As duas voltas da chave na porta de entrada anunciaram-lhe que Clara ainda não estaria em casa. Entrou no espaço escuro e silencioso empurrando a porta nas suas costas. Respirou fundo tentando esquecer aquela merda toda.
Sem acender qualquer luz encontrou os passos para o escritório onde deixou no cofre a pistola, ferramenta que durante todo o dia lhe pesara na cintura. Depois percorreu o corredor, onde luzes vindas da rua mostravam os contornos dos obstáculos que conhecia de cor, e entrou na cozinha.
Foi quando rompeu a escuridão, com a ténue lâmpada que por baixo dos armários iluminava a bancada, que viu o bilhete: "Fui ao cinema com a Alice. Volto às 10h. Beijos. C."
Clara não acreditava em SMS ou chamadas telefónicas a constatar o óbvio. Melhor assim, Mantinha o factor surpresa e, em dias como este, permitiam-lhe gozar de uma hora de descompressão para desligar do trabalho.
Acendendo agora todas as luzes por onde passava foi ao quarto mudar de roupa para algo mais caseiro, passou pela casa de banho, foi à sala ligar a televisão e voltou à cozinha. Do frigorífico retirou uma sobra de lasanha que em dois minutos aqueceu no micro-ondas. Levou uma lata de coca-cola e sentou-se no sofá com o prato na mão.
Comeu e bebeu revendo um episódio de uma série cómica norte-americana que insistentemente passava nos canais do cabo. Ao fim de uma hora, quando Clara pôs a chave à porta, já a rapariga morta estava guardada para só retornar no dia seguinte, depois do acordar.
1 comentário:
gosto tanto!
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