31.10.05

O Edifício da Verdade (1)





I


Calma...

A música que enchia a quietude era inconfundivelmente o Requiem desse génio que deu pelo nome de Mozart.
A luz escasseava, parecendo mesmo que a penumbra que invadia o quarto tinha por responsável a noite exterior. Porém, uma observação mais atenta conduziria o olhar ao relógio electrónico que empurrava para fora do canto sombrio os dígitos vermelhos das 17:09. No lado oposto, um candeeiro velho, com um quebra‑luz amarelo torrado, providenciava a parca iluminação. Em cima da secretária antiga repousava um computador portátil.
O ambiente estava pesado. Muito pesado.
Sobre a cama, deitado de bruços, um homem jazia nos braços de Morpheu. Não se imagine este quarto arrumado. Não!, pelo contrário. Folhas de papel manuscritas e impressas estavam por todo o lado, quase divinamente omnipresentes. Na secretária, na cama, na cadeira, no tapete, junto às meias sujas... Até poderia parecer que um tornado se ocupara da sua caótica distribuição, não fora uma resma de papel A4 impresso estar devidamente arrumada ao lado do teclado. A primeira página tinha escrito em letras gordas:
“Procura implacável” por Vitor Cardoso.

Cinco e um quarto. Por cima do Requiem, o som em mono de uma horrível música comercial capaz de acordar qualquer um.
Estremunhado, Vitor levanta as pesadas pálpebras e arrasta‑se para a posição de sentado. Olha com desconsolo a barafunda que o rodeia. Deixa‑se tombar para o lado, ficando deitado com as pernas caídas para fora da cama. Estica o braço logrando obliterar a irritante música do rádio‑despertador. Se assim ficasse, a ouvir a obra de Amadeus Mozart, decerto voltaria ao país dos sonhos. Faz um esforço sobre-humano para, quase pelo tacto, trocar de CD.
A escolha ao acaso oferece-lhe Neil Young ao vivo com os Crazy Horse. W.E.L.D. Com uma batida assim não se dorme, especialmente se se eleva o som até fazer estremecer os vidros. É daqui que Vitor retira as energias para se arrastar até ao duche.
(continua)

28.10.05

Porque os juizes ganham muito, não é?

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D.R 205, II Série, 25.10.2005, p.15222
Esta senhora vai ganhar tanto ou mais (anda ali por perto) que um Juiz com 11 anos de antiguidade. É jornalista.
Privilégios?
Orgãos de soberania?

Notas

Cumprida a greve dos Juizes, creio ter a mesma atingido um dos seus objectivos: ouviu-se a mensagem sem a deturpação política imprimida pelo Governo. Para quem ouviu com atenção (infelizmente, terão sido poucos), deu para perceber que não estão em causa apenas privilégios (a maioria dos quais julgo justificados e até insuficientes), mas sim, e essencialmente, problemas de prestígio, credibilidade e autoridade, minados constantemente pelo actual Governo.
O Primeiro-Ministro dispara para o lado, fugindo à questão e dando realce ao que mais facilmente parece injustificado para se salvaguardar na demagogia do discurso político. É bem sucedido e os jornalistas vão atrás. Quando o PM diz que os Juízes estão contra ficar com o sistema de saúde de todos os funcionários públicos, assim se acabando com um privilégio injustificado, porque razão não houve um único dos repórteres que lhe perguntasse "então porque ficam os SSMJ a funcionar à mesma para os investigadores da PJ, para os Serviços Prisionais e para o Instituto de Reinserção Social?". Gostava de ver Sócrates responder a essa.
O Minstro da Justiça foge às questões de fundo e leva os jornalistas consigo. Fala-se de requisição civil, de serviços mínimos, de existirem pessoas prejudicadas com a greve (não é esse o fim da greve?) e termina sempre alijando responsabilidades, como se tais "danos" não fossem uma consequência da sua condução da pasta. Quem o ouvir nem acredita que ele é o responsável pela Justiça.
Hoje o Independente trás à capa o caso de Alberto Costa em Macau, do qual uma vez falei neste blog. Tirando a manchete enganosa, num truque fácil, o jornal relembra um bom exemplo do carácter do ministro.
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Nas presidenciais correm fluidas as sondagens que alimentarão o discurso até à eleição. Alegre aparece à frente de Soares. Alguém está surpreendido? Cavaco é dado como certo. Como já ouvi dizer, o melhor é ele não falar muito até às urnas. É que de cada vez que abre a boca perde votos. Pela falta de conteúdo, de segurança, pelo excesso de cautelas e lugares-comuns. A ver vamos.
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Os passarinhos têm gripe. Está lançado o alerta. Depois dos primeiros dias de excitação histérica, parece que com maior informação o surto é encarado com mais segurança. Esperemos que o Ministro da Agricultura, que não poupa esclarecimentos, esteja certo. Esperemos que as farmacêuticas não venham a ganhar muito dinheiro com esta gripe. Seria um bom sinal.
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Wallace & Gromit estão de volta. Há mais uma meia-dúzia de filmes para ver. Para quem paga o KingKard todos os meses tenho deixado de o usar. É altura de corrigir isso.

24.10.05

Ventos e chuvas

Enquanto o mundo se enrola em ventos e chuvas, com força devastadora, o homem enfrenta cada vez mais o alastrar de dificuldades para manter o seu status quo no ecossistema.
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Uns enfrentam furacões como nunca antes, outros seca, outros cheias, terramotos, doença, fome. Nas suas torres de cristal os poderes instalados só se lembram do resto da humanidade quando isso lhes pode custar uma perda de poder.
Cada vez menos lentamente, mais pessoas enfrentam as adversidades climáticas. O planeta é um sistema, sujeito a muitas pressões. Se o desequilibram, pode tornar-se "um mau rapaz"
Por cá vamos continuando. Contra ventos e marés, resistindo à pressão alarmista dos media, e ao narcótico efeito das declarações dos políticos, para quem tudo está sempre "sob controlo".
Até ao dia...

20.10.05

Dúvida

Nos dias de hoje tenho sérias dúvidas. Esta história da gripe das aves é para levar a sério? É coisa pior que o Ébola?
Os estamos perante a habitual histeria ocidental alimentada pelos media?
Tenho mesmo muitas dúvidas.

19.10.05

Dentes

Ao que consta, os tubarões não têm dores de dentes, apesar de andarem à dentada a chapas de matrícula e outro lixo, e nunca, nunca, irem ao dentista.
Ao que consta, a calvice não atinge os ursos polares.
Ao que consta, o Homem é o único animal que, de mote próprio, corta as unhas e o cabelo, usa Dercos... e vai ao dentista.

17.10.05

Mundos fechados

Vinha hoje no metro e reparei numa coisa muito curiosa. É elevado o número de pessoas que, logo pela manhã, leva auriculares, auscultadores, “orelhinhas”, como quiserem chamar-lhes colocadas. Na era da música digital, dos i-Pod e afins, nada mais natural. Saído de casa, entrado no transporte público, o indivíduo fecha-se ao que o rodeia numa orla musical. É algo que vem de longe, desde os walkman, os leitores portáteis de cassetes, que muito utilizei nos idos anos 80 da adolescência.
O que é estranho, é ver gente que viaja acompanhado, usar tal aparelho.
Ou ambos usarem o aparelho.
Hoje vi três miúdas, com ar de escola secundária, que viajavam juntas. Cada uma ouvia música a partir do seu aparelho, ocasionalmente dando sinais de reconhecerem que as outras estavam ali ao lado. Porém, a comunicação não era verbal. Não aproveitavam para falar do fim-de-semana que acabou, do que fizeram, viram ou leram. Apenas estava juntas, cada uma ao seu ritmo. A dada altura uma apontou para um ouvido e disse qualquer coisa. Uma das amigas ignorou, a outra perguntou “O quê?”, mas não retirou algum dos apêndices auditivos para melhor escutar a resposta. Depois da repetição abanou a cabeça sorrindo, fechando-se de novo na carapaça musical.
Isto é mesmo estranho, ou estou a ficar velho?

