12.4.05

"Vidas" (10)


GRITOS

"Europa". "Pedro Nunes". "República Portuguesa". "1990". "Escudos". "100". Tanta mensagem numa moeda só. Moeda que rodopia, rodopia, rodopia.

A moeda roda na mesa até perder o balanço. O som muda até que, por fim, a moeda pára.
Oiço um grito. Mais um grito para a morte.

"Cala-te!, não posso mais ouvir a tua voz, matraca enfezada. Como pode um ser tão pequeno fazer tanto barulho?"

Faço rodar novamente os cem escudos bicolores. Mais uma vez o impulso se perde. O irritante som do metal no tampo da secretária sobrepõe-se ao mundo. Aplico uma concentração autista na elipses desenhadas pela rotação, procurando ignorar o mundo exterior. E a moeda pára.

Oiço um grito. Mais um grito para a morte.

Oh!, como pode alguém sobreviver à partilha de um dia se o silêncio é uma ausência? Como posso caçar se a vizinha afugenta a presa? Como posso concentrar-me se quem partilha o meu espaço continua a massacrar os meus tímpanos com uma aguda diarreia?

Faço rodar a moeda e olho as elipses a desvanecerem-se. A moeda pára.

Oiço novamente a voz.

Com calma, abro a gaveta da secretária de onde extraio um revólver guardado como prova. Aponto cuidadosamente. Disparo.

Oiço um grito. O grito da morte.

As ideias escoam pelo buraco na minha têmpora.

"Olha, Deus existe... e não é uma Tartaruga".

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