15.10.03

PINHAL



Aqui sentado a ouvir Nick Cave enquanto lá fora chove com um cadência regular. Tudo está a ficar ensopado. A luz artificial já me dói nos olhos, dor essa que vai perfurando o crânio ameaçando romper na nuca. O tempo agarra-se às paredes e recusa-se a passar, obrigando-me a viver o presente.
Resta-me lembrar o passado, pois que o futuro nega-se a romper com esta vivência triste que levo, aqui fechado.
Felizmente deixam-me ficar por aqui, sem ter que me misturar com os outros, senão às horas certas da comida e do exercício. Não quero conviver. Não quero cruzar olhares com quem me conhece, reconhece ou pura e simplesmente se apercebe que estou aqui. O meu lugar não é aqui.
Tudo fora planeado para nunca acabar aqui.
Era tudo ou nada, mas mesmo Nada. O Grande Nada.
Nada.
Lembrei-me agora que, quando tinha os meus dezoito anos conheci uma Nada. Quase dez anos mais velha seduziu-me, usou-me e partiu-me o coração. Hoje nada me parte o coração remendado, porque o isolei com convicção. Como me isolaram entre estas quatro paredes, estas janelas gradadas, estes tipos que por aqui andam .
Não digo que esteja aqui mal. Quem mata outrem deve ser preso. Mas, caramba, quinze anos de tormento deveriam justificar o acto, e não impôr outros quinze anos, agora de reclusão.
E se voltasse atrás, certamente voltaria a usar a almofada. Teria era o cuidado de melhor apagar os vestígios.
Aprendi muita coisa no julgamento quanto à investigação. Coisas que não sonhava possíveis.
Tramei-me. Mas não tenho que ouvir mais aquela voz de rapina a picar sobre os meus ouvidos. Nunca mais sentirei o fel daquela boca amargurada que dia a dia me corroia a existência.
Chove lá fora.
Gostava de estar a fazer uma caminhada num pinhal qualquer.

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