COMPORTAMENTOS
Havia anos que o seu comportamento se repetia. Dia após dia, mais certo que um relógio suíço. No emprego era conhecido como o autómato. A sua pose rígida, o olhar vazio, a pontualidade doentia. Colegas de anos nunca o ouviram pronunciar uma palavra. Nem "bom-dia". Ninguém sabia como era, o que pensava.
Chegava às 8.30, às 16.30 erguia-se e saía. A secretária sempre arrumada. Nem um papel desviado. Nem um clip ou um elástico perdido.
Em casa a organização era implacável. Uma fotografia de hoje comparada com outra de há dez anos atrás não teria diferenças. Tudo no mesmo sítio. Tudo limpo.
No dia 11 de Novembro cumpriu a sua rotina diária sem um único desvio. Às cinco da tarde entrou em casa. Como se deslocava a pé para o emprego, nunca corria o risco de se atrasar. O percurso era feito a um ritmo, a um passo certo. Demorava sempre o mesmo tempo.
Entrou. Despiu o casaco que, com rigor, depositou no guarda-fatos. Sentou-se no sofá da sala, frente a um tabuleiro de xadrez, e jogou uma partida contra si mesmo. Quando terminou, repôs as peças nas casas iniciais e sorriu.
Sorriu.
Toda a casa pareceu iluminar-se com um gesto que era desconhecido. Desde que lá morava que aquelas paredes não viam as extremidades de um par de lábios esticarem-se e tentarem chegar às orelhas.
Levantou-se. Foi à casa-de-banho. Olhou-se ao espelho.
*
Nunca se apurou porque saltou da janela da sala, vinte e três andares acima do solo.
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