1.6.06

"O Edifício da Verdade" (28)

Vinda de nenhures, uma voz soou:
‑ Bem vindo ao primeiro andar do Ediffcio da Verdade.
"Estás numa sala com duas portas e dois porteiros. Uma delas deixa‑te continuar, a outra não. Um dos porteiros só diz a verdade, o outro só sabe mentir. Não tentes forçar a saída. Apenas podes fazer uma pergunta a um deles para descobrir o melhor caminho.
Vitor riu‑se. Só podiam estar a gozar com ele. O enigma é cativante, mas já tem barbas. Sem cerimónias avançou para o porteiro mais perto, perguntando‑lhe:
‑ Se eu perguntar ao outro porteiro qual é a porta que me deixa continuar, o que é que ele me responderá?
‑ Esta porta aqui.
Por razões de lógica foi para a outra. A resposta a esta pergunta seria sempre a da porta errada, como uma breve reflexão o demonstrará.
Ao abrir a porta, mudou completamente de situação, apenas pensando porque carga de água quis continuar com aquela palhaçada.
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Estava agora num degrau. Abaixo dele um tipo com um chapéu branco. Quis mexer‑se mas não o conseguiu. Com a visão periférica ficou com a sensação de estar num palco. A voz falou de novo:
‑ Estás agora num degrau. Como já te apercebeste, estás paralizado. Tens um indivíduo à frente, outro atrás e ainda um terceiro atrás de uma cortina. Dois de vocês têm chapéu branco, os outros negro. Quem primeiro descobrir a côr do seu chapéu, diz.
Vitor ficou parvo. Como raio iria ele descobrir a côr do seu chapéu? Só conseguia ver um deles... O que estava atrás de si ainda via dois, os outros nem viam nada... "Onde estou eu?", perguntou­-se.
Silêncio. Os tons de azul mal iluminado que inundavam a cena ajudaram‑no a concentrar‑se. De repente, o silêncio elucidou­‑o.
‑ O meu chapéu é negro, pois se fosse igual ao do da frente, quem estivesse atrás de mim diria logo a sua côr por exclusão de partes. A única justificação para o seu silêncio é termos chapéus dif...
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O novo espaço não tinha limites. Era negro. Apenas uma pálida luz, vinda do nada, se impunha perto dele. De pé, o escritor ouviu de novo a mesma voz:
‑ Agora, ao revelares o teu maior remorso, vais mostrar sinceridade.
Ficou estático. Algo bateu fundo, percorrendo‑lhe o corpo como uma corrente eléctrica, dando‑lhe um nó no estômago e um peso na consciência. Soube de imediato qual era a situação. Mas custava‑lhe falar. Sentou‑se. Apercebeu‑se de que não havia chão. Ele estava ali, no nada e na luz, a falar de algo que o oprimia. Que sempre o oprimiria.
‑ Houve, aqui há tempo, não muito, uma mulher... ‑ começou a custo, muito lentamente, ‑ ... de trinta anos. Não me era nada de especial. E se calhar até era. Pelo menos, na altura marcou‑me. Infelizmente não pela positiva. E podia ter sido. Eu precisava. Teria sido muito melhor. ‑ nova pausa, como se estivesse a ganhar balanço para abordar o assunto com clareza. ‑ Apesar dos seus trinta anos, não era uma pessoa muito esclarecida. Costumo dizer que há miúdas de catorze anos mais senhoras, mais senhoras de si. ‑ Vitor gaguejou, como se não soubesse o que dizer, como o dizer.
(continua)

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