11.6.04

Futurologia

Vem aí um fim-de-semana de arromba.
Lá fora o sol aquece e convida a enterrar os pés na areia, o corpo na água, a procurar a tez morena que associamos a bem-estar.
A Galp e a Shell baixam os preços do combustível, convidando a enfiar a máquina na estrada e rumar a Sul, à procura do paraíso algarvio, nestas alturas próximo do Inferno.

Amanhã, pelas 17h 00m, certamente uma larga maioria dos portugueses colar-se-á aos televisores para, após 90 minutos de ansiedade e alegrias ou tristezas, ter tema de conversa para os próximos dias. Findo o Portugal - Grécia, a euforia ou a frustração animarão essa assistência. Certamente a cerveja rolará em abundância para prazer da indústria cervejeira. Seguramente muitos se esquecerão que "Se conduzir, não beba. Se beber, não conduza" e, depois de uma noite nos calabouços, serão presentes a julgamento sumário no Domingo.
Pelo meio comer-se-ão umas sardinhas a preço de oiro, beber-se-á mais um copo e a TVI transmitirá as inenarráveis e horripilantes marchas populares com Santana Lopes pelo meio, a sorrir cinicamente como costume.

No domingo muito se falará dos ingleses, da sua chegada, do Inglaterra - França. Será tempo de rescaldo do jogo de Portugal. Começará a antevisão do jogo com a Rússia, escalpelizando-se forças e fraquezas desta selecção que entretanto joga com a Espanha.
Residualmente ouviremos falar nas Eleições Europeias. Entre o futebol, a praia, o calor e o trânsito, alguns, poucos, irão depositar a cruz no boletim. Os que faltarem, passarão o tempo a queixar-se do que está mal, sem sequer contribuirem para a escolha de quem poderá fazer melhor. A esmagadora maioria não saberá para que estará a votar. Sabem que é para a Europa, mas desconhecem quem elegem, que orgão ocuparão, que competências têm... A Europa, da qual fazemos parte, "está longe", dizem.
Depois queixam-se do preço do peixe que não foi pescado ou vem de Espanha, da fruta que não tem sabor, porque vem de Espanha e é toda igual, das lojas que vêm de Espanha, das estradas, dos combóios, dos aviões, que vêm de Espanha.
Para os que votam, tudo se resume a escolher o partido, por fidelidade, porque já nem pensam na escolha. Ou então porque avaliam a performance desse partido naquilo que tem sido o dia-a-dia interno desde há meses. Sem se aperceberem que os resultados da europeias não mexem, directamente, com o governo do país.

Segunda-feira voltarão ao trabalho. Quase todos, pois alguns irão perder a vida em estúpidos acidentes de viação, porque regressaram tarde a más horas, com pressa, em excesso de velocidade, impacientes, com um copo a mais. Morrerão e matarão e na segunda-feira a sua secretária, a sua cadeira, o seu veículo ou máquina estarão vazios, contribuindo desta forma na luta contra o desemprego se o patrão decidir contratar alguém para o seu lugar. Se o patrão for o Estado Português ficará vago o lugar, pois a Manuela Ferreira Leite, que chama os conhecidos e dá-lhes um ordenado pornográfico, não deixa admitir mais gente para a ineficiente máquina da administração pública. Também, diga-se, se a máquina administrativa já não trabalhava quando tinha toda a gente, pouco importa se não trabalha agora porque tem pouca gente.
Mas, dizia eu, segunda-feira a produtividade cairá, pois as conversas multiplicar-se-ão sobre o jogo de Portugal, sobre o sol apnhado, "que cor tão gira tens tu", "ui, que escaldão", e, residualmente, sobre os resultados da Europeias, em que todos os sociólogos, politólogos e opinadores de vocação que somos, procurarão retirar ilações da morte de Sousa Franco.

Daqui a uma semana, ninguém se recordará das eleições.
Portugal terá jogado a primeira fase e isso dominará a conversa e atenção públicas.
Os políticos, com as autárquicas no caminho, continuarão a preocupar-se com as longínquas presidenciais.

Cada vez menos se preocupam as gentes com o presente útil. Porque, do presente, só ligam ao efémero e vazio , à festa, a intriga, ou ao escândalo. Do futuro preocupam-se com o longínquo e, ainda, irrelevante.

Venham as sardinhas para o Santo António. Venham os golos para Portugal.Venha o Sol.

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