16.5.06

"O Edifício da Verdade" (25)

Cá fora, como já se tornara usual naquela noite, encontrou outro espaço. Já não se encontrava no Bairro Alto de onde viera. Já não havia prédios, não havia passeios, não havia candeeiros. Já não havia cidade.
Ao escritor apresentou‑se um caminho, ao estilo de entrada de quinta, rodeado de pinheiros mansos cuidadosamente plantados, cujas copas impediam qualquer vislumbre do céu estrelado. Já não chovia. Já não estava frio. Vitor apercebeu-se de que secara.
Seguiu em frente. Sob os seus pés, uma areia fina defendia‑o, proporcionando‑lhe um agradável caminhar. Sentiu‑a quente, como numa praia ao pôr‑do‑sol de Verão, a correr por entre os dedos dos pés, adaptando-se à volta destes, afundando-se sob o calcanhar. Escutou com atenção, mas não ouviu nada. Nem vento, nem gente ou animais. Nada. Um silêncio de Morte. Seguiu em frente.
What will you do, when you're lonely? / Nobody waiting by your side? - Eric Clapton, Layla. Lembrou‑se, pois sentiu‑se só. Isoladamente só.
Caminhava calmamente. Passo firme mas pausado. Tentava absorver o momento, não obstante a ansiedade proporcionada pela incapacidade de prever o que se seguiria. Ainda assim não se sentia amedrontado. Pelo contrário, a calma, a Paz... Não era uma sensação real, comum. Nem no sono se consegue atingi‑la. Isto sim, intrigava‑o.
Passos perdidos, incontáveis, conduziram o escritor ao longo do corredor natural, irreal. A luz difusa vinha de nenhures. Lá ao fundo, focos de partículas luminosas indicavam movimento. Aplicava‑se literalmente a expressão "luz ao fundo do túnel".
Caminhou até que, por fim, as árvores acabaram. Desembocara numa planície, ou antes, num areal extenso, sem sombra de mar. Em qualquer direcção, podia ver‑se o infinito, à excepção daqueles dois edifícios.
Eram duas grandes discotecas, decerto. Cá fora não se ouvia nada porém, os seus nomes e cores eram sugestivos. Do lado esquerdo, com luzes vermelhas fogo, a estrutura de néon ostentava em grandes letras a palavra INFERNO. Do outro lado, azul gelo, com um ar frígido e insípido, o CÉU, a letras garrafais anunciado.
Vitor Cardoso parou. Olhou demoradamente os dois edifícios cujas luzes acendiam e apagavam com ritmos incertos. Conseguia ver os distintos porteiros, os dois com ar de quem está à porta de uma discoteca.
"Morri." ‑ foi o pensamento. ‑ "Morri, e tudo aquilo que neguei em vida, confirma‑se na morte. Pior…, depois da morte é tudo uma piada de mau gosto."
Com resignação, encaminhou‑se para o INFERNO onde julgou, por natureza, ter lugar reservado. Não ousaria a entrada no Reino dos Céus.
(continua)

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