30.11.05

Ventos de mudança?

Ontem, na SIC Notícias, foi para o ar um debate sobre a Justiça, tendo como mote os eventos ocorridos no VII Congresso da ASJP. Estavam presentes o Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, o Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Baptista Coelho, o Bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, um vogal do Conselho Superior da Magistratura, Edgar Lopes e, pelo Governo, não o seu Ministro da Justiça, mas um dos Secretários de Estado, João Tiago Silveira.
Não deixa de ser sintomático que não tenha sido o próprio Ministro a defender a sua dama perante interlocutores tão destacados. Porém, quem vê Tiago Silveira percebe duas coisas: o discurso esconde-se no seu estilo habitual transmite charme, boa disposição, simpatia; contudo, ao nível do conteúdo, assenta em ideias pré-estruturadas do discurso oficial do Governo para debitar, recitar, sendo inconsequente perante interpelações directas.
O discurso do Governo é vago e tem pés de barro. Basta ver a incapacidade do Secretário de Estado de justificar cientificamente as afirmações feitas quanto ao alegado aumento de produtividade decorrente da alteração às férias judiciais, derivando sempre para o discurso do "que já fizemos", não obstante as diversas insistências da moderadora.
Por outro lado, foi a primeira vez que vi a incapacidade de reacção do Ministério à (feroz) oposição de todas as profissões dos operadores judiciários, por não lograr ultrapassar a legitimação decorrente do discurso do Presidente da República no referido Congresso.
Retomo a ideia: se este discurso tivesse sido feito em meados de Outubro, seguramente se teria poupado a semana negra das greves nos Tribunais.
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Findo tal debate deparei com o programa "Parlamento", no canal 2:, onde estavam deputados representantes de todos os partidos com assento parlamentar. Mais uma vez pude constatar
1 - o isolamento do PS, nas questões relativas à Justiça, mais concretamente à forma como abordar as necessárias intervenções no regime;
2 - a censura relativamente à campanha infame movida contra a magistratura judicial;
3 - o cada vez maior isolamento, mesmo dentro do PS, do Ministro Alberto Costa e do seu estilo arrogante e desafiador;
4 - a pobreza do discurso de Ana Drago, completa desconhecedora da realidade que comentava, acentuando ainda mais a ideia de que o Bloco de Esquerda não está suficientemente habilitado para assumir as responsabilidades emergentes dos seus resultados eleitorais.
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Ouvem-se rumores de que o PS estará a cozinhar uma remodelação governamental para ocorrer mesmo antes do fim do mandato de Jorge Sampaio, para não correr o risco de ter que se sujeitar ao crivo de um novo Presidente, leia-se Cavaco Silva. Alberto costa seria uma das cabeças rolantes.
Pode ser uma fantasia, ao fim de oito meses de governo. Assim pensei quando ouvi o rumor. Agora já estou a ter outra opinião. Se calhar é mesmo verdade.

29.11.05

Jardinagem

Ferndando Meireles, realizador brasileiro do fabuloso filme que é "A cidade de Deus" foi recrutado para uma produção americana, com interpretações inglesas e locações africanas, londrinas e berlinenses. Falo do "The constant gardener", filme baseado na obra homónima de John Le Carré, mestre da conspiração e espionagem.
A história move-se no seio da comunidade diplomática britânica, e a intriga deixa de lado as habituais espionagens internacionais para dar lugar à conspiração económica no mundo da indústria farmacêutica e dos testes indiscriminados em doentes carenciados do continente africano, neste caso Nairobi, Quénia.
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Com sensíveis interpretações de Ralph Fiennes e Rachel Weisz, a segura criatividade de Fernando Meireles guia-nos por uma visita ao lado africano que estamos habituados a ver exclusivamente pela mão dos repórteres, e nas fotografias de desgraça que costumam ser expostas na World Press Photo. Mais uma vez nos aproximamos dos personagens, quem sabe demais, e queremos que eles ajam de forma diferente. MAs não são heróis, super-heróis... são gente, comum, empenhada, apaixonada.
A intriga não nos põe ansiosos por descobrir o que quer que seja. Meireles antecipa o fim e dá todas as pistas para lá chegarmos. Apenas nos oculta o caminho.
É, pois, um filme seguro, agradável, emocionante e, sem dúvida, para ver.

28.11.05

O congresso dos Juízes

Decorreu nos dias 24 a 27 passados o 7º Congresso dos Juízes Portugueses, organizado pela ASJP. Foram várias as notícias que passaram nos meios de comunicação social, sejam eles a imprensa escrita, as rádios ou as televisões. Li, ouvi e vi poucas dessas peças jornalísticas ou mesmo de opinião, pelo que apenas me poderei pronunciar, nessa matéria, sobre uma ou duas questões. Adiante lá chegarei.
Neste congresso os Juízes debateram temas actuais relativos ao desempenho da profissão, como sejam as novas tecnologias (vantagens, perigos, falta delas, desejos de futuro), a formação dos novos magistrados, a liberdade e independência do julgador, os desafios do associativismo. Não foi, por isso, um congresso meramente reivindicativo ou corporativista. Não foi uma reunião da Associação Sindical. Foi uma reunião por onde passaram mais de 400 juízes, mais de um quarto da classe.
Contudo, e no meio da actual situação da Justiça, à qual se criou o hábito de chamar crise(de tão prolongada já deveria ter passado a depressão) é natural que o congresso fizesse eco do descontentamento da judicatura. E assim aconteceu, logo na sessão de abertura solene pela boca do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quarta figura de Estado na hierarquia do Protocolo.
É sintomático ver alguém com aquela idade, aqueles anos de serviço, toda a experiência acumulada pronunciar-se nos termos em que o fez. Não sou dado a resumos, por isso recomendo a leitura da sua comunicação aqui, no site da ASJP, onde basta clicar na identificação do orador para aceder ao texto.
Mas curiosa foi a resposta que se seguiu pela boca do Sr. Presidente da República, o qual, aparentemente, só agora terá percebido o que realmente está em jogo na reivindicação da judicatura. Tarde reparou, porque se este discurso (também disponível no referido site) tem sido proferido há mês e meio seguramente teria sido poupada uma greve que aconteceu como medida extrema de apelo. Ainda assim, que fique clara a censura à forma afrontosa como o actual Ministro da Justiça conduz os desígnios do Governo nesta área.
Seguramente discordo de tais caminhos, mas se fossem trilhados de forma segura, digna e com respeito pelos envolvidos, ouvindo-os e aceitando discutir apontadas imprecisões ou imperfeições, teria que engolir em seco e esperar pela mudança de política ou de governo da Nação. Agora, perante tal postura do Presidente da República que, note-se, igualmente deixou palavras de censura aos Juízes, o Sr. Ministro da Justiça deveria repensar a sua estratégia. Porque a palmatoada vem de quem o nomeou, de quem, constitucionalmente, depende.
Após os trabalhos seguiu-se a sessão de encerramento. E mais uma vez, uma voz representativa dos Juízes, desta feita o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, apontou o dedo ao que deve ser repensado, e traduziu o estado de espírito de uma classe profissional com responsabilidades soberanas. Recomendo igualmente a leitura do seu discurso.
Agora, se se derem ao trabalho de fazer a leitura que recomendo, vejam bem se, como ouvi na rádio (Antena 1) e li nos títulos de primeira página (DN), o Ministro da Justiça ofereceu colaboração aos Juízes e estes a recusaram. O discurso de Alberto Costa reiterou a correcção das políticas já tomadas, foi púlpito de anúncio de novas medidas, e de forma autista, ignorando a queixas ecoadas pelos presidentes dos dois Supremos Tribunais, apelou à intervenção seguidista dos Juízes em tais desmandos governativos. Não se estranhe, pois, que perante uma plateia de perto de 500 pessoas, apenas a comitiva do Ministro, e os convidados, aplaudiram as palavras daquele governante.

Já vai longa a minha conversa. Para além dos apontados discursos (Presidente do STJ, Presidente do STA, Ministro da Justiça e, porque não, as do Presidente da ASJP) recomendo vivamente a leitura do texto da comunicação do Dr. Orlando Afonso (erradamente atribuída no site ao Dr. João Aveiro Pereira), sob o título “A independência do Poder Judicial: uma morte anunciada”. O tom leve e irónico esconde uma preocupação real e perturbadora. A ligeireza do descurso governativo, opinativo, jornalístico e do cidadão comum arrastam para uma posição indesejável o soberano poder judicial.

23.11.05

"O Edifício da Verdade" (7)

A relação entre Vitor, Diogo e Marcello nasceu na adolescência, quando as aulas eram o dia-a-dia e os sonhos do futuro enchiam as conversas e as cabeças dos três.
Com o passar dos anos, cada um seguiu uma carreira diferente e começaram a afastar-se. Os tempos não eram os mesmos, os locais frequentados também não, e as dores de crescimento alimentaram uma separação inevitável. No passado se quedaram as memórias de Verões infindáveis de praia, de viagens de comboio e à boleia, de partilha dos primeiros automóveis nas estradas de Espanha e França.
Um dia, já Marcello singrava na juventude partidária da sua cor dando indícios de sucesso, Vitor apercebeu-se de que aquele homem não teria contemplações com nada nem ninguém para alcançar os desígnios políticos que traçara na adolescência. A constante politização do discurso, das escolhas, das amizades tornou-se cansativa e intolerável. Vitor passou a desgostar da companhia do amigo e a consideração por este caíu a pique.
Marcello perdeu o estatuto de amigo, camarada, cúmplice. Era agora apenas mais um conhecido cuja presença lhe custava tolerar.
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Três vodkas e três whiskeys mais tarde, estavam ainda no mesmo sofá, ao canto, revivendo aventuras e contando novas experiências. Vitor já caminhava para o esquecimento. Diogo sentia‑se apenas alegre.
‑ Olha, escritor, que tal escreveres sobre aquilo. Ele trata‑a abaixo de cão. ‑ com o olhar apontou uma cena constrangedora. À volta de uma pequena mesa, um grupo ria. Entre eles Marcello. Ao seu lado, sentada no chão, Isabel, visivelmente embriagada, aconchegava‑se às pernas dele, alheia à sua indiferença.
‑ Grande porco! ‑ era incrível como uma festa daquelas, livre dos elementos mais conservadores e dos fotógrafos que entretanto se tinham retirarado, degenerou. A cena da Isabel passava despercebida no ambiente geral. O álcool, a coca, o ecstassy e até mesmo o LSD tinham lançado a mão e tocado o espírito de toda a gente. Os aniversariantes, esses, deviam já estar a celebrar em privado na sua outra casa na Ericeira.
(continua)

O cinema das relações

O cinema francês já nos habituou a tratar as relações humanas com uma profundidade, beleza e sensibilidade que o cinema norte-americano apenas ousa atingir em algumas esporádicas produções independentes.
Fui ver o "Les Poupées Russes", sequela de um outro filme que agora tenho que, desesperadamente, ver "L'auberge espagnol".
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Ainda não sei explicar a sensação que me invade quando vejo filmes como este. Pouco depois do início da projecção sinto-me tão próximo dos personagens que a sua vivência me afecta. Aqueles personagens poderiam ser gente normal, das minhas relações pessoais e por isso envolvo-me com a acção. Rio-me com gosto, sinto com intensidade, apetece-me interagir com eles, falar-lhes, dar a minha opinião.
E o realizador, Cédric Klapisch, tem pormenores deliciosos, criativos, seguros.
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O actor principal, Romain Duris, foi recentemente descoberto por mim no filme "De tanto bater o meu coração parou". Mais um actor francês a encher a tela, desta feita acompanhado, soberbamente, por Audrey Tautou (lembram-se de Amelie), Cecile de France, Kelly Reiley, Kevin Bishop e Evguenya Obraztsova, entre outros.
Recomendo o visionamento deste filme. Não só vale o preço do bilhete, como será uma pena perder cinema deste.

22.11.05

"O Edifício da Verdade" (6)

Quando foi servir‑se de um vodka limão, reparou novamente naquela mulher que entrara com Marcello. Algo cativava a sua atenção e isso não passou despercebido. De uma ponta para a outra da sala cruzaram olhares curiosos.
Aquele olhar. Aquele não era um olhar casual. Quando uma mulher olha assim para um homem, quer dizer "Olá! Quem és tu?". Sentiu­-se impelido para lhe dar uma palavra, mas não o fez. Parou, olhou à volta procurando Diogo. Estava na outra ponta da sala a falar com Marcello, alguém de quem Vitor se afastara conscientemente ao longo dos últimos anos. Procurou‑a de novo. Viu o vazio no local onde estivera segundos antes. Virou-se para circular e lá estava ela, sorrindo, metendo conversa.
‑ Olá, eu sou a Isabel.
‑ Olá. ‑ respondeu sem convicção, ‑ Vítor Cardoso. ‑ sorriu.
‑ Gostas de gatos?
‑ Gatos?
‑ Sim gatos. Têm pêlo, quatro patas, cauda e fazem miau.
‑ Mais ou menos...
‑ Como mais ou menos?
‑ São giros, na casa dos outros.
‑ Oh!, que pena... ‑ fez beicinho.
‑ Pena?
‑ Sim... é que a minha gata pariu uma ninhada e eu ando a ver se os distribuo.
‑ Não, eu não sou uma boa escolha. Aliás, tenho um cão cujo passatempo é papar gatos.
‑ Ah!, que crueldade.
Fora incapaz de resistir à tentação da mentira. Mas aquela mulher não podia ser normal, considerando a abordagem que lhe fizera. Que estaria ali a fazer? Não tinha nada a ver com a festa, com as pessoas que estavam presentes, que assumiam uma pose e procuravam não a perder durante aquelas horas de exposição pública. Mais ninguém na sala o abordaria assim.
Isabel não era alta. Na melhor das hipóteses, tinha 1,60m, ou seja, menos um bom palmo que Vitor. Também não era bonita, deslumbrante, artificial. Mas não era feia. Era... sensual, isso sim. Cabelo encaracolado, curto mas não muito, loira... Notava‑se que usava lentes de contacto nos olhos castanho amendoados. Busto pequeno, e ancas largas eram as formas evidenciadas pelo vestido de noite escuro que a desfavorecia, não obstante expor os ombros delicados e atraentes. Vitor julgou-a como sendo mulher para ver de ganga.
Enquanto com ela falava, certas expressões faziam‑lhe lembrar um dos seus ídolos de sempre, Janis Jophn. E conforme a foi conhecendo, mais essa sensação aumentava. Imaginou‑a em palco. Imaginou‑a na cama.
A conversa tomou rumos mais agradáveis do que qualquer outra que se escutasse naquele salão. Discos, filmes, livros, gostos comuns e outros nem por isso. Nas escadas, um casal descia, incapaz de esconder que fora satisfazer a sua líbido na convencionada rapidinha. Dos lavabos, dois jovens casais vinham a rir. Não eram gargalhadas naturais. Para os mais conhecedores, era indiscutivelmente o efeito dessa dama branca que dá pelo nome de cocaína.
Diogo e Marcello aproximaram‑se. Este último cumprimentou‑o efusivamente, incapaz de se aperceber que Vitor já não prezava a sua companhia. Contudo, por viver naquele mundo hipócrita, o escritor habituara‑se a ocultar os seus verdadeiros sentimentos.
Após cinco minutos de conversa de circunstância, coroada com diversas risadas forçadas e alguns sorrisos amarelos, Marcello afastou‑se. Atrás dele seguiu Isabel. A mulher agia como que enfeitiçada, olhando‑o como se nunca tivesse conhecido outro homem. A sua atitude foi tão óbvia que Vitor não a conseguiu ignorar. De um momento para o outro viu‑se só, sob o olhar fraterno do compreensivo Diogo.
‑ Esquece‑a, pá, não é mulher para ti... E vê‑se que está caída pelo Marcello. Realmente nunca percebi o que é que o gajo tem que as atrai que nem mel.
‑ Está no Governo, tem dinheiro e é um filho‑da‑puta. ‑ levantou‑se para ir buscar outro vodka. Com um simples olhar encarregou‑se de trazer mais um whisky velho para o arquitecto.

21.11.05

'Tá-se mesmo a ver

Creio que o PS vai ter uma nova e brilhante ideia para conter o défice. E depois diz que fazem o que países mais evoluídos estão a fazer.
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Para conter o elevado défice público
Governo alemão quer reduzir para metade 13º mês dos funcionários públicos
O diário alemão "Bild am Sonntag" noticiou ontem que a nova coligação governamental alemã, chefiada pela chanceler Angela Merkel, pretende reduzir para metade o 13º mês pago aos funcionários públicos e pensionistas já a partir de 2006.
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Entretanto, abriu a caçada presidencial, digo, a pré-campanha para as presidenciais e a opinião pública é intoxicada com as declarações, ou a falta delas, dos candidatos. Por mais ocas que sejam, e distantes da visão possível da figura do PR tal como está desenhada na Constituição.
Começo a estar cansado. Tão cansado.

17.11.05

Questões de peso

Não obstante estarmos a chegar ao Inverno, este Urso Polar não irá hibernar. Logo, não está a investir na "engorda" para aguentar meses sem comer. Pelo contrário.
Cheguei ao ponto em que o peso se estava a tornar um problema. Recorri a ajuda médica, porque é mais fácil fazer algo que um médico nos diz, do que respeitar a opinião inúmeras vezes ouvida da boca de leigos.
Nos últimos dois meses perdi 13 quilos. E que foi que fiz? Deixei de comer fritos, doces, refrigerantes, e passei a comer pequenas quantidades de comida durante o dia para não comer tanto às refeições. Bebo ainda mais água e regressei ao ginásio (com altos e baixos quanto à frequência).
Os resultados imediatos surpreenderam-me. Rapidamente passei a flutuar na roupa que agora parece enorme. Não deixo de pensar que maus caminhos trilhava.
Não é só a questão estética, que naturalmente também conta. Este ano, na praia, pela primeira vez senti que a barriga estava maior do que devia para quem tem a minha idade... É a saúde. O cansaço por exigir ao corpo aguentar-se com o peso excessivo. Do coração em esforço. Da coluna vertebral (e uma hérnia de estimação) sempre sobre pressão. O ressonar que se acentua, tornando as noites menos pacíficas. O acordar logo em esforço.
É tão fácil sermos obesos. Tão difícil evitá-lo. Felizmente, pelo meu médico são permitidas prevaricações "em dias de festa". Caramba!, em Outubro imensa gente fez anos...
Nestes tempos recentes de dieta, olho de forma diferente para as pessoas que me rodeiam, com quem me cruzo na rua, nos transportes. E que vejo eu? Cada vez mais excessos.
Parece que apenas há dois tipos de pessoas: os que não se ralam e são obesos, progressivamente mais quanto maior a idade; e os que se preocupam e são tão magros, demasiado magros, com um ar frágil e débil.
Ou seja, o que deveria ser o normal, o ponto de equilibrio, é conseguido por uma minoria.
Oiço notícias dos encargos para a saúde derivados do peso. Cardíacos, respiratórios, ósseos, diabetes, falência de orgãos, e estranho a inexistência de um plano nacional que lute contra aquilo que já é uma epidemia. Assim como se combate o tabaco, a droga, o álcool; assim como se divulga a luta contra o cancro, a SIDA, a recente gripe das aves, dever-se-ia investir na luta contra a obesidade, o sedentarismo, a inércia.
E obrigar as pessoas a olhar com desconfiança para a comida que diariamente nos é oferecida nos restaurantes, cheia de fritos, massas folhadas, carnes gordas, açucares e chocolates, e refrigerantes.
Eu sei que sabem bem. Mas com o tempo, tornam-se hábitos maléficos.
Até há dois meses eu não prescindia deles.

16.11.05

"O Edifício da Verdade" (5)

Apanhou um táxi, tendo por destino a casa do editor. A festa de aniversário do seu casamento, o segundo, por sinal. Não tinha muito prazer na celebração. Mas o homem era uma peça deveras importante e, de maneira alguma, poderia fazer‑lhe uma desfeita. Decerto encontrar‑se‑ia com a concorrência, com muita gente oca e, sentindo‑se desenquadrado e sem trabalho pela frente, lá iria acabar por beber mais do que seria aconselhado.
Eram oito e um quarto quando tocou à campainha. Um empregado de ocasião, muito prestável, abriu‑lhe a porta, recebendo‑o e ficando‑lhe com o sobretudo. Ainda não estava muita gente. No salão, quatro casais e um grupo de três jovens moças já bebericavam alguns aperitivos. Conhecia‑os de outras festas, as mesmas poses, as mesmas bebidas. Felizmente viu Carlos Morais, o editor, acompanhado da bela esposa Cláudia. Estavam de pé, muito bem vestidos, escondendo excelentemente que já caminhavam para lá dos cinquenta.
Cumprimentou‑os, felicitou‑os e, a título de presente, entregou a Carlos o CD-ROM.
‑ Parabéns. Aceita como prenda. Se te der tanto dinheiro como o último, será a prenda mais valiosa de hoje. Também o mandei por e-mail para o teu endereço na editora.
‑ Obrigado. Vou pôr isto a imprimir. Talvez ainda o comece a ler hoje.
‑ Não faças isso. Esse é para começar e acabar logo de seguida. Não dou tempo para respirar. E, aliás, acho que hoje deverás ter outras coisas para, fazer na cama para além de ler, não?
Riram ambos perante Cláudia que corara ligeiramente, mas não evitara um sorriso cúmplice. Faltava pouco para o enfadonho jantar. A noite ia ser longa. Muito longa.
Para o jantar, o grupo foi reduzido. Vinte pessoas à volta de uma mesa em que se serviram as melhores iguarias preparadas por requintadas mãos, e em que o nível cultural foi extraordinariamente baixo. Vitor odiava estas ocasiões. Odiava as formalidades e odiava o vácuo intelectual que o rodeava. Sempre grande apreciador de conteúdos, desprezava o superficial. Por isso se sentia mal nas festividades da chamada alta sociedade. Uma alta sociedade frágil, construída no dinheiro, inundada pelo novo riquismo consumista, e incapaz de uma única criação cultural.
Já estavam longe os tempos em que tentara mudar alguma coisa. Mas depois de por várias vezes se sentir alvo de chacota e incompreendido ao tentar originar conversas dignas de tal qualificação, desistiu, passando a ser mais um peixe a seguir a corrente. Não se tornara um deles, mas também não faria mais nada para os contrariar. Arrumara‑se na sociedade. E apenas não renunciava àquelas provações por delas depender. Não tinha o estatuto de génio incompreendido para se poder alienar do meio que o alimentava e por isso, sem prazer, mas com um objectivo, deixava-se arrastar pelos ventos áridos.
Depois de um jantar em que fez questão de consumir uma boa quantidade dos excelentes vinhos servidos, encostou‑se a um canto do salão bebericando um Porto enquanto assistia à entrada, pelo lado oposto, daqueles que foram convidados apenas para a festa. Era de um mau gosto terrível. Juntava gente que, na mesma noite, sabia ter tido um tratamento diferente. Amigos de primeira, e amigos de segunda. Os senhores e a plebe.
Esperava sinceramente ver alguém do seu agrado. Via caras angustiantes. Via ex‑amigos. Via pessoas que lhe vinham falar, mas das quais queria distância. Via mulheres com as quais cometera erros. Via esposas com as quais enganara os maridos que agora as levavam pelo braço. E no meio de tanta gente era incapaz de encontrar sobre o que escrever, tal era a falsidade que o rodeava.
Sentiu um prazer incontrolável quando viu entrar o seu amigo e companheiro Diogo. Este, assim que se livrou dos aniversariantes, encaminhou‑se para Vitor com um enorme sorriso.
Diogo era um arquitecto com algum renome apesar dos seus trinta e três anos posto que tinha um estilo muito próprio no seu trabalho que já lhe ia dando destaque e reconhecimento. Em pessoa, também não seguia as convenções e era dos poucos que não estava formalmente vestido. Envergava umas calças de fazenda preta, sobre umas grossas botas de Inverno, assim como uma camisola de gola alta negra e um blazer da mesma côr, mas com uns leves traços de um vermelho morto que desenhavam um quadriculado largo. Cabelo curto, barba pequena apenas à volta da boca e no queixo, óculos ovalados pequenos, sem aros e hastes quase invisíveis de tão finas. Não obstante a simplicidade das escolhas, era incrível como sobressaía do vulgar se bem que, se assim o desejasse, conseguiria passar despercebido.
‑ Vitor, grande escritor, como vai isso?
‑ Menos mal, menos mal. E contigo arquitecto de prédios para demolir? ‑ retribuiu enquanto trocavam um caloroso abraço.
‑ Óptimo, óptimo. Já não te via vai para um par de meses.
‑ Estive enclausurado a acabar o último conto de fadas. Aliás, cheguei a ir um mês para os Açores para acelerar o trabalho.
‑ Açores? Bem, bem... Eu fiquei por cá. Acabei agora uma sede de empresa, daqueles edifícios que ninguém gosta, a não ser quem os criou.
‑ Mais uma torre branca?
‑ Exactamente. Vou agora gozar um mês de férias. Queres vir?
‑ Também mereço. Mas..., e aquela moça, a Mariana?
‑ Já era. Sabes como é..., nunca consigo aguentá‑las mais que um ano... Por isso é que podíamos ir juntos. Partir para o engate. Suponho que ainda não encontraste a mulher, pois não? - entoou com gozo.
‑ Não. Nem de perto.
‑ Estás a ir pelo mau caminho. Faz como eu. Se ela existir, encontrar‑te‑á.
‑ Vamos a ver, vamos a... Olha lá, ‑ disse mudando o tom, - ­aquele não é o Marcello?
Diogo virou‑se e assentiu:
‑ Sim, ele, a irmã e uma tipa que não conheço. ‑ quando voltou a olhar para Vitor, viu‑o concentrado na desconhecida.
‑ Não... aquilo não, Vitor. Nem sonhes com ela. Não é mulher para ti. Encontrarás muito melhor.
- E porque dizes isso com tanta segurança?
- Ela está com o Marcello, não está? – deixou no ar.
(continua)

15.11.05

Wallace & Gromit - A Maldição do Coelhomem

Já o fui ver há mais de uma semana, mas só agora arranjei um tempinho para escrever umas breves palavras sobre este
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fantástico filme.
Sou incondicional fã destes filmes, destes personagens. Dificilmente saíria desiludido de um filme como este.
Só que, desta vez, satisfeito não é a palavra que possa utilizar para descrever a forma como saí da sala no fim do filme.
Eu fiquei insatisfeito por o filme ter apenas 80 minutos e não 24 horas. Por terem que passar uns anos até estrear outro filme da série. Por Wallace & Gromit não poderem estar mais amíude junto de nós.
Porque inexistem adjectivos positivos suficientes para descrever a aventura desta parelha, as inúmeras referência cinematográficas, evidentes e escondidas, as piadas de recorte fino e britânico, o humor de cariz sexual dissimulado lá pelo meio.
A história, perfeita para animação. O tempo, o ritmo, perfeitos para a duração do filme. A emoção e o suspense em dose exacta. As gargalhadas garantidas com as piadas bem pensadas.
5 estrelas é pouco. Este é um filme para ver e rever.
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E a curta metragem de abertura, protagonizada pelos psicopatas pinguins de Madagáscar é um hino à animação. PAra aquecer a sala. E pôr a lágrima de riso ao canto do olho.

14.11.05

"O Edifício da Verdade" (4)

