5.4.13

"Boa Noite"

Pousou a caixa e procurou as chaves no bolso das calças. Encontrou o telemóvel. Encontrou moedas. Encontrou uma pendisk. Encontrou ainda uma caneta com a tampa roída.
Procurou pelos bolsos do blusão. A chave do carro estava lá. Também a carteira, e a bolsa com os óculos escuros. Um pacote de lenços e mais uma caneta, esta quase nova.
Ali à porta, na rua, com a chuva a cair à volta da curta protecção que a pala do prédio oferecia, blasfemou contra todos os deuses por não encontrar as chaves. Abriu a caixa, não fosse dar-se o caso de ter posto lá dentro o porta-chaves com o mosquetão azul que lhe franquearia a entrada no lar, doce lar.
Nada à vista. Tinha que tirar alguns objectos para ver mais fundo. Começou pela caneca, pela moldura, pela agenda. Um a um depositou-os na soleira da porta. A escassa luz dos candeeiros da rua não o ajudavam na busca, agora que a noite caía mais cedo. Tirou para o lado o copo de barro torto e mal cozido que o filho mais velho lhe dera pelo dia do Pai, havia três anos. Também sacou a bola anti-stress que sempre que fora esmagada lhe dera mais tensão que aquela que deveria tirar. Quando puxou o Moleskine onde costumava escrever os ditos parvos que ouvia aos colegas de trabalho, ouviu o tilintar inconfundível das chaves que procurava. 
Franziu os olhos para ver melhor no escuro que cobria a caixa e pescou o mosquetão que tinha agarradas as desejadas chaves. Foi então que soou um sonoro estalido, quando a vizinha do andar de cima, provavelmente a mulher mais bonita do prédio, abriu a porta para sair e o encontrou ali, acocorado, com os seus magros pertences espalhados pelo chão, no final do dia em que perdera o emprego para o ver ocupado por um puto de 23 anos que todos julgavam ser melhor do que ele na arte de vender apólices. 
Ergueu os olhos e sorriu embaraçado, na esperança de receber um carinhoso apoio, mas a vizinha quase nem o viu. Soprou um sumido "boa noite" e avançou em cima dos saltos altos, que lhe prolongavam as esculpidas pernas, até ao Audi A5 que esperava por ela do outro lado da rua.

1 comentário:

Ouriço-Cacheiro disse...

Para que lhe sirva de consolo, estou certa que mais cedo ou mais tarde o Audi será penhorado ;-)