VI
Abriu lentamente a porta. Escuro. Entrou com cautela. A entrada sumiu‑se nas suas costas. Escuridão total. Silêncio absoluto. Uma incrível sensação de ausência de espaço. Mas não era o vazio. Porque o vazio, por definição, não tem nada. Vitor ainda existia. Logo, aquilo não era o vazio. E mesmo que se negasse a sua pessoa, seria impossível afirmar o vazio. Porque o vazio não tem cheiro. E ali cheirava.
O escritor sentiu‑o. Doce mas desagradável. Forte mas impessoal. Um cheiro indescritível, mas que Vitor reconheceu. Cheirava a Morte. Não era o cheiro dos cadáveres. Não!, era mesmo o cheiro a Morte. A Morte tem um cheiro. Peculiar, mas tem. E nós não o conhecemos. Por enquanto. E nem queremos conhecer. Porém, Vitor foi capaz de o identificar, como se lhe estivesse inato, como se desde sempre fosse capaz de reconhecê‑lo. Cheirava a Morte.
Após uma imobilidade que se estendeu por tempo indeterminado, caso ainda existisse tempo, o escritor decidiu avançar. A iniciativa deu origem a uma luz intensa, como que o flash de uma máquina fotográfica que durou vários segundos. Esta passagem do negrume para a luz foi tão violenta que Vitor fechou os olhos com força para evitar a dor. Sentiu uma tontura. Através das pálpebras cerradas apercebeu‑se da normalização da iluminação exterior. Cautelosamente, abriu os olhos preparado para qualquer choque. Já estava a ficar habituado àquilo. E agora, que aceitara que estava morto, sentia-se mais à vontade.
O átrio era amplo. Os tons e os efeitos de iluminação faziam-no sentir como se estivesse num hotel. Não havia, porém, uma única peça de mobiliário. Nem sequer havia paredes. Não havia limites. Era tudo um único espaço ilimitado, impossível de existir no interior do casebre no qual entrara. A luz espalhava-se suave, branca, e o cheiro mudara radicalmente para uma fragância feminina e aprazível. Ouvia‑se música clássica que o escritor reconheceu como sendo a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvörak. Mais à frente, muito erecto, estava um sujeito. Tinha o olhar fixo no infinito. Vestia como um empregado de hotel, em tons púrpura. Mãos atrás das costas, queixo levantado, peito inchado. Uma pose muito profissional. Foi para ele que o escritor se dirigiu. Mas o sujeito antecipou‑se, interrogando:
‑ Bom dia. Deseja entrar?
‑ Entrar? Onde?
‑ Como? Você está no Edificio da Verdade e não sabe?
‑ Edificio da Verdade?
‑ Nome?
‑ Vitor Cardoso.
‑ Sim, está marcado. Tem tido dúvidas existênciais?
‑ Sim, por vezes...
‑ Então quer entrar.
Vitor ia responder, mas algo lhe desviou a atenção. A seu lado, sem barulho mas com muita luz, materializou‑se um sujeito idoso. Vinha com cara de poucos amigos e retirou‑se gritando:
‑ Fraude! Impostores! Cambada de...
Mais não ouviu. O pseudo recepcionista constatou, átono:
‑ É a sua vez. - Sem hipótese de replicar, o escritor viu‑se noutro espaço completamente diferente.
Abriu lentamente a porta. Escuro. Entrou com cautela. A entrada sumiu‑se nas suas costas. Escuridão total. Silêncio absoluto. Uma incrível sensação de ausência de espaço. Mas não era o vazio. Porque o vazio, por definição, não tem nada. Vitor ainda existia. Logo, aquilo não era o vazio. E mesmo que se negasse a sua pessoa, seria impossível afirmar o vazio. Porque o vazio não tem cheiro. E ali cheirava.
O escritor sentiu‑o. Doce mas desagradável. Forte mas impessoal. Um cheiro indescritível, mas que Vitor reconheceu. Cheirava a Morte. Não era o cheiro dos cadáveres. Não!, era mesmo o cheiro a Morte. A Morte tem um cheiro. Peculiar, mas tem. E nós não o conhecemos. Por enquanto. E nem queremos conhecer. Porém, Vitor foi capaz de o identificar, como se lhe estivesse inato, como se desde sempre fosse capaz de reconhecê‑lo. Cheirava a Morte.
Após uma imobilidade que se estendeu por tempo indeterminado, caso ainda existisse tempo, o escritor decidiu avançar. A iniciativa deu origem a uma luz intensa, como que o flash de uma máquina fotográfica que durou vários segundos. Esta passagem do negrume para a luz foi tão violenta que Vitor fechou os olhos com força para evitar a dor. Sentiu uma tontura. Através das pálpebras cerradas apercebeu‑se da normalização da iluminação exterior. Cautelosamente, abriu os olhos preparado para qualquer choque. Já estava a ficar habituado àquilo. E agora, que aceitara que estava morto, sentia-se mais à vontade.
O átrio era amplo. Os tons e os efeitos de iluminação faziam-no sentir como se estivesse num hotel. Não havia, porém, uma única peça de mobiliário. Nem sequer havia paredes. Não havia limites. Era tudo um único espaço ilimitado, impossível de existir no interior do casebre no qual entrara. A luz espalhava-se suave, branca, e o cheiro mudara radicalmente para uma fragância feminina e aprazível. Ouvia‑se música clássica que o escritor reconheceu como sendo a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvörak. Mais à frente, muito erecto, estava um sujeito. Tinha o olhar fixo no infinito. Vestia como um empregado de hotel, em tons púrpura. Mãos atrás das costas, queixo levantado, peito inchado. Uma pose muito profissional. Foi para ele que o escritor se dirigiu. Mas o sujeito antecipou‑se, interrogando:
‑ Bom dia. Deseja entrar?
‑ Entrar? Onde?
‑ Como? Você está no Edificio da Verdade e não sabe?
‑ Edificio da Verdade?
‑ Nome?
‑ Vitor Cardoso.
‑ Sim, está marcado. Tem tido dúvidas existênciais?
‑ Sim, por vezes...
‑ Então quer entrar.
Vitor ia responder, mas algo lhe desviou a atenção. A seu lado, sem barulho mas com muita luz, materializou‑se um sujeito idoso. Vinha com cara de poucos amigos e retirou‑se gritando:
‑ Fraude! Impostores! Cambada de...
Mais não ouviu. O pseudo recepcionista constatou, átono:
‑ É a sua vez. - Sem hipótese de replicar, o escritor viu‑se noutro espaço completamente diferente.
(continua)
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