7.12.05

"O Edifício da Verdade" (9)

Quando se encaminhavam para as escadas foram interceptados por Diogo e Marcello. O primeiro falou:
‑ Vitor, o Marcello vai‑se embora e leva‑me com ele. Queres aproveitar a boleia?
‑ Nós vamos, nós vamos... ‑ respondeu Isabel não permitindo que Vitor lhe negasse o convite, o que ia obviamente fazer. Depois de se entreolhar com o arquitecto, lá acedeu. Eram já quatro e meia da madrugada e sentia‑se cansado e excitado. Não era uma retirada daquelas o que tinha imaginado.
Entraram para o carro, um Audi A6 que respirava dinheiro dos contribuintes por todo o lado. O actual governo tratava bem os seus. Marcello ao volante, Diogo ao lado. No banco de trás, as explorações vão cada vez mais longe. Os dedos dele chegam à área restrita, massajando‑a para prazer da recém‑conhecida. Pela inércia sente que a condução é acelarada e brusca. Prefere ignorar o condutor.
Porém, a dada altura, algo passou pela cabeça de Isabel. Deixando‑se ficar nas mãos do mais que bêbado Vitor, começou a fazer festas no político. Passava‑lhe a mão pelo pescoço e esticava‑se para o beijar. Diogo olhou para trás e viu Vitor que com um ar derrotado, ergueu a mão livre esticando o dedo médio num bem medido gesto obsceno. Isabel libertou‑se dele, concentrando as suas energias no condutor. Este falou:
‑ Diogo, importas‑te de levar o carro?
‑ Como levar...?
‑ Quero ter as mãos livres. ‑ disse com uma gargalhada. Vitor olhou‑o com desdém. Diogo protestou argumentando com álcool que bebera. De nada valeu, perante a insitência de Marcelo pelo que acabou por aceder. Quando pararam para trocar de posições, Isabel agarrou a mão do escritor e voltou a pedir‑lhe desculpa, desta feita com um olhar de cão abandonado. Ele não respondeu e passou para a frente, ao lado do novo condutor.
‑ Queres ficar em minha casa? ‑ era Diogo quem convidava.
‑ Aceito! ‑ respondeu sem hesitações. - Quanto mais cedo sair daqui, melhor. ‑ lá atrás os vidros embaciavam e ouviam‑se gemidos.
‑ Uma fotografia agora seria bastante valiosa.
‑ Nem brinques, Diogo. ‑ foram as palavras do político.
O arquitecto vivia num prédio por si recuperado nas Avenidas Novas. Foi lá que pararam, saindo os quatro da viatura. Enquanto os outros se despediam, Isabel agarrou Vitor, beijou‑o, e disse:
‑ Desculpa... talvez para a próxima... Tu não merecias... Desculpa. Aparece na festa dos Junqueira. ‑ novo beijo e entrou para o banco da frente. Sem dizer nada a Marcello, o escritor entrou pela porta que se abria sendo recebido pela cadela do arquitecto que, agitando a cauda, se ofereceu às festas de Vitor.
‑ Não é caso para fazeres birra. ‑ afirmou o dono da casa enquanto se ouvia o Audi a afastar‑se.
‑ Não é birra. Já não o gramava muito... então agora...
‑ Mas que pode haver entre ti e a rapariga? ‑ entraram directos para a sala onde ainda se serviram de mais uma bebida. Diogo tirou um saco de amendoins duma gaveta, que foram partindo e comendo enquanto conversavam.
‑ Aí é que está... Nada. Eu não sinto nada. Porra!, há muito tempo que não sinto nada. E não foi ela que mudou alguma coisa. Acontece que estava com vontade de quebrar este celibato no qual me vejo há já tempo demais. O último romance consumiu-me. As coisas já não saem tão naturalmente. Falta-me um incentivo. Ainda me falta a mulher.
“O que interessa é que hoje estava na disposição de dar uma, percebes?, e esta Isabel... Sabes com quem ela é parecida?
- Janis.
- Ah, reparaste.
- Como não repararia? Lembras-te de quando estávamos apaixonados por ela? Só ouvíamos Janis Joplin e desejávamos estar na América, no fim dos anos 60...
- Filha da puta! Sempre me fascinou.
- Cuidado! Esta Isabel não é a Janis... Não te iludas. Não fantasies... e deixa-te dessas merdas.
Ficaram na conversa até de madrugada.
(continua)

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