Foi o que a maioria dos franceses disse da Constituição Europeia.
E agora? Como pode a "Europa" avançar sem a França? Juntamente com a Alemanha têm sido o motor da CEE, da UE... Como pode agora ficar para trás dando os outros o passo da constituição?
O modelo da CEE esgotou-se e o passo para a UE compensou. Porém, com os sucessivos alargamentos, com uma disparidade tão grande de países, estou em crer que muito deveria ainda ser feito com o modelo actual, aperfeiçoado, oleado.
A França disse não.
Qual o próximo passo?
Vamos todos dizer sim, e avançar sem a França, sem o Reino Unido... corajosamente em frente, de olhos fechados e coração na mão.
30.5.05
26.5.05
Ao piano
Na terça-feira fui ao Ávila ver “O Pianista” de Roman Polanski. Em 2002 perdi-o e ainda o não tinha visto, pelo que foi mesmo uma estreia em cinema. Recordava-me das boas críticas que o filme tivera e não fiquei defraudado. É, sem dúvida, um excelente filme aquele que retrata com dureza os terríveis dias da Polónia invadida pela Alemanha nazi, que expõe o terror e o horror do gueto de Varsóvia, que nos lembra as crueldades que o ser humano é capaz de cometer em nome de... nem sei de quê.
Certamente muita gente já viu o filme. Outros haverá que, como eu, ainda não tiveram oportunidade para o visionar. Desde já aviso: não deixem de ver “O Pianista”. E de recordar que aquela é uma história verdadeira, vivida por gente real. Que o mundo já foi assim, e continua a ser, ocasionalmente, tão horroroso, sem olhar a latitude ou longitude.
Esperemos nunca passar por algo sequer remotamente semelhante àquilo.
Certamente muita gente já viu o filme. Outros haverá que, como eu, ainda não tiveram oportunidade para o visionar. Desde já aviso: não deixem de ver “O Pianista”. E de recordar que aquela é uma história verdadeira, vivida por gente real. Que o mundo já foi assim, e continua a ser, ocasionalmente, tão horroroso, sem olhar a latitude ou longitude.
Esperemos nunca passar por algo sequer remotamente semelhante àquilo.
23.5.05
Acordem para a realidade
O Benfica é campeão de futebol e o país entrou em euforia. O clube que mais adeptos tem em Portugal encheu ruas, cortou avenidas, entupiu o trânsito e esgotou o álcool. Milhares de pessoas ficaram felizes e disseram autênticas “bujardas” aos microfones como se o mais importante na vida fosse um título, efémero, ligado ao pé-na-bola.
Foi, por isso, o dia perfeito, a semana perfeita, para o Governo se lançar na exposição e ataque ao défice orçamental que, revelou, está actualmente nos 6,83%! Barroso atacou a economia com o discurso da “tanga” e largou-lhe o pitt-bull que era Manuela Ferreira Leite. Foi impopular, a senhora, mas ainda acreditei que alguma coisa estava a ser feita para controlar o défice orçamental. Ilusoriamente, como sempre, o governo de Pedro Santana Lopes foi pródigo a anunciar que os tempos da tanga já lá iam, e podíamos esquecer a recessão, a depressão, porque estávamos de novo no rumo da riqueza e da abundância.
Agora, Sócrates vai fazer-nos pagar, sem alarido porque isso custa votos, e de preferência a partir desta semana na qual anda tudo com a cabeça virada para a bola e para os feitos do Benfica.
Fico satisfeito pelo meu clube. Mas pouco me importa o campeonato quando vejo o descalabro nacional determinado pela crua, impúdica e doente manipulação política que os sucessivos governos vêm fazendo.
À custa de uma política orçamental determinada por um Pacto de Estabilidade irreal, Portugal ignorou reformas estruturais, perdeu o comboio da competitvidade e iludiu-se com feitos efémeros, conjunturais. De que adianta recordar o sucesso da Expo 98, do Mundial 2004, a construção de auto-estradas, da Casa da Música ou qualquer outro feito episódico. As fábricas fecham, porque não são competitvas. A agricultura perde-se seguindo métodos ancestrais e exclusivamente dependentes do sol e da chuva. A frota pesqueira desapareceu e o peixe junto à costa também. Os hospitais são monstros ingovernáveis e os centros de saúde servem apenas para passar receitas e fazer pensos. Os Tribunais movem-se como tartarugas carregadas debaixo das toneladas de papel que as bagatelas implicam.
