5.3.07

Coerência

Muito gostam os portugueses de questões fracturantes, a preto e branco, para defender a posição A ou B sem se preocuparem com corência ou fundamentar a sua opinião.
Aliás, esta história da coerência é muitas vezes confundida com teimosia, obstinação, inflexibilidade. E, como muito bem ouvi um dia num elogio fúnebre, ser coerente não é nunca mudar de opinião, mas sim agir de acordo com as suas convicções, defendendo na prática aquilo que se acredita na teoria.
Ora, o português comum, médio, está a borrifar-se para esta coerência. Para si, basta ser teimoso, inflexível a defender o caso que se discute hoje. Se daqui a uns meses aparecer outro caso igual, mas a corrente opinativa estiver inclinada para o outro lado, facilmente a adopta e defende de forma igualmente aguerrida. Sempre sem se preocupar em agir de acordo com o que propagandeia nas discussões do tema do momento. Seja ela o destino de uma criança (parece que a Esmeralda está cada vez mais esquecida), de um autarca (quem se interessa pelo julgamento de Felgueiras?), ou de uma opção política e moral como o referendo do aborto (quantos votaram "não", mas irão no futuro socorrer-se da lei para si ou para os seus?).
Vem esta introdução a propósito do concurso dos "Grandes Portugueses" que a RTP em má hora lançou. Digo em má hora, pois que seria de esperar que a mentalidade pequenina dos portugueses que se dedicam a votações telefónicas levaria à distorção de um modelo de sucesso criado por ingleses, onde sem grandes questões ideológicas Churchil ganhou.
Cá, com uma história centenária, aparecem à frente das intenções de "voto" Cunhal e Salazar, dois nomes adequados, perfeitos, para alimentar uma nova questão fracturante.
A verdade é que aos poucos se dá cada vez mais relevo a um programa (qual é a audiência daquilo, a propósito?) que tem mais tempo de antena nas discussões que alimenta e nos comentários que provoca do que propriamente na sua emissão. E, à boa maneira portuguesa, toca de aproveitar o momento para extravasar efeitos e conclusões.
Temos então um projecto para uma casa-museu de Salazar em Santa Comba Dão a pôr em pólvorosa esquerdistas e "lutadores da liberdade" chocados com tamanha afronta.
Não percebo porquê?
Querem construir um museu para Salazar? Façam-no. àqueles que se arrogam da esquerda indignada e manifestante, apenas posso aconselhar que permitam a liberdade de expressão pela qual lutaram. Não gostam? Não comam. Têm medo que se faça uma lavagem histórica do tiranete? Reajam em conformidade. Abram em frente um museu à PIDE, à resistência anti-fascista, mostrem aquilo que Salazar fez ao país durante quatro décadas, o atraso que propiciou ao país, a dor que causou, o controlo das pessoas, a tortura e a censura, a morte. Em vez de serem destrutivos, de impedirem que uma minoria se arme ao pingarelho, demonstrem que são melhores.
Isto sim, seria coerência.

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