4.5.05

"Vidas" (14)

BOLEIAS


Havia já quinze minutos que buscava pela rua perdida onde habitava o distante primo. Porém, o intricado novelo de sentidos obrigatórios e proibidos conduzia-o invariavelmente ao ponto de partida.

O carro ameaçava estoirar de sobreaquecimento. Os ouvidos estalavam com os impropérios que os outros automobilistas já lhe tinham lançado. Procurou alguém a quem perguntar pelo seu destino. Contudo, nem uma pessoa circulava a pé por aquelas estreitas ruas.

Quando, por fim, viu um miúdo, arriscou:

- Olha, desculpa, Sabes onde fica a rua Alfredo Keil?

O miúdo, sete anos no máximo, franzino, com uma mochila na mão, parou. Lentamente olhou o condutor e, através de um sorriso inocente, respondeu:

- Sei. Vou para lá agora. É onde moro.

- Então, explicas-me o caminho?

- Bom, segue em frente até à... terceira à direita, depois vira na segunda à esquerda, contorna a rotunda e segue junto ao quartel dos bombeiros, depois vira novamente à direita e é a ... segunda à esquerda.

- ...
- Sim?
- Não percebi tudo. Queres boleia? Eu levo-te e tu indicas-me o caminho.
- O.K. - o miúdo abriu a porta, sentou-se e apertou o cinto. - Em frente! - disse.
O condutor arrancou.
- Agora à direita...
- Ouve lá, - disse o condutor perdido - nunca te ensinaram a não aceitar boleias de desconhecidos?
Como resposta, o miúdo sorriu largo enquanto sacava de uma Magnum .44 de dentro da mochila dizendo:
- E a ti, nunca te ensinaram a não dar boleias a desconhecidos?

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