Tudo, e todos, pedem ao Estado apoios, como se fosse possível sustentar uma população nada competitiva. Como os filhos impreparados para a vida que estão sempre a exigir aos pais que os sustentem. Ao primeiro contratempo voltam para casa de mão estendida.
Algo está mal.
As gentes, contudo, querem é festa e bola. Ontem, via um filme na TVI, para passar o tempo. Uma comédia ligeira que fazia sorrir. A TVI interrompeu o filme durante mais de meia-hora para mostrar autocarros a caminho dos estádios e comentários tontos de antecipação. Hoje, nos noticiários das 13h00m, a RTP1 demorou 15 minutos com o Benfica. A SIC 30 minutos. A TVI mais de 35.
Assim se vê como todos esqueceram a fábula da cigarra e da formiga.
Exigir é muito fácil. Contribuir é que é tramado. A começar pelos governantes. Óptimos a exigir sacrifícios, são os primeiros a evitá-los, juntando despesismo com incompetência e desconhecimento das matérias sobre as quais decidem.
Gostava de estar feliz com o Benfica. Mas uma vitória no campeonato, 11 anos depois da última, não chega para encobrir a miséria governativa que nos arrasta para o fundo de escuras águas turbulentas.
Foi, por isso, o dia perfeito, a semana perfeita, para o Governo se lançar na exposição e ataque ao défice orçamental que, revelou, está actualmente nos 6,83%! Barroso atacou a economia com o discurso da “tanga” e largou-lhe o pitt-bull que era Manuela Ferreira Leite. Foi impopular, a senhora, mas ainda acreditei que alguma coisa estava a ser feita para controlar o défice orçamental. Ilusoriamente, como sempre, o governo de Pedro Santana Lopes foi pródigo a anunciar que os tempos da tanga já lá iam, e podíamos esquecer a recessão, a depressão, porque estávamos de novo no rumo da riqueza e da abundância.
Agora, Sócrates vai fazer-nos pagar, sem alarido porque isso custa votos, e de preferência a partir desta semana na qual anda tudo com a cabeça virada para a bola e para os feitos do Benfica.
Fico satisfeito pelo meu clube. Mas pouco me importa o campeonato quando vejo o descalabro nacional determinado pela crua, impúdica e doente manipulação política que os sucessivos governos vêm fazendo.
À custa de uma política orçamental determinada por um Pacto de Estabilidade irreal, Portugal ignorou reformas estruturais, perdeu o comboio da competitvidade e iludiu-se com feitos efémeros, conjunturais. De que adianta recordar o sucesso da Expo 98, do Mundial 2004, a construção de auto-estradas, da Casa da Música ou qualquer outro feito episódico. As fábricas fecham, porque não são competitvas. A agricultura perde-se seguindo métodos ancestrais e exclusivamente dependentes do sol e da chuva. A frota pesqueira desapareceu e o peixe junto à costa também. Os hospitais são monstros ingovernáveis e os centros de saúde servem apenas para passar receitas e fazer pensos. Os Tribunais movem-se como tartarugas carregadas debaixo das toneladas de papel que as bagatelas implicam.
Tudo, e todos, pedem ao Estado apoios, como se fosse possível sustentar uma população nada competitiva. Como os filhos impreparados para a vida que estão sempre a exigir aos pais que os sustentem. Ao primeiro contratempo voltam para casa de mão estendida.
Algo está mal.
As gentes, contudo, querem é festa e bola. Ontem, via um filme na TVI, para passar o tempo. Uma comédia ligeira que fazia sorrir. A TVI interrompeu o filme durante mais de meia-hora para mostrar autocarros a caminho dos estádios e comentários tontos de antecipação. Hoje, nos noticiários das 13h00m, a RTP1 demorou 15 minutos com o Benfica. A SIC 30 minutos. A TVI mais de 35.
Assim se vê como todos esqueceram a fábula da cigarra e da formiga.
Exigir é muito fácil. Contribuir é que é tramado. A começar pelos governantes. Óptimos a exigir sacrifícios, são os primeiros a evitá-los, juntando despesismo com incompetência e desconhecimento das matérias sobre as quais decidem.
Gostava de estar feliz com o Benfica. Mas uma vitória no campeonato, 11 anos depois da última, não chega para encobrir a miséria governativa que nos arrasta para o fundo de escuras águas turbulentas.
