9.11.05

"O Edifício da Verdade" (3)


Alto, moreno, magro, cara pequena, bonito, uns olhos azuis metálicos... Vitor não podia queixar‑se das armas que tinha. Vestia bem, era simpático, conversador e culto. Sabia rir e fazer rir. Era, contudo, desajeitado na maneira como se relacionava com as mulheres quando assumia um interesse amoroso. Conseguia idealizar, as coisas da melhor forma, mas executava‑as muito mal e, invariavelmente, deixava passar o momento certo. Era, por isso, um homem só.
Frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa sem levar o curso até ao fim. Sempre o achou insatisfatório, redutor das suas capacidades, do seu potencial. Ali via um excessivo formalismo que retira a espontaneidade, que retira o sal da vida. Naquela altura da vida o curso surgiu como uma tábua de salvação, um meio de sobrevivência. Mas não o acabou. Não por falta de capacidade, mas porque, quando estava no quarto ano, deu o seu grito de liberdade apoiado na arte para a escrita. De um momento para o outro, viu‑se na lista dos mais vendidos uma, duas, três, oito vezes.
Acabara agora o seu décimo romance em doze anos e até hoje só tivera um fracasso e um sucesso menor. Todos os outros venderam para além das expectativas, tendo sucessivas edições e sendo, durante semanas, o livro mais vendido, o mais desejado.
Conduzido ao fracasso na vida pessoal, descobriu uma vitória no universo da ficção. Escrevia para dar largas à sua vasta imaginação. Escrevia aquilo que queria ser. Aquilo que era incapaz de atingir. Escrevia o que sentia e porque o sentia. E gostava de pensar que era capaz de mudar alguma coisa com isso.
Se alguma dessas revistas que nada têm sobre o que escrever, fizesse uma sondagem junto do homem comum decerto uma considerável maioria desejaria ser como ele. A imagem pública do escritor era muito positiva. Aparecia frequentemente nos meios de comunicação social, fazia parte do grupo da gente rica e bonita, e beneficiava da identificação com os seus personagens, heróis que nunca se davam mal e sempre venciam no fim.
Mas Vitor era um homem só. Um homem sem mulher ou amigos de verdade. Um homem que só se tinha a si.
(continua)

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