28.11.05

O congresso dos Juízes

Decorreu nos dias 24 a 27 passados o 7º Congresso dos Juízes Portugueses, organizado pela ASJP. Foram várias as notícias que passaram nos meios de comunicação social, sejam eles a imprensa escrita, as rádios ou as televisões. Li, ouvi e vi poucas dessas peças jornalísticas ou mesmo de opinião, pelo que apenas me poderei pronunciar, nessa matéria, sobre uma ou duas questões. Adiante lá chegarei.
Neste congresso os Juízes debateram temas actuais relativos ao desempenho da profissão, como sejam as novas tecnologias (vantagens, perigos, falta delas, desejos de futuro), a formação dos novos magistrados, a liberdade e independência do julgador, os desafios do associativismo. Não foi, por isso, um congresso meramente reivindicativo ou corporativista. Não foi uma reunião da Associação Sindical. Foi uma reunião por onde passaram mais de 400 juízes, mais de um quarto da classe.
Contudo, e no meio da actual situação da Justiça, à qual se criou o hábito de chamar crise(de tão prolongada já deveria ter passado a depressão) é natural que o congresso fizesse eco do descontentamento da judicatura. E assim aconteceu, logo na sessão de abertura solene pela boca do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quarta figura de Estado na hierarquia do Protocolo.
É sintomático ver alguém com aquela idade, aqueles anos de serviço, toda a experiência acumulada pronunciar-se nos termos em que o fez. Não sou dado a resumos, por isso recomendo a leitura da sua comunicação aqui, no site da ASJP, onde basta clicar na identificação do orador para aceder ao texto.
Mas curiosa foi a resposta que se seguiu pela boca do Sr. Presidente da República, o qual, aparentemente, só agora terá percebido o que realmente está em jogo na reivindicação da judicatura. Tarde reparou, porque se este discurso (também disponível no referido site) tem sido proferido há mês e meio seguramente teria sido poupada uma greve que aconteceu como medida extrema de apelo. Ainda assim, que fique clara a censura à forma afrontosa como o actual Ministro da Justiça conduz os desígnios do Governo nesta área.
Seguramente discordo de tais caminhos, mas se fossem trilhados de forma segura, digna e com respeito pelos envolvidos, ouvindo-os e aceitando discutir apontadas imprecisões ou imperfeições, teria que engolir em seco e esperar pela mudança de política ou de governo da Nação. Agora, perante tal postura do Presidente da República que, note-se, igualmente deixou palavras de censura aos Juízes, o Sr. Ministro da Justiça deveria repensar a sua estratégia. Porque a palmatoada vem de quem o nomeou, de quem, constitucionalmente, depende.
Após os trabalhos seguiu-se a sessão de encerramento. E mais uma vez, uma voz representativa dos Juízes, desta feita o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, apontou o dedo ao que deve ser repensado, e traduziu o estado de espírito de uma classe profissional com responsabilidades soberanas. Recomendo igualmente a leitura do seu discurso.
Agora, se se derem ao trabalho de fazer a leitura que recomendo, vejam bem se, como ouvi na rádio (Antena 1) e li nos títulos de primeira página (DN), o Ministro da Justiça ofereceu colaboração aos Juízes e estes a recusaram. O discurso de Alberto Costa reiterou a correcção das políticas já tomadas, foi púlpito de anúncio de novas medidas, e de forma autista, ignorando a queixas ecoadas pelos presidentes dos dois Supremos Tribunais, apelou à intervenção seguidista dos Juízes em tais desmandos governativos. Não se estranhe, pois, que perante uma plateia de perto de 500 pessoas, apenas a comitiva do Ministro, e os convidados, aplaudiram as palavras daquele governante.

Já vai longa a minha conversa. Para além dos apontados discursos (Presidente do STJ, Presidente do STA, Ministro da Justiça e, porque não, as do Presidente da ASJP) recomendo vivamente a leitura do texto da comunicação do Dr. Orlando Afonso (erradamente atribuída no site ao Dr. João Aveiro Pereira), sob o título “A independência do Poder Judicial: uma morte anunciada”. O tom leve e irónico esconde uma preocupação real e perturbadora. A ligeireza do descurso governativo, opinativo, jornalístico e do cidadão comum arrastam para uma posição indesejável o soberano poder judicial.

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