Sete horas. O sol já quase não se via, o que levara a temperatura a descer para a escala do frio. Doze de Outubro. Céu limpo. Acentuado arrefecimento nocturno.
Saíu de fato escuro e um laço ao pescoço. O sobretudo protegê‑lo‑ia do vento e do frio que caminhavam juntos vindos do mar. Desceu a pé as ruas estreitas daquela parte velha da cidade, encaminhando‑se para o rio. Seguiria ao longo deste até ao Cais‑do‑Sodré, onde apanharia o comboio.
Apesar de todo dinheiro que ganhava, Vitor não tinha carro e evitava conduzir. Decidira ser radical no momento em que quase se matou. Ia a caminho dos trinta quando bateu com o seu BMW a mais de duzentos quilómetros por hora. Ia bêbado, e não se lembra de nada a não ser de acordar no hospital. Sentiu-se então perante a necessidade de escolher, um dilema. Ou deixava de beber ou de conduzir.
Na sua vida, o álcool tinha marcado as grandes viragens. Tivera as melhores ideias sobre os efeitos do álcool. Conhecera e perdera as melhores mulheres sob os efeitos do álcool. Apertou a não ao Presidente da República sob os efeitos do álcool. E por causa do álcool, seu amigo inseparável, deixou de conduzir.
Não tinha medo de andar a pé. Nunca fora assaltado e acreditava que nunca o seria. Além do mais, gostava de andar junto com as pessoas, junto com a mole humana. Gostava de olhar alguém e imaginar quem seria, como seria. E se a ideia lhe agradasse, de imediato puxava do papel e escrevia o que lhe vinha à mente. Assim criava os seus personagens.
Era‑lhe por demais agradável moldar aqueles que o rodeavam. Trabalhá‑los a gosto, dando vida a imagens que nos são indiferentes. Quantas vezes nos cruzamos com as mesmas pessoas, aquelas que todos os dias nos acompanham nos transportes públicos? Quantas vezes desejamos saber quem são? O que são?
Para Vitor era diferente. Andar de comboio, de autocarro, de metro, não era rotina. Era uma viagem à fonte da criação. Uma investida ao reino da matéria‑prima. Para ele as pessoas nunca eram as mesmas. E nunca ficavam vazias pois que, apesar de com elas nunca comunicar, acabava sempre por as encher, as completar. Aquela velhinha de ar triste? Está desolada por o neto se ter deixado envolver pelo mundo da droga. Aquela jovem com ar sonhador? Descobriu que vai ser mãe dentro de meses. Aquele velho rabujento? Um autêntico Scrooge português. O jovem com olhos frios? Procura coragem para fazer frente àquele que o explora. Ou não! Ou algo completamente diferente!
No fundo era isto. Os transportes públicos um dos lugares mais férteis em matéria‑prima. Gente feia, gente bonita. Gente rica, gente pobre. De tudo se vê. Do pedinte ao jovem empresário. Da matrona à senhora de bem. Crianças, velhos, toda a gente acaba por andar de transportes públicos. E as conversas? Como era, delicioso ouvir uma conversa alheia e buscar nela uma ideia nova. E cortar o que se acha mal. Refazer, reescrever, elaborar, cortar, meter, dominar tudo e todos...
O poder...
Tocou levemente no CD que levava no bolso do casaco. Ali estava a sua última criação. Idealizara toda a trama enquanto olhava para dois casais de jovens que alegremente conversavam num café. Esses jovens, que não conhecia de lado nenhum, mas que no seu espírito criara e dominara, eram os seus personagens. Às vezes pensava se porventura essas pessoas, caso lessem os seus livros, se reconheceriam. A forma era a mesma. O conteúdo, esse, só por sorte coincidiria.
Sentou‑se no comboio, olhando, absorvendo. Adorava a viagem até Cascais. Aguardou o seu começo entre gente que passava. Que escolhia criteriosamente o seu lugar, enquanto o podia fazer. Com o aproximar da partida, aumentam os passos, numa correria frenética, desenfreada. A furiosa luta por um lugar sentado.
Tuuut... Um apito. Um estremeção. Fecham‑se as portas. Solavancos. Movimento. A composição, bamboleando‑se de agulha em agulha, demora a chegar à linha principal. Suavemente, aceleramos.
Santos é uma paragem breve. Porto de Lisboa. Em tons de laranja mortiço, sujo e gasto. Uma parede dos primórdios do século feita de tijolos pequenos, compactos. Porto de Lisboa. Barcos atracados. Sempre sós, sem movimento. Descansando entre viagens, ao sabor das insalubres águas do Tejo.
Alcântara. Nova Paragem. Novo arranque. Ocupam‑se os últimos lugares. Não fora a hora de ponta e teria Vitor presenciado o curioso ritual pelo qual as pessoas se evitam. Ocupam o lugar que resta vago, na esperança de que ninguém o queira tomar. Mas não a esta hora. Não há lugares que o permitam. Por muito má que seja a companhia, não é suficiente para afastar o desejo por um lugar sentado.
A viagem ganha rotina. O comboio acelera e avança uniformemente linha fora. Nuns breves trinta minutos chega a Cascais. Trinta minutos que chegam para tornar o dia em noite.
(continua)

9.11.05

"O Edifício da Verdade" (3)


Alto, moreno, magro, cara pequena, bonito, uns olhos azuis metálicos... Vitor não podia queixar‑se das armas que tinha. Vestia bem, era simpático, conversador e culto. Sabia rir e fazer rir. Era, contudo, desajeitado na maneira como se relacionava com as mulheres quando assumia um interesse amoroso. Conseguia idealizar, as coisas da melhor forma, mas executava‑as muito mal e, invariavelmente, deixava passar o momento certo. Era, por isso, um homem só.
Frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa sem levar o curso até ao fim. Sempre o achou insatisfatório, redutor das suas capacidades, do seu potencial. Ali via um excessivo formalismo que retira a espontaneidade, que retira o sal da vida. Naquela altura da vida o curso surgiu como uma tábua de salvação, um meio de sobrevivência. Mas não o acabou. Não por falta de capacidade, mas porque, quando estava no quarto ano, deu o seu grito de liberdade apoiado na arte para a escrita. De um momento para o outro, viu‑se na lista dos mais vendidos uma, duas, três, oito vezes.
Acabara agora o seu décimo romance em doze anos e até hoje só tivera um fracasso e um sucesso menor. Todos os outros venderam para além das expectativas, tendo sucessivas edições e sendo, durante semanas, o livro mais vendido, o mais desejado.
Conduzido ao fracasso na vida pessoal, descobriu uma vitória no universo da ficção. Escrevia para dar largas à sua vasta imaginação. Escrevia aquilo que queria ser. Aquilo que era incapaz de atingir. Escrevia o que sentia e porque o sentia. E gostava de pensar que era capaz de mudar alguma coisa com isso.
Se alguma dessas revistas que nada têm sobre o que escrever, fizesse uma sondagem junto do homem comum decerto uma considerável maioria desejaria ser como ele. A imagem pública do escritor era muito positiva. Aparecia frequentemente nos meios de comunicação social, fazia parte do grupo da gente rica e bonita, e beneficiava da identificação com os seus personagens, heróis que nunca se davam mal e sempre venciam no fim.
Mas Vitor era um homem só. Um homem sem mulher ou amigos de verdade. Um homem que só se tinha a si.
(continua)

