A mala rolava veloz, tentando acompanhar o passo de corrida que imprimia pelo corredor do aeroporto. Por vezes dava uns saltos voando atrás de si até que a gravidade a empurrava novamente para o chão. Ladeava as passadeiras que, cheias, carregavam pessoas sem pressa, mais lentas que a sua corrida.
Pelas tabuletas via o número das portas em contagem decrescente. 34, 33, 32, 31, 30.
Ouviu um aviso em inglês sem lhe prestar atenção até perceber a palavra Lisbon. 26, 25, 24, 22.
Sem abrandar, dedicou parte do cérebro a descodificar a mensagem que agora se repetia em francês.
Recordavam que o voo da TAP partia da porta 2, e esta era última chamada. 15, 14, 13, 12...
Subitamente, sem que percebesse como, tropeçou noutra mala que corria à sua frente, estatelando-se com um embaraçoso estrondo. Como que num passe de mágica, a sua própria mala colaborou na vergonha e abriu-se, deixando fugir alguma roupa suja.
Combalido, aceitou o apoio das mãos que o alcançaram, elegantes, compridas, com um imaculado verniz vermelho. Mãos que tinham largado a mala na qual tropeçara para o apoiar no regresso à verticalidade.
Entre palavras, murmúrios, interjeições de circunstância, recolheu os seus haveres e acompanhou aquelas mãos que corriam para o mesmo destino.
Foram os últimos a entrar na aeronave e ofegantes sentaram-se, em filas contíguas.
Já sem pressa, as assistentes de bordo repetiram pela enésima vez as instruções de segurança.
Lá no ar, com o sinal de "cintos apertados" apagado, contrariando tudo aquilo que fizera na sua vida até então, foi meter conversa com a vizinha da fila frente.
Dois anos depois casou com aquelas mãos.
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