12.10.05

Afinal

Afinal, lá fora, a chuva continua a cair, intensa e regularmente.
No meu gabinete, de janela aberta, ouço-a correr pelos telhados e tombar em grossas cadeias no empedrado dos passeios.
Como dira Robert DeNiro no Taxi Driver, é bom que chova. Gosto da chuva. Limpa as ruas. A escumalha que nelas vive corre à procura de abrigo.
Não vou tão longe. Contento-me com a limpeza do pó, da terra, dos restos do Verão.
E aqui sentado, deixo-me embalar pelo som da correnteza que ocasionalmente espreito, só para ter a certeza que é do céu que vem tanta água.
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Já repararam na velocidade a que os resultados das autárquicas deixou de ser notícia? Já não se maturam ideias nos media. Apenas nos blogs se encontra a reflexão sobre os acontecimentos políticos.
A quem interessa esta superficialidade?

11.10.05

Anos '80 - 80 Memórias (37)

Regresso a esta rubrica quatro meses depois do último post. Digamos que as memórias foram de férias alargadas.
Regresso com um nome que fez furor na minha infância, durante os anos '70, tendo a década seguinte presenciado o seu ocaso televisivo. Com a SIC Radical apareceu uma singela referência a este ícone. Falo do "koniec" no fim das séries.
Já sabem de quem falo, não é? De Vasco Granja, aquele tipo estranho que nos fazia gramar com desenhos animados polacos, checos e canadianos antes de nos oferecer os clássicos da Warner Brothers.
Ainda hoje tenho uma vaga memória das animações de Normam Maclaren (repetidas amíude nos primeiros anos do Onda Curta, no canal 2), das animações de desenho rudimentar com personagens que não falavam, mas gemiam. De desenhos com neve, tempestade, guerra, e uma mensagem política no fim, quantas vezes a favor de uma autoridade forte.
Vasco Granja falava, explicava, e vibrava, enquanto nos chamava de "meus pequeninos", ou "meus amiguinhos", numa postura típica que se esgotou em plenos anos '80. A animação passou a aparecer a seco, sem prévia apresentação, ou então inseridas em programas coloridos, vibrantes e histéricos, com jovens e crianças como apresentadores.
A animação em muito se alterou. Não sei o que nos traria Vasco Granja hoje se tivesse tempo de antena. Sei que, daqueles tempos, ficou um gosto especial pela animação, a BD e o cartoon.

10.10.05

2 Anos

Já lá vão dois anos que comecei este blog.
Tornou-se um hábito desabafar aqui. Inventar aqui. Comentar aqui.
Obrigado por não me deixarem a falar para o vazio.
Obrigado mesmo.