18.5.05
"Vidas" (16)
CAVALO
Estacionado ao volante da carrinha enquanto os trabalhadores do armazém a carregavam, viu aproximar-se aquela mulher.
Estacionado ao volante da carrinha enquanto os trabalhadores do armazém a carregavam, viu aproximar-se aquela mulher.
Vestia de ganga, com um blusão cheio de franjinhas. Tinha umas botas de cano alto, à “cow-boy”. Cabelos longos. Mascava pastilha.
Cumpriu o seu dever:
“Filha, onde é que deixaste o cavalo?”
“Na cama com a tua mulher.”
A resposta pronta deixou-o calado.
A vinte quilómetros dali, em sua casa, na cama, a mulher do motorista chutava heroína pela primeira vez.
Riu com o entorpecimento.
16.5.05
Mais cinema
O Ávila está a fazer um novo ciclo, desta feita com filmes que ganharam a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Até ao dia 1 de Junho há oportunidades para ver ou rever, no grande ecrã, filmes como “A eternidade e um dia” (hoje), “Segredos e mentiras” (17 e 18), “Roseta” (19 e 20), “Fahrenheit 9/11” (21 e 22), “O pianista” (23 e 24), “O quarto do filho” (25 e 26), “Underground” (27 e 28), “Elephant” (29 e 30) e “Dancer in the dark” (31 e 1).
Ao preço do costume (€ 2,50), e sem ter que pagar para quem é portador do KingKard, é de aproveitar. E de ir ao cinema dar força ao Ávila para que não desapareça e que se mantenha como sala alternativa e cada vez mais de reposições. Porque há mercado e vontade de ver na tela filmes já tocados pelo tempo (mas não o suficiente para aparecerem na Cinemateca), não obtante estarem disponíveis em DVD ou já passarem na televisão.
Quer queiram, quer não, o cinema visto numa sala e projectado numa tela de grandes dimensões é muito diferente do aconchego do lar.
Neste ciclo fui ver, pela primeira vez, o “O Sabor da Cereja” do realizador iraniano Abbas Kiarostami. Achei o filme demasiado conceptual e nãqo gostei. Teve um ou outro momento conseguido, mas, para mim, a mensagem perdeu-se, as interpretações não colmatam a insuficiência da história e a fotografia não é particularmente brilhante.
Mas, o que querem, eu não percebo nada disto. O filme ganhou a palma de ouro...
Em exibição pela última semana está o “Saraband” do Bergman. Fui vê-lo e gostei bastante. Aquela escola nórdica, onde não há artifícios especiais na filmagem mas apenas interpretações soberbas, emotivas, intensas, e relações pessoais complexas, cheias, cativantes.
Quase uma peça de teatro filmada com a subtileza dos grandes planos na altura certa. E um novo filme para ver e recordar.
Já agora, e porque corria numa sala de projecção digital, uma palavra para este sistema. 5 Estrelas.
Fantástica a qualidade. Se calhar vou mesmo ver o “Star Wars” no Alvaláxia, só para ver a qualidade digital num filme cheio de efeitos digitais...
Quer queiram, quer não, o cinema visto numa sala e projectado numa tela de grandes dimensões é muito diferente do aconchego do lar.
Neste ciclo fui ver, pela primeira vez, o “O Sabor da Cereja” do realizador iraniano Abbas Kiarostami. Achei o filme demasiado conceptual e nãqo gostei. Teve um ou outro momento conseguido, mas, para mim, a mensagem perdeu-se, as interpretações não colmatam a insuficiência da história e a fotografia não é particularmente brilhante.
Mas, o que querem, eu não percebo nada disto. O filme ganhou a palma de ouro...
Em exibição pela última semana está o “Saraband” do Bergman. Fui vê-lo e gostei bastante. Aquela escola nórdica, onde não há artifícios especiais na filmagem mas apenas interpretações soberbas, emotivas, intensas, e relações pessoais complexas, cheias, cativantes.
Quase uma peça de teatro filmada com a subtileza dos grandes planos na altura certa. E um novo filme para ver e recordar.
Já agora, e porque corria numa sala de projecção digital, uma palavra para este sistema. 5 Estrelas.
Fantástica a qualidade. Se calhar vou mesmo ver o “Star Wars” no Alvaláxia, só para ver a qualidade digital num filme cheio de efeitos digitais...
