6.2.06

"O Edifício da Verdade" (14)

Vitor levanta‑se. Decidiu ir até ao Pavilhão Chinês, ali ao Príncipe Real. Costuma frequentá‑lo. Por vezes só para beber, outras para jogar um pouco de snooker. Hoje quer mesmo as duas coisas. No meio do espesso nevoeiro, inicia a caminhada. Tem tempo. Aliás, tempo não lhe falta. E são‑lhe úteis estes passeios solitários. Ajudam a pensar. Decide seguir junto ao rio até ao Cais do Sodré. Subirá depois pela Rua do Alecrim...
Tão enebriado ficara que, mesmo sem ter o disco a tocar, continua a ouvir a voz de Teresa Salgueiro a cantar como só ela sabe. A música segue‑o, não sai da cabeça... "Eu fui contigo ao Inferno /Fomos ao fundo do mar".
O isolamento torna-se desconfortável. Algo incentiva a desconfiança. Não se cruza com ninguém. Não ouve nada do mundo real. Só os seus passos no pavimento, rugindo com a areia que pisam. Areia. Não é habitual encontrar‑se areia no Passeio Ribeirinho.
Uma gargalhada. Veio dali da frente. É nitidamente de mulher. Vindas por entre a névoa, duas gémeas bloqueam‑lhe o caminho. São duas jovens loiras, altas, encorpadas, de grandes seios e ancas largas. As saias curtas permitem ver pernas bem moldadas pelas meias de nylon pretas. Não são bonitas no rosto, mas os seus corpos assemelham‑se a verdadeiras máquinas de sexo. Ambas usam óculos.
‑ Boa noite, cavalheiro... ‑ diz uma gargalhando enquanto a outra prossegue.
‑ ... Tem lume que nos arranje?
‑ Não, lamento.
‑ E já agora... ‑ começa uma.
‑ ... Que horas são? ‑ parecem incapazes de dizer uma frase completa. O que uma começa a outra termina. Vitor olha para o relógio. Está parado nas oito horas e oito minutos. Bate‑lhe ao de leve com um dedo.
‑ Merda! Desculpem, mas este aqui decidiu parar. ‑ uma das gémeas põe‑se a andar para trás de si. É essa quem começa a frase que a irmã terminará:
‑ Isso é uma pena. Assim vamos ter...
‑ ... Que o assaltar para termos alguma compensação.
‑ É muito feio não ter...
‑ ... Nem lume, nem horas para partilhar connosco.
Assaltar?! Não, Vitor não acredita. Duas raparigas de vinte e poucos anos querem assaltá‑lo? Ele que se gabava de nunca ter sido sequer abordado para tal efeito?
‑ Nem pensem! ‑ diz dando dois passos em direcção à gémea que ficara à sua frente.
‑ Não tentes fugir...
‑ ... Que nós não te deixamos.
Pára novamente. Sente no pescoço a respiração quente de uma das gémeas. Volta‑se rápido, disposto a passar à violência, mas é de imediato projectado pelo ar caindo de costas. A gémea cai‑lhe em cima. Fica numa posição caricata. Ao sentar‑se praticamente sobre o seu pescoço, a saia subiu completamente. Mesmo à sua frente está o sexo dela, mostrando-se por entre o cinto de ligas, sem qualquer peça que o cubra.
Sente o cheiro que, não sendo agradável, é definitivamente erótico. Mas algo o preocupa mais. O indicador direito dela, com uma unha grotesca, ameaça um dos seus olhos. Basta uma rápida investida para o cegar. Opta pela imobilidade.
‑ Vais ficar quietinho...
‑ ... Enquanto eu te despojo do que está a mais. – riem em tom ordinário. Sente as mãos da outra irmã a tirar‑lhe o leitor portátil de CD, a vasculhar outros bolsos... Aquela que o imobiliza ainda se chegou mais para a frente, aproximando a sua fome da vontade de comer. Ele sente‑se crescer.
Umas mãos começam a entrar nos apertados bolsos da frente das calças de ganga.
‑ Sabes que ele...
- Está com tesão. Sim, sei. E tu...
- Posso aproveitar. Está bem.
As mãos desapertam‑lhe o cinto. Continuam e abrem o fecho das calças. Uma delas entra por debaixo das cuecas e agarra‑o firme. Essa gémea fala:
‑ Já podes.
A irmã, que positivamente se senta na sua cara, veloz como um raio, ergue um punho e soca‑o. Cai na inconsciência.
(continua)

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