11.1.13

À chuva

Foi com vergonha que se deixou ficar à chuva, para vomitar longe dos olhares dos outros passageiros. As ondas agitavam a pequena embarcação, e no espaço confinado onde se sentavam os passageiros respirava-se um odor azedo, pesado. Qual efeito de bola de neve, aos poucos, cada vez mais pessoas abriam um saco de emergência para nele depositar a sua repulsa enjoada.
Quando não aguentou mais, levantou-se e de imediato se juntou ao grupo. A náusea atacou-o, sentiu o mundo às cambalhotas, e valeu-lhe a rapidez de reflexos para pegar num saquinho plástico branco e sair disparado para o convés.
Depois de lançar borda fora os despojos do seu estômago, agarrou-se à amurada e deixou a chuva intensa ensopar-lhe a roupa, o cabelo, escorrer na pele. Arrefeceu rapidamente e ao fim de um quarto de hora já tinha tremores de frio.
Não se importou. Antes uma pneumonia que o terrível enjoo.
Faltava mais de uma hora para aportar. Ia ser uma longa viagem, pensou, imaginando os minutos a passarem lentamente, embalados pelo trepidar dos motores, pelas ondas quebradas, pelo horizonte saltitão, pelo cheiro a gasóleo.
Ouviu então a porta de correr abrir e fechar-se com rapidez, e permitiu-se olhar para o seu novo vizinho. Muito parecido consigo, o homem aproximou-se da amurada e vomitou para as águas do Atlântico. Logo que recomposto, endireitou-se, olhou para si, sorriu e disse:
- Posso fazer-me convidado a uma conversa à chuva até à Terceira?

2 comentários:

Ouriço-Cacheiro disse...

Parece que já estive neste conto.

Urso Polar disse...

Eh, Eh, Eh...