5.5.06

"O Edifício da Verdade" (23)

IV
Sentou-se no passeio frio e húmido. Olhou os pés descalços, dormentes. A camisola agarrava-se ao tronco. A chuva insistia em cair... cabelos a escorrer.
De repente, vindo sem saber de onde, de um sítio fundo, muito fundo, muito íntimo, fechado a sete chaves, uma convulsão. Um soluço. Uma lágrima. E outra, outra ... outra ...
Vitor chorou! Lágrimas antigas, lágrimas novas, amor, raiva, ódio, desespero ... tudo junto. Novas e velhas. Umas com as outras. Soluçou alto, o choro ecoou nas ruas vazias. Alto e prolongado. As lágrimas, misturadas com a chuva, rebolavam sem controlo. As tremuras aflitivas da dor confundiam-se com as do frio.
Vitor caiu para trás. No passeio frio e húmido dobrou-se na posição fetal e chorou. Esperneou. Gritou. Havia doze anos que não chorava. Doze anos contidos. E mesmo a última vez fora forçada. Estava bêbado e chorara sem proveito. Não conseguira sentir a redenção do choro.
O seu lamento era irregular, estranho. Vitor tinha desaprendido de chorar. Vitor não sabia chorar.
O tempo passou. A chuva caiu. Caiu, até se esgotar. A cena prolongou-se ad aeternum. Por fim o escritor sentiu-se livre. Sentiu o peso fugir, largá-lo. E secou os olhos. Correu com o nó na garganta. A pouco e pouco, ergueu-se. E gritou em plenos pulmões:
- FILHA DA PUTA!!!

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