A sala estava cheia, mas quase em silêncio.
Várias dezenas de pessoas reunidas à espera. À espera da sua vez, de ouvir o seu nome no fanhoso aparelho de som indicando o gabinete para o qual se deveria encaminhar. Ao contrário do que era habitual, as duas televisões estavam desligadas, sentindo-se a ausência das notícias que precediam o programa da manhã.
Lá fora chovia e estava frio. Mais frio que na última semana. A queda foi tão abrupta que justificou uns “alertas amarelos”. Talvez por isso, o pouco que se ouvia era traduzido em fungadelas, tosses e espirros. Vai-se ao hospital para ser tratado pelo médico e traz-se de lá uma gripe oferecida pelo doente sentado ao nosso lado.
Quando entrou, poucas foram as cabeças que se dignaram notar nele. Porém, minutos volvidos, não havia um único paciente que não estivesse à procura de um ângulo de visão para o olhar.
Ele sentou-se num dos lugares lá do fundo e abriu o jornal do dia. E ao fim de um minuto começou a falar. Não se dirigia a ninguém em particular, antes aproveitando a audiência silenciosa.
“Claro que o tempo está mau. Vento, chuva, tempestades. Claro que sim. Gastam o dinheiro todo em porcarias e a mandar coisas lá para cima que dão cabo de tudo. Isso e o aquecimento global. Quando era miúdo tínhamos quatro estações. A Primavera vinha em Março. Os dias aqueciam, floriam, as tardes cresciam aumentando o nosso tempo de brincadeira. Em Junho começavam as férias grandes e começava o Verão. O sol, o calor, a praia. Até Setembro. Lá para o final vinham as chuvas e as trovoadas que anunciavam o Outono. Quando começávamos as aulas já não tínhamos vontade de continuar no Verão e ambicionávamos o fumo das lareiras, das castanhas, o frio que aumentava anunciando o gelo do Natal e do Inverno. Isso é que eram tempos. Sabíamos quando íamos ter calor, frio, sol, chuva. Hoje nada mais é assim. Foram eles que deram cabo de tudo”.
A voz era elevada, e cada um dos doentes em espera conseguiu ouvir todo o discurso. Trocaram-se sorrisos, alguns trocaram umas palavras. Mas de novo o silêncio se instalou até que ele continuou.
“Como se não bastasse, agora cortam em tudo. Cortaram-me a pensão, cortam-me os medicamentos, os tratamentos, pedem-me para pagar tudo. A comida está mais cara. O senhorio chula-me coiro e cabelo. Água, gás e luz levam-me outra fatia esmagadora. Qualquer dia vou viver para a rua… Isto já lá não vai a bem. Qualquer dia o povo chateia-se e muda isto tudo outra vez.”
Desta vez ouviram-se vários a perguntar, quem era aquele personagem.
Os pacientes mais antigos respondiam e avisavam:
“Não sei bem, mas está aqui todos os dias. Chega com o jornal e começa a fazer o comentário em voz alta.”
“O melhor é ignorá-lo. Quem decidir dar-lhe troco tem para a manhã inteira, que o tipo fala, fala, fala que se desunha”
“Acho que vem todos os dias. Eu, pelo menos, já é a terceira vez que o apanho. Aqui, pelo menos, não está ao frio ou chuva.”
O monólogo continuou.
“O governo não tem dinheiro, mas não cobra aos clubes que gastam milhões em futebol… Está tudo perdido. O melhor é emigrar, como diz o outro. Não sei para onde. Eu acho que ia bem para a Venezuela. Ainda tenho para lá uns primos. Se bem que a violência…”
“Olhe que por aqui, também está cada vez pior.” - respondeu-lhe um dos doentes, do alto da sua sabedoria de setenta anos...