áreas alargadas dentro das quais seja possível gerir melhor os recursos, nomeadamente os humanos.
Ninguém fez aqui a pergunta fundamental: O sr. Ministro considera os Juízes como recursos humanos?
A resposta sei-a eu. Claro que considera. E por isso encosta-se à experiência holandesa, cujo sistema é bem diferente do nosso e não tem apenas coisas boas (pois, mas das más não falará o Governo) e já pensa na figura do Juiz Presidente de cada uma dessas áreas. Será um Juiz Conselheiro, ou um Juiz Desembargador (se realmente alterarem os critérios de acesso ao Tribunal da Relação como está previsto, permitindo uma "selecção" menos clara dos Juízes da 2ª instância), mas dizia eu, será possível ao Juiz Presidente "gerir" os magistrados judiciais dentro da área respectiva à medida das necessidades processuais de cada Tribunal.
Bonito, não é? Estou mesmo a ver-vos pensar que até faz sentido para assim se despacharem mais processos onde eles mais existam. Mas o custo desta opção é tremendo. Querem ver porquê?
Imaginem um Juiz a ter em mãos um processo "sensível" que visa apurar a responsabilidade de um autarca, um governante, uma empresa "especialmente relevante" e a tornar-se incómodo com a sua actuação. Hoje em dia o que acontece? Nada. Esse Juiz é inamovível e poderá levar a cabo o seu trabalho, sem pressões, sem receio de ser penalizado pela decisão que tomar. A sua responsabilidade é apenas a disciplinar. Tem liberdade de decisão.
Ora, com o sistema que se cozinha nos corredores do poder, o Juiz-Presidente poderia julgar adequado afectar aquele Juiz ao trabalho de outro Tribunal, mandá-lo mudar, e o processo "sensível" caíria noutras mãos, quiça menos incómodas.
Curioso, não é?
E, dependendo da área de cada uma dessas novas unidades territoriais, podemos estar a falar de um transtorno para o Juiz que poderá por em causa não só a sua produtividade como a sua independência, particularmente se temer a deslocação e estiver disposto a "entrar no jogo", seja ele qual for, para evitar sair de Lisboa para, por exemplo, Abrantes.
Como se vê no filme "A Comédia do Poder" do qual falei há dias, este sistema existe nalguns países. E nesse filme se vê o que foi feito para afastar a Juiz incómoda do processo relativo a corrupção ao alto nível. Como diz a personagem Juiz de Instrução ao Juiz-Presidente quando este lhe anuncia que ela terá um bónus quando for "promovida" (deixando assim aquele processo), "fique com o bónus e compre com ele um par de tomates".
Com a tradição portuguesa relativamente à forma como os titulares de cargos políticos lidam com o poder, é esta a situação que querem para a judicatura?
Por mim, gostaria que aos Juízes fosse garantida a independência e inamovibilidade.

Sem comentários: