4.1.07

Cinema para o ano novo

Estes dias de pausa foram, cinematograficamente falando, profícuos. Dei bastante uso ao Media Card, e é disso que vou falar neste início de 2007.
Começando pelo que primeiro vi, “A Rainha” do consagrado e seguro Stephen Frears, estamos perante uma película que ficciona e “recria” os dias vividos pela realeza britânica e pelo recém eleito Primeiro-Ministro Tony Blair aquando da inesperada morte de Lady Di, no célebre acidente em Paris.
Filmado com rigor e interpretado com segurança o filme cumpre a sua função. Helen Mirren está fantástica na sua personificação da Rainha de Inglaterra, Isabel II, fazendo-nos confundir as imagens verdadeiras que guardamos na mente com a sua própria imagem. Tendo visto a actriz quando foi ao Tonight Show do Jay Leno, mais espantado fico com o trabalho de criação da personagem. São por isso legítimas as aspirações a uma nomeação aos Óscares.
Voltando ao filme, não deixo de revelar a reserva que me ficou após o seu visionamento. Creio que é a própria história que relata que é o seu ponto fraco. Assente em gente real, tenta revelar quão crucial foi o episódio para cimentar as boas relações entre a Coroa e o PM, e como, mesmo morta, Diana continuou a assombrar a monarquia britânica. Pois é. Isto não é grande história, e o filme ressente-se disso.
Na escala de zero a cinco a que nos habituaram todos os críticos ou comentadores cinematográficos, ficaria ali pelo dois, a saltar para o três.


Depois fui ver “O terceiro passo”, de Christopher Nolan, que em tempos assinou o surpreendente “Memento”, onde arrasou o conceito de lineariedade temporal em cinema.
Neste filme conta-se a história de dois ilusionistas (Christian Bale e Hugh Jackman) que desde cedo, e devido a um infurtúnio em palco, alimentam uma rivalidade sem tréguas que os faz ultrapassar os limites da vida e da razão. Com as seguras presenças de Michael Caine, Scarlett Johanson, Andy Serkis e um especial David Bowie, os dois principais actores dão corpo a indíviduos obcecados que nos prendem à trama. Apesar de alguma dificuldade em acompanhar algumas das curvas do enredo, o mesmo é complexo e cativante. Está bem filmado, como espectáculo que contém em si o espectáculo da magia. Ainda assim, não é um filme por aí além, navegando nas águas da mediania do cinema anglófono. Merece o três seguro, a puxar para o quatro.


“Babel”, o último filme de Alejandro Iñarritu, é o exemplo acabado que não é qualquer pessoa que consegue escrever ou filmar uma obra que assente em várias histórias, em vários lugares, em vários tempos, mas com relações entre si, influenciando-se entre si. Já tivemos exemplos muito bons deste estilo, como Traffic, Crash ou Magnólia, para citar os que de cor me recordei. “Babel” não se junta a esta classe. As interpretações são muito boas, os actores actuam a um muito bom nível, e os ambientes escolhidos facilitam a realização, pois quer Marrocos quer o Japão são visualmente estimulantes, ao mesmo tempo constrangedores, asfixiantes. Não basta, por isso, filmar com serenidade, alimentando um ritmo lento, brando, para nos inserir na reflexão que claramente se pretende.
Mais uma vez, a história não chega. As relações que nos levam ao angustiante episódio japonês são forçadas, e a acção marroquina e mexicana está tão eivada de esteriótipos que até irrita. De todos os filmes que vi nesta quadra festiva, foi mesmo o que mais me desiludiu. Merece o dois mesmo, mesmo, mesmo no limite. Não fosse a qualidade das interpretações e lá resvalaria para o um.


Em português está em exibição “20,13” o purgatório de Joaquim Leitão, que retoma a guerra colonial depois do inenarrável “Inferno”, que até fizera por esquecer, de tão forçado e despropositado que o achei.
“20,13” é incomparavelmente melhor. A qualidade técnica sobressai e é credível a interpretação dos bons actores perdidos na fronteira de Moçambique, num aquartelamento sob fogo inimigo da Frelimo. A acção decorre num único dia, e à superfície emergem fantasmas que assombram alguns dos personagens forçando a um clima de insegurança e suspeita, constantemente abalado pelos obuses e metralha que durante a noite caem com cada vez mais força.
O ritmo pausado é entrecortado por muito fogo agitado. O calor sente-se. A opressão também. Ainda assim, acho que também aqui faltou um pouco mais de história. A dada altura percebe-se todo o enredo, e ainda falta meia-hora de filme, previsível e sem estaleca para nos animar. O que é pena, pois que todos os meios usados e assim geridos mostraram que em Portugal também se pode fazer um bom filme de guerra e que nós, tendo tido uma experiência de guerra colonial, poderíamos alimentar uma filmografia de grande qualidade. Porque o campo de tiro de Alcochete, onde foi filmado o “20,13”, parece mesmo Moçambique. Leva três, pelo esforço e qualidade revelados, tendo as pernas cortadas pela fraqueza do argumento.



Finalmente, “OSS 117”, história de espiões à francesa. Mas não para levar a sério. OSS 117 é um espião que nasceu em livro muito antes do 007 de Ian Fleming. Só que apenas agora o conhecemos no cinema. Como descrever este agente?
Veste, anda, movimenta-se, sorri e cativa como o 007 interpretado por Sean Connery. Por isso é um sucesso entre as mulheres. No entanto, a sua inteligência e perspicácia são os do agente Maxwell Smart, da série “Olho-Vivo”, e o seu método de trabalho faz lembrar o Inspector Cluseau. E de cada vez que abre a boca revela-se inculto, preconceituoso, arrogante e ofensivo para todos os que o rodeiam. Aquilo que chama de estilo francês.
Os diálogos são uma delícia pelo “nonsense” que evidenciam, dos quais poderei salientar os longos minutos de lugares-comuns que são trocados quando numa festa na Embaixada Inglesa encontra os potenciais adversários. A acção é tão inverosímil que nos faz rir com gosto perante tamanha idiotice. Não é, contudo, humor escatológico, ou fácil. À boa maneira francesa, exige que o espectador tenha cultura suficiente para ir apanhando as referências e compreender as calinadas.
Foi o filme que guardei para o fim, por achar que era o filem “menor”. Foi o que mais gostei e merece nota quatro. Fraquinho, mas ainda assim um quatro.

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