11.5.05

"Vidas" (15)

CAPRICHOSAMENTE

Vestia um fato-macaco castanho com riscas laranja de lado, aberto sobre o peito peludo que exibia com gosto. Tinha um capacete das obras preso ao cinturão de cabedal, de onde pendiam algumas ferramentas. A sua voz, ruidosa, era cava e trabalhada por anos de exibicionismo.

Ela era pequena - talvez metade da massa daquele macaco peludo. Toda torneada, bem esculpida, vestia uma mini-mini-saia e uma camisola apertada e decotada. Tinha a tiracolo uma pequena bolsa. Enquanto andava, os longos cabelos cor de mel agitavam-se provocantes.

Ele nem resistiu. Por um impulso mais que pavloviano, provavelmente genético, foi igual a si mesmo:

“Oh boa, posso conhecer-te?”

Ela estacou. Lentamente, com um sorriso matreiro, virou-se e ripostou:

“Não, mas se quiseres apresento-te a minha irmã.”

Vindo da bolsa para a mão esquerda, apontava agora um revólver negro aos genitais do trabalhador. Este hesitou. Sorriu tentando saber se aquilo era uma brincadeira. Porém, os olhos frios e a cara dura daquela gaja ensinaram-lhe que escolhera a pessoa errada para mandar uma boca. Pressentiu que aquela louca ia disparar. No momento em que o fogo estoirou já se estava a virar.

A bala bateu no capacete e fez ricochete. Caprichosamente encontrou como destino a canalização de gás que o trabalhador pretendia consertar.

O inquérito concluiu que, devido a falha humana uma explosão matara quarenta e sete pessoas nos Restauradores. A brigada da companhia do gás não cortara o abastecimento antes de iniciar os trabalhos.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Por um impulso mais que pavloviano"
lol