22.11.05

"O Edifício da Verdade" (6)

Quando foi servir‑se de um vodka limão, reparou novamente naquela mulher que entrara com Marcello. Algo cativava a sua atenção e isso não passou despercebido. De uma ponta para a outra da sala cruzaram olhares curiosos.
Aquele olhar. Aquele não era um olhar casual. Quando uma mulher olha assim para um homem, quer dizer "Olá! Quem és tu?". Sentiu­-se impelido para lhe dar uma palavra, mas não o fez. Parou, olhou à volta procurando Diogo. Estava na outra ponta da sala a falar com Marcello, alguém de quem Vitor se afastara conscientemente ao longo dos últimos anos. Procurou‑a de novo. Viu o vazio no local onde estivera segundos antes. Virou-se para circular e lá estava ela, sorrindo, metendo conversa.
‑ Olá, eu sou a Isabel.
‑ Olá. ‑ respondeu sem convicção, ‑ Vítor Cardoso. ‑ sorriu.
‑ Gostas de gatos?
‑ Gatos?
‑ Sim gatos. Têm pêlo, quatro patas, cauda e fazem miau.
‑ Mais ou menos...
‑ Como mais ou menos?
‑ São giros, na casa dos outros.
‑ Oh!, que pena... ‑ fez beicinho.
‑ Pena?
‑ Sim... é que a minha gata pariu uma ninhada e eu ando a ver se os distribuo.
‑ Não, eu não sou uma boa escolha. Aliás, tenho um cão cujo passatempo é papar gatos.
‑ Ah!, que crueldade.
Fora incapaz de resistir à tentação da mentira. Mas aquela mulher não podia ser normal, considerando a abordagem que lhe fizera. Que estaria ali a fazer? Não tinha nada a ver com a festa, com as pessoas que estavam presentes, que assumiam uma pose e procuravam não a perder durante aquelas horas de exposição pública. Mais ninguém na sala o abordaria assim.
Isabel não era alta. Na melhor das hipóteses, tinha 1,60m, ou seja, menos um bom palmo que Vitor. Também não era bonita, deslumbrante, artificial. Mas não era feia. Era... sensual, isso sim. Cabelo encaracolado, curto mas não muito, loira... Notava‑se que usava lentes de contacto nos olhos castanho amendoados. Busto pequeno, e ancas largas eram as formas evidenciadas pelo vestido de noite escuro que a desfavorecia, não obstante expor os ombros delicados e atraentes. Vitor julgou-a como sendo mulher para ver de ganga.
Enquanto com ela falava, certas expressões faziam‑lhe lembrar um dos seus ídolos de sempre, Janis Jophn. E conforme a foi conhecendo, mais essa sensação aumentava. Imaginou‑a em palco. Imaginou‑a na cama.
A conversa tomou rumos mais agradáveis do que qualquer outra que se escutasse naquele salão. Discos, filmes, livros, gostos comuns e outros nem por isso. Nas escadas, um casal descia, incapaz de esconder que fora satisfazer a sua líbido na convencionada rapidinha. Dos lavabos, dois jovens casais vinham a rir. Não eram gargalhadas naturais. Para os mais conhecedores, era indiscutivelmente o efeito dessa dama branca que dá pelo nome de cocaína.
Diogo e Marcello aproximaram‑se. Este último cumprimentou‑o efusivamente, incapaz de se aperceber que Vitor já não prezava a sua companhia. Contudo, por viver naquele mundo hipócrita, o escritor habituara‑se a ocultar os seus verdadeiros sentimentos.
Após cinco minutos de conversa de circunstância, coroada com diversas risadas forçadas e alguns sorrisos amarelos, Marcello afastou‑se. Atrás dele seguiu Isabel. A mulher agia como que enfeitiçada, olhando‑o como se nunca tivesse conhecido outro homem. A sua atitude foi tão óbvia que Vitor não a conseguiu ignorar. De um momento para o outro viu‑se só, sob o olhar fraterno do compreensivo Diogo.
‑ Esquece‑a, pá, não é mulher para ti... E vê‑se que está caída pelo Marcello. Realmente nunca percebi o que é que o gajo tem que as atrai que nem mel.
‑ Está no Governo, tem dinheiro e é um filho‑da‑puta. ‑ levantou‑se para ir buscar outro vodka. Com um simples olhar encarregou‑se de trazer mais um whisky velho para o arquitecto.

Sem comentários: