O Alentejo não é um deserto, mas um refúgio.
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POEIRA
Ao longe, uma ténue nuvem de poeira anunciou que alguém se aproximava, alguém vinha calcorreando o estradão de terra amarelada, por entre curvas e oliveiras velhas.
O sol já procurava abrigo por trás dos longínquos montes que definiam o horizonte. A planície dourada estendia-se entrecortada por zonas verdes e desertos pedregosos, por pequenas colinas e vales irrisórios, por sombras e luz, rasgada pela serpente que alguém um dia definiu como o melhor acesso àquela casa. Ali perto a água murmurava na margem barrenta e ainda reflectia o brilho alaranjado com força suficiente para ofuscar quem para si olhasse. Ouviam-se também cigarras, zunidos de moscas, mas pouco mais. O calor deixara de sufocar, tornando-se agradável com a ajuda de uma quase imperceptível brisa de Norte.
- Vem aí gente. – anunciou para a mulher que dormitava à sombra da oliveira mais antiga das redondezas com o terceiro volume do “Em busca do tempo perdido” de Proust aberto e abandonado sobre o colo.
Alertados pela voz do dono, dois rafeiros alentejanos ergueram-se rapidamente e em silêncio olharam o pó à distância, mais ouvindo que vendo, de orelhas espetadas e cauda parada. A mulher levantou-se com o livro na mão, esfregou os olhos e focou o olhar lá no fundo, onde a distorção provocada pelo calor impedia a nitidez.
- Quem será?
- Não faço ideia. Serão no máximo duas pessoas, a julgar pelo pó. E não vêm a pé, pela velocidade que se adivinha.
- Não oiço motores.
- Não os terão.
Em silêncio esperaram que uma curva mais exposta revelasse a origem daquele pó. Os cães sentaram-se, percebendo que ia demorar a acontecer alguma coisa. Ainda assim, não desarmaram a atenção. Parecia até que respiravam mais devagar para não incomodar.
Os minutos correram ao som do campo até que conseguiram ver dois vultos de bicicleta contornar a primeira curva que expunha os viajantes no estradão. Cientes disso, os ciclistas pararam, olharam à distância, viram o casal junto à casa e acenaram com vigor.
- Reconhece-los?
- Não. – ainda assim, acenaram de volta, desconfiados.
As bicicletas mantiveram-se imóveis por um pouco mais. Pela forma como os dois indivíduos olhavam para trás adivinhava-se a chegada de mais gente, o que veio a acontecer quando uma terceira bicicleta vagarosamente se lhes juntou. Vinham de uma longa jornada, denunciava a bagagem que carregavam. O terceiro ciclista, manifestamente uma mulher, também olhou à distância e acenou vigorosamente.
Um sorriso largo abriu-se no rosto da dona dos cães.
- Ah! – exclamou – Já sei quem são! – anunciou com excitação.
- Quem?
- A mulher é, sem qualquer dúvida, a Luísa. Sempre vieram.
Um momento de atenção foi o suficiente para que ele interpretasse novamente as imagens, agora à luz dos novos dados. As cautelas abandonaram o seu rosto barbado dando lugar a uma gargalhada.
- Pois é! Sem dúvida que os primeiros são o Vasco e o Nuno.
Os cães partilharam a excitação, ladrando com vigor enquanto davam pulos de cauda a abanar.
- Vamos buscá-los. – disse para a mulher.
Pegaram nas suas bicicletas e lançaram-se pelo estradão. Rapidamente se encontraram, abandonando o selim e trocando beijos e abraços.
- Meu Deus, sempre vieram! – repetiu. – Devem estar estoirados.
- Já nem sinto o rabo. – disse Luísa de perna aberta.
- Decidimos aceitar o vosso convite. Espero que não haja qualquer inconveniente, Luis.
- Nunca. – respondeu este enquanto aliviava a carga da recém-chegada, tomando por sua a mochila. – Inês, leva a mochila do Nuno, por favor. – pediu à sua mulher.
- Eu estou bem, obrigado.
- Deixa-te de tretas e partilha o teu peso. – insistiu Inês estendendo o braço.
Fingindo-se contrariado, foi com alívio que libertou os ombros das amarras da sua carga.
- Mas venham. Vamos sair do sol, sentar-vos confortavelmente, encher-vos de água e comida. Depois contam-nos tudo.
(continua)
2 comentários:
:) Eu já conheço estas palavras do Urso Polar! :) Leiam, é uma história muito bonita, vale a pena! :)
estou à espera... expectante.
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