Chuva

A chuva regressou à cidade. Por pouco tempo, que lá fora o sol ameaça romper, e o calor já secou as águas que rapidamente lavaram as mágoas das eleições autárquicas.
Isaltino, Valentim, Fátima... todos mostraram quão cego o povo é. Quanto gosta de criticar que tudo está "cheio de corruptos" mas nem hesita em apoiar quem já está suficientemente indiciado de tal prática. No fundo, a corrupção dos políticos é apenas um pouco maior que a dos cidadãos que neles votam. Maus são os juízes e o MP que os querem condenar.
Em contrapartida, Avelino mostrou que apenas os santos da casa fazem milagres, e a mudança de área de jogo o deixou sem o apoio pretendido. No fundo, deu um passo maior que a perna.
Manuel Maria lá voltou a casa com o rabinho entre as pernas. Trovejava e ele chamava por Santa Bárbara.
Rui venceu, mesmo com o FCP apostado em miná-lo, pois que nestes quatro anos o apoio da Câmara não foi cego como nos tempos do PS.
João, filho de Mário e de Maria, ousou querer o património mundial que é Sintra. Mas o passado que arrasta levou-o ao fundo. Nem uma ignóbil mãozinha do papá, violando pela segunda vez as leis eleitorais, apelando descaradamente ao voto no filho lhe valeu.
Jerónimo regozija. Parece que o PCP, sob a sua batuta, faz mais do que respirar à tona.
Já Francisco lamenta que o BE não tenha peso autárquico. Pudera, se a sua única presidente de Câmara já é arguida...
Pelas bandas do PP amarga-se a longa e grande queda desde o topo. Neste momento, navega em águas escuras e revoltas, sendo inseguro o destino do barco azul e amarelo.
A selecção portuguesa fez uma exibição miserável contra um adversário fraco. Até esta campanha o pior resultado de Portugal contra o Liechenstein tinha sido 5-0, ganhando, naturalmente.
Na casa do adversário, a ganhar 2-0 deixaram-se empatar. Cá, começam a perder e dificilmente vencem. Não vale a pena queixarem-se do árbitro que não viu dois penaltis a favor das quinas, um deles do tamanho de um elefante. É que, mesmo assim, deveriam ter ganho por 6-0.
Vão assim para a Alemanha que rapidamente engolem a fanfarronice.
Lá fora a terra treme, as chuvas arrastam, o gelo descongela, a areia ganha terreno, as aves matam. Por este andar, todas as outras preocupações serão, brevemente, uma saudosa memória.

3.10.05

Tratamento da Justiça

Foi nomeada uma comissão para o estudo e revisão da li penal e processual penal.
Nessa comissão não estão incluídos Juízes ou Ministério Público.
Nomeada que foi a comissão apareceram logo no Diário da República as nomeações de secretárias, acessores e motorista(?).
Onde está a classe privilegiada dos Juízes?
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Os Serviços Sociais do Ministério da Justiça são um subsistema de saúde à parte. O Governo quis convergir os seus beneficiários na ADSE, por razões económicas. É pena, mas até seria justificável.
Porém, não creio que seja essa a verdadeira intenção do Governo. Porque os SSMJ não vão acabar. Vão continuar para a carreira de investigação da Polícia Judiciária (após ameaça de greve, também para os administrativos da PJ !!), para os Serviços Prisionais e ainda para o Instituto de Reinserção Social. Excluídos: apenas os Juízes, o Ministério Público e os funcionários judiciais. Ou seja, quem trabalha nos Tribunais.
Para um sistema numa pequena parte financiado por uma pequena parcela das custas judiciais, não deixa de ser estranho.
Para aqueles que se queixam que, nas custas, estão a pagar os SSMJ, olhem com atenção para a enorme parcela das custas que se destina à ... Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados. Este organismo, rico que está, investe em imobiliário que, depois, arrenda ao Ministério da Justiça para aí instalar Tribunais. Arrendamentos, claro, de milhares de contos mensais.
É impressão minha, ou algo está profundamente errado nisto tudo?

Lisboeta

Desde Sábado que sou, realmente, lisboeta. Passei a viver na capital. Saí do "subúrbio" (não sei se as aspas são correctas; o Murtal, Parede, é um subúrbio).
Hoje experienciei a ida para o trabalho caminhando até à estação de Metro e vogando pelos subterrâneos até ao destino. Vinte minutos, passando pela calma de um dos melhores jardins de Lisboa, onde gente praticava tai-chi às oito da manhã.
A casa ainda está um caos, apesar de um fim-de-semana de trabalho. Acumula-se desarrumação. Pequenas coisas têm que ser acabadas, afinadas e também reparadas. Aos poucos a mudança chega ao fim.
Em 1998, ainda com 26 anos, mudei-me pela primeira vez, ao sair de casa dos pais. Foi um passo de gigante, mas, como não fui para longe, a mudança não foi assim tão evidente. Foi mais relevante pela conquista do espaço, da autonomia. Agora, a dois, há mesmo uma ruptura, uma clara alteração de residência, de espaço, de vida.
Esperemos não me enganar no regresso a casa e apontar para o comboio com destino à parede. :o)