8.11.05

A FERRO E FOGO - onde estão os limites

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Paris, França, vivem dias complicados. As fogueiras sucedem-se consumindo carros, casas, estabelecimentos, tudo sob a capa da exclusão social. Será?
Temo que algo que possa ter começado como uma legítima manifestação de desagrado contra as condições cada vez mais degradadas e degradantes em que vivem milhares de pessoas, essencialmente emigrantes, tenha descambado numa anarquia de contornos sádicos, destrutivos.
à medida que se sucedem as noites de incêndio, o cidadão comum sente-se a viver numa cidade sitiada. Os "desprotegidos", que vivem nos subúrbios de onde virão os "protestos" também não se sentirão a ganhar coisa alguma. O Estado vê-se perante a necessidade de impôr a força, assumir a repressão, ou perder o controlo das fundações da sua própria existência.
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É que, bem vistas as coisas, do "lado de lá", por parte dos manifestantes, não há um rosto com quem dialogar. Não há diálogo possível. Ao Estado, representado pelo Governo, só cabe resolver a situação. Mediante a repressão, ou a cedência, tomando medidas... ou numa mitigada solução. Felizmente não me cabe escolher a solução, pois não faço ideia como se resolverá tal imbróglio.
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Por outros países aparecem arremedos de cópia do levantamento. Com que intenção.
A intenção anarca do caos que permite condutas ilícitas sem controlo. O caos é propício à exploração do indivíduo mais fraco, da maioria das pessoas comuns, por uma maioria sem escrúpulos.
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Nos outros países também há bairros nos subúrbios, minorias, emigrantes, pobres, desempregados, carências. Há que aprender a lidar com isto, sob pena de hipotecar muito do que se ganhou na segunda metade do sec. XX.

4.11.05

Anos '80 - 80 memórias (39)

Botas caneleiras
Ficaram algures pelos anos 80 aquelas botas caneleiras que toda a gente tinha. De preferência com protectores para fazer mais barulho. Para deslizar nos corredores da escola, para trotar por todo o lado, para enfiar um valente pontapé em alguém inconveniente.
Depois..., depois perdeu-se o cano das botas, aparecerem novos materiais, modelos leves e verdadeiramente impermeáveis, e foi o adeus às caneleiras.
Mas associo-as, sempre, àquele período entre o 1º ano do Ciclo Preparatório e o 9º ano, e aos corredores das duas escolas onde andei.

2.11.05

O Edifício da Verdade (2)


Vitor Cardoso estivera a pé até perto do meio‑dia. Mais de dezoito horas seguidas de trabalho para poder entregar um novo romance ao exigente editor. As cinco horas de sono que conseguiu gozar souberam‑lhe a pouco, mas teve que se levantar. Apesar de ser já um escritor com sucesso, não podia evitar uma série de compromissos. O próprio sucesso impossibilitava-lhe outra opção. A festa desse dia era um desses compromissos, tanto mais que lá entregaria o original da sua nova criação.
De volta ao quarto, ergueu de uma só vez o estore, deixando entrar o sol poente que amarelava sobre as paredes. Cerrou os olhos perante a agressão brilhante que o cobriu e abriu a janela para deixar entrar o ar frio. Sentiu uma corrente de energia positiva. Lá fora, nem uma nuvem, nem um farrapo maculava o céu azul.
Vitor vivia num apartamento pendurado ao abrigo das muralhas do Castelo de S. Jorge, em Lisboa. Apreciou, pois, o Tejo sulcado por cacilheiros frenéticos no seu vai‑e‑vem diário. Apreciou as vizinhas que, lá em baixo, conversavam em voz alta de janela para janela. Apreciou a passarada que iniciava o recolher às escassas árvores que lhes serviam de lar. Apreciou o som de um eléctrico e da campaínha que fez soar enquanto rolava uma ruas abaixo. E sentiu um amargo de boca quando viu um casal que namorava num canto da rua, junto de umas escadas antigas.
Nunca encontrara alguém que justificasse um desejo perene, estável, e nem sabia porquê. Não se fazia de esquisito, excêntrico ou desagradável, mas todas as relações passadas foram efémeras e nunca o marcaram. Por isso, Vitor, com trinta e cinco anos a completar dentro de dois dias, era um homem só. Um homem sem mulher, e quase sem amigos de verdade. Um homem que só se tinha a si.
(continua)

Anos '80 - 80 memórias (38)

Quando era miúdo havia uns rebuçados em forma de limão, que se vendiam avulso, a peso ou à unidade. Eram bombas de açucar, duros, que se deixavam desfazer na boca. Muito amarelos (provavelmente cheios de corantes) e aliavam o doce do açucar com a acidez do limão.
Era viciado naquilo.
A dada altura deixei de os ver. Será que ainda existem?
A memória da goluseima confunde o prazer que davam com a qualidade que tinham. Em bom rigor nem posso afirmar que eram bons.
Sabiam bem. Isso sim. E sempre que podia ia comprá-los na mercearia do "Sr. Ernesto".