12.5.05
Todos os animais são iguais. Mas uns são mais iguais que outros
Segundo ouvi nas notícias o Governo julga prioritária a reforma do arrendamento urbano. Já está em consultas públicas obrigatórias e quer a lei publicada quanto antes. Contudo, o processo certamente irá ser atrasado pelas férias da Assembleia da República, adianta o Governo.
Não se percebe. É tão urgente e fundamental reduzir as férias judiciais, apresentadas de má-fé como as férias dos Juízes e desvirtuadas na sua verdadeira função, mas nada se faz quanto aos 3 (!) meses de férias da AR, verdadeiro obstáculo à revisão de leis que o Governo julga essencial e prioritária.
Ainda há dúvidas que o Governo quis, exclusivamente, afrontar as magistraturas, em particular os juízes, qui ça por lhe serem incómodos, aproveitando para ser populista?
11.5.05
"Vidas" (15)
CAPRICHOSAMENTE
Vestia um fato-macaco castanho com riscas laranja de lado, aberto sobre o peito peludo que exibia com gosto. Tinha um capacete das obras preso ao cinturão de cabedal, de onde pendiam algumas ferramentas. A sua voz, ruidosa, era cava e trabalhada por anos de exibicionismo.
Vestia um fato-macaco castanho com riscas laranja de lado, aberto sobre o peito peludo que exibia com gosto. Tinha um capacete das obras preso ao cinturão de cabedal, de onde pendiam algumas ferramentas. A sua voz, ruidosa, era cava e trabalhada por anos de exibicionismo.
Ela era pequena - talvez metade da massa daquele macaco peludo. Toda torneada, bem esculpida, vestia uma mini-mini-saia e uma camisola apertada e decotada. Tinha a tiracolo uma pequena bolsa. Enquanto andava, os longos cabelos cor de mel agitavam-se provocantes.
Ele nem resistiu. Por um impulso mais que pavloviano, provavelmente genético, foi igual a si mesmo:
“Oh boa, posso conhecer-te?”
Ela estacou. Lentamente, com um sorriso matreiro, virou-se e ripostou:
“Não, mas se quiseres apresento-te a minha irmã.”
Vindo da bolsa para a mão esquerda, apontava agora um revólver negro aos genitais do trabalhador. Este hesitou. Sorriu tentando saber se aquilo era uma brincadeira. Porém, os olhos frios e a cara dura daquela gaja ensinaram-lhe que escolhera a pessoa errada para mandar uma boca. Pressentiu que aquela louca ia disparar. No momento em que o fogo estoirou já se estava a virar.
A bala bateu no capacete e fez ricochete. Caprichosamente encontrou como destino a canalização de gás que o trabalhador pretendia consertar.
O inquérito concluiu que, devido a falha humana uma explosão matara quarenta e sete pessoas nos Restauradores. A brigada da companhia do gás não cortara o abastecimento antes de iniciar os trabalhos.
9.5.05
Bruno Ganz - Um Hitler em queda
“A Queda – Hitler e o fim do Terceiro Reich” não é um filme sublime. Mas é um filme tão realista que assusta. Tão realista que Bruno Ganz “é” Hitler. Tão realista que Hitler é uma pessoa, de carne e osso, e não o demónio irreal e caricaturável que o passado guardava.
Cresci a ver filmes sobre a 2ª Guerra Mundial. As batalhas eram sempre heróicas, a morte uma realidade “limpa”. Os bons estavam de um lado, os maus do outro, e durante a luta uns caíam de imediato, outros morriam num suave estertor depois de dizer as suas falas. O sangue era apenas o manchado nos uniformes.
Quando a filmografia americana se virou para a Guerra do Vietname o espírito de cruzada perdeu-se naquela que era vista como uma guerra sem sentido, por contraposição à tão justificada contenda com os nazis e o império japonês. O sangue, a dor, o caos, a confusão apareceram na película. Ainda assim, eram irreais.
Até aparecer “O Resgate do Soldado Ryan”. E com ele a magnífica série de televisão “Band of Brothers”. A partir daí, a Segunda Guerra Mundial perdeu o ar romântico e desceu aos infernos do combate. As balas voam por todos os lados, os mortos e feridos amontoam-se, ao medo e dor juntam-se o terror e a agonia. Não são máquinas de combate que estão ali no terreno. São pessoas. Por causa de outras pessoas.
