Tropa de Elite, o filme de José Padilha sobre o BOPE, polícia de elite encarregue das entradas "musculadas" nas favelas do Rio de Janeiro para combater o tráfico de droga é um filme muito bem conseguido. Prova de que o Brasil tem um cinema maduro, adulto, tecnicamente irrepreensível e capaz de abordar com seriedade temas quentes da actualidade social de um país com desigualdades atrozes.
A vida nas favelas é dura. O narcotráfico domina, e os senhores da droga, armados até aos dentes e rodeados de "soldados" que farão sombra a muitos "gangs" norte-americanos ou "senhores da guerra" de países africanos, mandam na vida dos pobres que vivem naquelas difíceis condições.
A polícia, mal preparada, mal paga, e com uma cultura de corrupção, cede aos interesses privados, de alto a baixo na sua hierarquia, compactuando com o crime de forma a controlá-lo um pouco, e a salvaguardar os interesses de alguns. Quem quer ser honesto esbarra num mar de cumplicidades e toda a gente se quer "orientar". Fica a perder a eficácia, a imagem e, por isso, nasce o BOPE.
Neste grupo estão os mais honestos polícias. Honestos porque imunes à corrupção, mais nada. Com um processo de selecção duro, mais duro que muitas das tropas especiais de todo o mundo, no qual mais de 90% dos candidatos não resistem à formação, estes homens estão dispostos a tudo.
Actuando como uma polícia anti-terrorismo com a carta branca (tipo EUA em Guantanamo ou o herói Jack Bauer) eles entram à força das armas nos redutos dos traficantes e abatem-nos sem contemplações. E para os encontrar sem remorsos torturam quem for preciso. Vale tudo. E a tropa de elite, incorruptível, cede à violência deixando-se passar para "o lado negro".
O filme espelha esta dualidade de valores, abstendo-se de tomar partido. É aí que reside toda a sua força. Deixa-nos pensar.
Pensar na polícia militar comum, corrupta, e no difícil papel daqueles que não querem entrar nos "esquemas". Pensar nos "ricos", nos "estudantes", cheios de juízos morais, críticos da autoridade, da polícia, do Estado, mas que compram droga, fomentando o tráfico, e convivendo com os narcotraficantes escudando-se na necessidade de aceitar as suas regras. Pensar nos polícias mais temidos, cuja eficácia depende de práticas inaceitáveis num Estado de Direito.
No Brasil, há mesmo uma guerra contra a droga, sendo os narcotraficantes organizados em células violentas, armadas, como acontece com o terrorismo. E na guerra fazem-se e toleram-se muitas atrocidades, os princípios morais que nos regem atenuam-se e cedem perante a necessidade de resultados. Mas, normalmente, depois da guerra, olhando com olhos de paz para tudo o que foi feito, costumam rolar as cabeças de quem se deixou ir para lá do aceitável.
Em tudo isto o fillme obriga a pensar, com cenas muito bem interpretadas, realizadas, pensadas.
Em Portugal a realidade é muito diferente. Mas enclaves como a Cova da Moura, a Azinhaga dos Besouros, o Pica-Pau Amarelo, e outros, outros bairros degradados, têm que ser vigiados de perto e é importante impedir que se agravem as suas condições. Para que não se tornem favelas de acesso restrito como hoje em dia já parecem querer tornar-se.
Para este filme, as quatro estrelas sem receios. A quinta fica ali, à beirinha de ser alcançada, e apenas não surge por achar que a história condutora da acção podia ser um pouco mais estruturante, mais desenvolvida, à semelhança do que acontecia na "Cidade de Deus", filme a cuja comparação não conseguimos fugir.