2.4.13

Ciclos

Enfiou mais uma resma de papel no caixote do lixo sem sequer se dar ao trabalho de ver o que por lá estava. Nada do que ali tinha iria voltar a fazer falta. Já nada importava todo aquele manancial de informação recolhida durante os últimos quatro anos.
Antes de iniciar a limpeza assegurou-se que o papel que ali depositasse seria encaminhado para a destruidora. Não que tivesse algo a esconder... pelo contrário. Dificilmente se encontraria naquelas folhas algum tipo de informação privilegiada ou comprometedora, pois tudo o que por lá constava já fora partilhado e repartilhado vezes sem conta. Mas não poderia dar parte de fraco, e queria que o Moreira e o Magalhães pensassem que havia  por ali muito a ocultar. Queria ver os seus ares intrigados, ávidos de curiosidade, quando a D. Maria levasse o saco pesado para a máquina da cave.
Abriu mais gavetas e esvaziou-as. Num caixote enfiou lápis, canetas e outro material de economato que fora acumulando. Não deixaria nada para trás, ainda que soubesse que não voltaria a pegar naqueles objectos usados. Seguramente que no sítio para o qual ia lhe encheriam as gavetas com bens de primeira qualidade, a estrear. Mas era já seu hábito levar tudo consigo quando chegava ao fim. A tesoura, a fita cola, o agrafador, o furador, a régua, a borracha a estrear (em quatro anos nunca a usara; mas alguém ainda usa borracha?), tudo levaria. Seguramente a sua sobrinha aproveitá-los-ia.
O motorista já levara os caixotes com os livros. Quando entrasse no novo gabinete já lá estariam devidamente emprateleirados conforme deixara indicações. Faltava mesmo acabar com a papelada e com estes artigos "pessoais". Prosseguiu a tarefa até a sentir finalizada.
O último passo foi emalar o portátil. Mais uma máquina lá para casa, desactualizada (velhíssima, com os seus quatro anos), que encontraria o seu lugar na estante do escritório até descobrir a quem o entregar.
Gostava destas mudanças. Pela renovação de tudo a que tinha direito, sem olharem a despesas... Mesmo durante a crise continuaram a tratá-lo bem... E sempre que o Governo mudava, lá ia para outras paragens. 
Nunca era uma despromoção. Também raramente era uma progressão. Era apenas mais uma mudança.

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