- Não levas mais nada?
- Não. O que não cabe nesta mala não é mais meu.
- Custa-me ver-te deixar para trás tanto de ti.
- Nada disto é parte de mim. Nós não somos as coisas que acumulamos.
- Mas podemos ser definidos por elas, não?
- É por isso que não quero levar mais nada. As resmas de livros, a música, os filmes, a roupa, os sapatos... objectos correntes, máquinas aparelhos, móveis. Procuramos uma casa para viver e a seguir enchêmo-la de coisas que apenas dificultam a nossa vida.
- Dificultam, não! Facilitam-na.
- Uma ilusão. Não quero levar mais nada. A minha existência passa a ser portátil. Caberá numa mala e mais nada. Para comprar um novo par de sapatos terei que deitar fora um dos que agora tenho. Reduzi ao mundo do virtual a leitura e a música. Os filmes, vê-los-ei e guardá-los-ei na memória. O resto são coisas que poderemos dispensar, pedir emprestado, alugar...
- E as tuas coisas que aqui ficam?
- São agora tuas.
- Serão sempre tuas. Eu ficarei mero depositário.
- Não, não contes com o meu regresso. Trata-as como tuas. Sê livre de as usar, estragar, dar, deitar fora. Não pretendo reclamá-las nunca mais.
- Vais dando notícias?
- Sim, parvalhão. Irei dando notícias. E quem sabe se daqui a uns anos não terei condições para te receber numas férias do outro lado do mundo...
- Se eu tiver dinheiro para ir até lá.
- Podes sempre vender umas coisas destas para comprar o bilhete.
- Tinha muito que vender e a preços abusivos.
- ...
- ...
- Ficas bem, maninho?
- Que remédio... Seguramente ficarei só.
- Não ficamos todos, alguma vez na vida?
- Desde que os pais se foram que só te tenho a ti. E agora partes para tão longe.
- Porque agora sei que posso partir e que te safarás. Estás lançado, maninho. E rapidamente encontrarás quem te faça companhia.
- E tu?
- Do outro lado do mundo também há mulheres. Também haverá amigos. E posso sempre voltar.
- Podes, não podes?
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