12.2.13

Bestas

"Foi preciso chegar a Lisboa para ver as pessoas a comer de pé, como as bestas", recordou. A frase, do seu avô, traduzia a incompreensão perante o estranho fenómeno da capital conhecido como os "pratinhos ao balcão". Mas o dinheiro era cada vez menos, o tempo também, e não desdenhava a possibilidade de almoçar num quarto de hora por quatro euros... prato, imperial, café.
Quando o pequeno prato lhe foi posto à frente, agarrou no saleiro e despejou uma quantidade considerável de sal sobre a jardineira cheia de molho que se lhe apresentava. Não contente, depositou ainda uma boa dose de pimenta, misturando tudo com o garfo. Recordando práticas de criança, esmagou as batatas, as ervilhas, as cenouras, num puré que embebeu grande parte do molho e absorveu em cada garfada os sabores que se reuniam no prato. 
Nada elaborado. Sabia ao guisado da mãe, quando requentado de dois dias. Ali, contudo, era vendido como prato do dia. Afastou da mente cenários imaginados da cozinha do snak-bar concentrando-se em  engolir a comida que tinha à frente. Não mastigava muito, porque não era preciso. Não saboreava porque, apesar do sal e da pimenta que todos os dias enfiava na comida, havia muito que deixara de sentir o sabor dos alimentos. Diziam-lhe que era dos dois maços de tabaco que fumava por dia. Talvez. Também o tabaco já a nada lhe sabia. Era só o vício de ter qualquer coisa na mão e fumo nos pulmões.
Dez minutos depois acabou a bica, deixou duas moedas no balcão e saiu, acendendo mais um prego. 
Até as bestas comem mais devagar e saboreiam melhor a palha ou a erva ou lá que merda é que elas comem.

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