30.7.04

O Rei vai nú

Fui ver o Farenheit 9/11 no dia da estreia. Por mero acaso. Tinha tempo livre, e proporcionou-se a ida ao cinema. Surpreendeu-me a reacção de uma grande maioria dos espectadores da sala 1 do Monumental (quase esgotada), que no fim do filme sentiram a necessidade de aplaudir. Sim. Aplauso. Palmas.
Vejo tal acto como catarse, depois de terem visto na pantalha a outra opinião americana, a de esquerda, a de um radical. Tipo Bloco de Esquerda, quando começa a apontar o dedo e a falar mais alto ou com mais sentido do que é esperado daquela franja do espectro político.
Michael Moore começa por onde navegou no seu livro Stupid White Men and Other Sorry Excuses for the State of the Nation. Porém, o livro foi editado antes do 11 de Setembro, e muito se passou desde então. É a partir daí que o filme toca em questões que evidenciam o contrasenso dos americanos e, em particular, da actual Administração que, por tão evidente, cai no ridículo e denuncia a sua perversidade.
Avaliando a preponderância dos EUA nos últimos cem anos no desenrolar da História mundial, creio que a maioria das suas opções políticas nas relações externas foram problemáticas. Os envolvimentos bélicos (cada Presidente tem que ter o seu), as intervenções e manipulações em países soberanos, questionando essa mesma soberania, (particularmente na altura em que URSS e EUA brincavam aos Senhores do Mundo e os outros que se lixassem), as políticas e sanções económicas que visaram derrubar ou sustentar governos criaram bolas de neve que desde então descem a montanha. E, paulatinamente, tais avalanches acabam por atingir alguém, nomeadamente quem lhes deu origem.
Por isso, é bom que surjam vozes como a de Michael Moore para apontar que o rei vai nú. Porém, por natureza, tais vozes não são suficientemente fortes para arranjar soluções. Ficam-se por denunciar as cabalas, as contradições e irregularidades do poder instituído e, como um polícia vigilante, minimizar as probabilidades de se repetirem os comportamentos desviantes dos governantes.
Veja-se, mais uma vez, o Bloco de Esquerda. Está aí, com representação parlamentar e cada vez mais eleitores. Volta e meia é a voz dissonante que melhor oposição faz, pois o PS e o PSD, quando oposição, visam o poder e sabem que o podem alcançar, pelo que agem comprometidos. O PCP está atolado no passado, em ideias e discursos desfasados no tempo. O CDS, só tem um discurso vazio e populista. Mas, conseguem imaginar o que seria um governo liderado pelo BE? Ou que nele tivesse lugar?
Vozes como a de Michael Moore ou o BE são essenciais porque não surgem comprometidas com o facto de terem sido governo ou poderem vir a sê-lo a qualquer momento. Porém, devem ser ouvidas com a necessária dose de cuidado, e através do filtro crítico e esclarecido de cada um. Porque, se nem tudo o que Farenheit 9/11 expõe será assim tão linear, muito denuncia, e deixa antever que estamos todos nas mãos de uma cambada de energúmenos sem sentido de dever e responsabilidade, mas apenas movidos por interesses imorais.
Vale a pena ver o filme. Mas atenção! Não é um documentário como o Bowling for Columbine, que o realizador/autor expôs factos e desenvolveu a sua tese, os seus pensamentos sobre a matéria das armas e da violência a elas associado. Este filme é um panfleto, um manifesto de oposição que visa acicatar o espectador, de forma a fazê-lo pensar e agir.
Contra Bush.

Será que daqui a dois anos, antes das próximas eleições legislativas, teremos um filme manifesto anti-Santana Lopes?

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