6.10.13

O caos dos outros

Acabou o sumo de laranja e comeu, mastigando meticulosamente, dois biscoitos de maçã. Abriu a máquina finamente estilizada e introduziu a cápsula. Baixou a alavanca com firmeza e pressionou o botão. A água foi sugada, aquecida, e empurrada sob intensa pressão através do café moído que se continha naquela pequena embalagem. Para a chávena pingou um expresso cremoso que recolheu  e levou aos lábios. 
O cheiro, o sabor, tudo lhe passou despercebido, mesmo quando engoliu a cafeína escaldante. Aquilo que em tempos fora um acto de prazer transformou-se numa rotina, num acto imperativo sem o qual o encadeamento diário ficaria perturbado.
Depositou a chávena no lava loiça,  encheu-a de água, despejou-a e guardou-a na máquina de lavar. Largou então para a casa de banho onde iniciou outro ritual.
Sanita, lavatório, banheira, secador, lavatório, tudo em trinta minutos contados ao segundo.
No quarto, antes de se vestir, fez a cama que deixara a respirar. Cuidadosamente vestiu um dos cinco fatos cinzentos que tinha, a camisa branca, a gravata vermelha.
Antes de sair, verificou todas as janelas, todas as luzes, todos os aparelhos.
Trancou a porta de casa, desceu os três andares a pé, ignorando o elevador ruidoso, e atravessou a porta da rua. Quando assentou os dois pés no passeio endireitou-se e respirou fundo três vezes, de olhos fechados.
Estava pronto para mais um dia. Estava pronto para enfrentar pessoas. Dali a doze horas e meia, sem falta, estaria de volta ao seu mundo organizado. Sabia-o.
Agora, era a vez do  caos dos outros.