Há alguns meses, a comunicação social transmitiu, com um ar algo chocado, que o então Bastonário da Ordem dos Advogados, confrontado com os crimes relacionados com a pedofilia, os colocava num patamar de preocupação inferior àquele que considerava o mais grave dos crimes: a corrupção.
José Miguel Júdice apontava que, não obstante serem graves os crimes de abuso sexual de menores, o lenocínio, ou, obviamente, o homicídio, o verdadeiro risco para a sociedade portuguesa e o próprio Estado de Direito é a corrupção.
Um amigo meu, em conversa sobre o tema, apontou algo que me parece extremamente correcto. Nem são os "mega-casos", de grande corrupção que se vêem em Portugal. Ao contrário da Alemanha, não temos, ou pelo menos não estão desmascarados, casos de corrupção a um "alto nível", casos chocantes pelos valores e indivíduos envolvidos. Temos algo muito pior. Temos a corrupção generalizada, por vezes mesquinha, a todos os níveis da organização social, e aceite pelo cidadão que prefere entrar no jogo a combatê-la.
Vem isto a propósito do caso "apito dourado", como foi baptizado, ou seja, o único caso conhecido que anda a mexer na pia do fenómeno desportivo. Durante anos ouvimos vozes indignadas apontar que o futebol estava corrompido, que havia árbitros e dirigentes envolvidos em relações "perigosas", de favorecimento de certos clubes e prejuízo de outros. Porém, como o circo continuava, havia jogos para discutir e casos para comentar, tal não pareceu afectar o cidadão comum.
Mas devia.
Em primeiro lugar, porque está em causa um fenómeno desportivo, e o desporto deveria contribuir para incutir valores de correcção, e premiar os mais aptos, os que mais trabalharam, os que mais conseguiram.
Depois, está em causa um fenómeno que envolve milhões de euros. Veja-se, por exemplo, quanto dinheiro ganhou o FC Porto o ano passado, entre prémios de jogos, receitas de bilheteira e comércio de artefactos relacionados com o clube e os seus feitos. Calcule-se o que perderam os clubes que desceram para a II Liga.
Pior do que isso, é saber que grande parte das verbas movimentadas pelos clubes de futebol são verbas públicas, incentivos, compensações, ajudas. Veja-se o investimento nos dez "estádios do Euro 2004" e o retorno para a Nação que agora está a ser retirado. Quem ganha com aqueles estádios? Os clubes. Tirando o do Algarve, que estará às moscas. Os municípios? Caramba, não se fale em Câmaras Municipais que aí parece que tudo vale.
Por tudo isto, sinto a mesma perplexidade que Pacheco Pereira ao ver milhares de adeptos de um clube a apoiar o seu Presidente, quando este se encontra envolvido numa investigação relativa à corrupção no futebol. Não que queira pôr em causa a presunção de inocência que assiste a qualquer arguido até condenação em juízo transitada em julgado. Mas creio que há limites.
Eu compreenderia com naturalidade que amigos e familiares viessem dar o seu apoio, porque têm uma relação pessoal com o arguido e certamente acreditarão na sua inocência. Agora, milhares de adeptos? Sinto a perigosidade da fé cega na inocência de alguém que se conhece apenas pela sua vida pública.
Foi algo que já senti em casos como o de Vale e Azevedo, e de Paulo Pedroso. Agora Pinto da Costa. Milhares de pessoas em desagravo...
Outra conclusão que se pode retirar de tal apoio, é a da tal aceitação do fenómeno corruptivo na sociedade portuguesa. As pessoas estão habituadas ao "jeitinho" que o amigo da amiga fez para resolver as coisas mais depressa, para passar à frente, para ver aprovado o que não é aprovável, para ganhar aquele concurso, aquela vaga. A "cunha", as "luvas", a "gratificação".
O honesto, que não entra no jogo, continua a ser lixado, ultrapassado, preterido.
É, efectivamente, este o perigo para a sociedade, para o Estado. A convicção de que a via alternativa, por baixo da mesa, com o desrespeito das regras instituídas é a forma "normal" e adequada de obter aquilo que se pretende. Espezinhando o próximo.
Era eu jovem dava na TV um programa com o Jô Soares em que ele tinha um personagem com uma gaiola na mão onde transortava um "corrupto". E o animal agitava-se sempre que se falava de alguma coisa que envolvesse dinheiro e corrupção. Creio que, se o bicho estivesse em Portugal, não pararia quieto (a frase do título deste post era dita enquanto o Jô tentava acalmar o bicho).
Espero que se combata este fenómeno. E a única forma de cada um fazer alguma coisa por isso, é a de recusar entrar no "jogo" e denunciar aqueles que o jogam.
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