10.10.06

Souto Moura

Enquanto Souto Moura se afasta das funções de PGR ao fim de seis anos de conturbado exercício, parece desporto nacional responsabilizá-lo por todos os males, apontando o seu substituto como o supremo salvador da Justiça portuguesa.
Este meu texto destina-se exactamente a expressar posição contrária.
Souto Moura teve falhas e defeitos enquanto PGR. A começar pela facilidade com que se deixou enredar nas rasteiras da comunicação social, simplesmente porque não soube estar calado quando tal se justificava. E passando por alguma falta de controlo hierárquico, não relativamente ao magistrado do MP na comarca, mas ali naqueles cargos intermédios de grande responsabilidade, tanto mais que são o elo de ligação entre a cúpula e as bases.
Mas Souto Mouro conseguiu nestes seis anos algo de muito, mas mesmo muito relevante: incomodou quem não estava habituado a ser incomodado.
Talvez não se recordem mas antes de Souto Moura o PGR era Cunha Rodrigues. Também este PGR foi particularmente atacado quando a magistratura que dirigia apontou batarias aos "intocáveis" (recordem Melancia, Leonor Beleza, Torres Couto...). Apesar de ter sido consensual, no final do seu mandato Cunha Rodrigues tornara-se incómodo e, por isso, a sua substituição por Souto Moura, pessoa de trato afável e apenas motivada pelo Direito (com o correr do tempo Cunha Rodrigues já era visto como um actor político) pareceu adequada e direccionada a serenar ânimos e dar descanso aos novos alvos da mira judiciária.
Errou quem assim pensou.
Souto Moura manteve o MP empenhado em perseguir a criminalidade mais gravosa, de maior impacto e de mais difícil investigação. Nem sempre tal opção foi bem executada, mas a determinação existiu. E os meios começaram a ser carreados para melhores resultados.
A criminalidade "menor" passou a ser encarada com mais celeridade, menos investimento pessoal e material e ainda assim a ser mantida sob controlo. Reduziu-se drasticamente a investigação do tráfico de droga de rua, do traficante-consumidor, e investigou-se muito mais e com melhores resultados o tráfico nos degraus acima da cadeia de traficância. Olhou-se a criminalidade económica e novas formas de praticar crimes. E entrou-se em campos em que os políticos navegavam com à-vontade, perturbando o estado de graça de quem vivia habituado aos "esquemas". Assim como se revelou um sórdido mundo relativo ao tráfico de influências (vide Casa Pia).
Por isso Souto Moura é agora alvo de críticas a tordo e a direito, ou antes, à esquerda e à direita.
Mas Souto Moura não vergou a espinha, e foi um espinho para quem o julgava apenas uma flor de cheiro.
Agora vem Pinto Monteiro.
As loas que recebeu de toda a parte fazem desconfiar. Mas acredito que a vida não vai ficar mais fácil para aqueles que provavelmente julgam que uma nova direcção irá manietar a investigação. Porque a podridão é tão grande que acaba sempre por cheirar mal. E o PGR só tem duas opções: ou desata a fazer limpezas ou apodrece também.
Agora toda a gente fala de corrupção. De ânimo leve dizem que no futebol, nas autarquias, nos corredores do poder está tudo minado pela corrupção. Mas depois estendem a mão aos Isaltinos, às Felgueiras, aos Judas, aos Loureiros e Pintos da Costa, dizendo-os injustiçados e vítimas de um sistema persecutório.
Num país em que a opinião pública é fabricada nos meios de comunicação social que se citam mutuamente e alimentam polémicas que impingem ao cidadão cada vez menos esclarecido e satisfeito apenas por alguém lhe dizer o que falar e sobre o que falar nas conversas do dia-a-dia, é ingrata a posição daqueles que aindam acreditam nas instituições e as procuram pôr a funcionar democraticamente, ou seja, de forma igual para todos.

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