O filme “A Queda” traz-nos isso. As pessoas que eram Adolf Hitler e aqueles que o rodeavam. Hitler tinha momentos de cólera, mas tinha momentos de fragilidade. De lucidez e de ilusão. De vigor e de decadência. Era uma pessoa que se levou ao extremo, e que levou o mundo ao extremo. Uma pessoa que desequilibrou a história, que desencadeou um conflito com cerca de 50 milhões de mortos. Que colocou a semente da guerra fria que dominou a segunda metade do século XX.
À sua volta vemos a ideologia, o fanatismo, o medo e a falsidade, a lealdade cega, a lealdade crítica, a lealdade temerosa... e a deslealdade. Tudo pelo olhos de uma sua secretária, jovem que mais tarde defendeu a sua ignorância do terror causado pelo regime personalizado em Hitler. Acredite-se ou não.
No filme, as interpretações são soberbas. A realização segura e envolvente. Mais de duas horas e meia de filme que passam sem sobressalto ou dificuldade.
Os últimos dias de Adolf Hitler são, sem dúvida, um filme para ver.
4.5.05
Baralhada
Na sexta-feira Sócrates defendeu na AR a sua intervenção na área da justiça, num debate que apenas serviu para demonstrar que basta estar um pouco preparado sobre um tema par não ter oposição.
E digo um pouco pois nem acredito que as medidas apresentadas resolvam alguma coisa, nem consegui deixar de tremer ao ouvir algumas "confusões" do PM. Porém a incompetência dos tribunos, que falam muito daquilo que desconhecem evidenciando impreparação para expor os vícios de raciocínio do governo permite que o PM saia do parlamento com legitimidade reforçada. Legitimidade para fazer uma baralhada na justiça.
Não vejo melhoras, se as decisões assentam na visão "numérica" da justiça. Não vejo melhoras se, como aconteceu nessa mesma sexta-feira, se faz um movimento de funcionários judiciais e não se ocupam vagas deixadas por outros. Sem ovos não há gemada.
O país entretem-se com referendos que não acontecerão, disputas políticas pelos tachos das autarquias e com o futebol, na recta final do campeonato. Mais uma vez, prevalece o circo. A diferença é que agora o palhaço é o palhaço rico, o chico-esperto com ar de intelectual, e não o burro e básico palhaço-pobre que só abre o bico para dizer asneiras.
"Vidas" (14)
BOLEIAS
Havia já quinze minutos que buscava pela rua perdida onde habitava o distante primo. Porém, o intricado novelo de sentidos obrigatórios e proibidos conduzia-o invariavelmente ao ponto de partida.
Havia já quinze minutos que buscava pela rua perdida onde habitava o distante primo. Porém, o intricado novelo de sentidos obrigatórios e proibidos conduzia-o invariavelmente ao ponto de partida.
O carro ameaçava estoirar de sobreaquecimento. Os ouvidos estalavam com os impropérios que os outros automobilistas já lhe tinham lançado. Procurou alguém a quem perguntar pelo seu destino. Contudo, nem uma pessoa circulava a pé por aquelas estreitas ruas.
Quando, por fim, viu um miúdo, arriscou:
- Olha, desculpa, Sabes onde fica a rua Alfredo Keil?
O miúdo, sete anos no máximo, franzino, com uma mochila na mão, parou. Lentamente olhou o condutor e, através de um sorriso inocente, respondeu:
- Sei. Vou para lá agora. É onde moro.
- Então, explicas-me o caminho?
- Bom, segue em frente até à... terceira à direita, depois vira na segunda à esquerda, contorna a rotunda e segue junto ao quartel dos bombeiros, depois vira novamente à direita e é a ... segunda à esquerda.
- ...
- Sim?
- Não percebi tudo. Queres boleia? Eu levo-te e tu indicas-me o caminho.
- O.K. - o miúdo abriu a porta, sentou-se e apertou o cinto. - Em frente! - disse.
O condutor arrancou.
- Agora à direita...
- Ouve lá, - disse o condutor perdido - nunca te ensinaram a não aceitar boleias de desconhecidos?
Como resposta, o miúdo sorriu largo enquanto sacava de uma Magnum .44 de dentro da mochila dizendo:
- E a ti, nunca te ensinaram a não dar boleias a desconhecidos?
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